Sunday, January 31, 2010

Pactos diabólicos 2

Ao atribuir a tragédia haitiana a fatores religiosos, o pior erro de Pat Robertson foi esconder a sua verdadeira causa. O caos social, político e econômico em que se encontra aquele país é fruto de uma das piores experiências coloniais do planeta. O Haiti passou pelas mãos da França, Inglaterra, Espanha e até dos EUA. O escravagismo foi um dos mais cruéis. Foram 500 anos de pura exploração.

A mistura de africanos, nativos, brancos e mestiços geraram inúmeras convulsões sociais. Algo tão terrível que a população haitiana vem fugindo do seu país há séculos, como mencionei no post anterior.

A história do Haiti nos faria agradecer pela herança lusitana, que notoriamente não é grande coisa. Como diria o Lula, o Diabo do Haiti é branco e tem ohos azuis.



Foto: Em 2009, aproveitei o sol até os últimos dias. Fui à Provence no final de outubro, durante a semana da Toussaint (Todos os Santos). Depois disso, frio e muita neve. A foto mostra o famoso Château de Lourmarin. O aspecto é fundamentalmente renascentista (século XV), embora tenha sido construído a partir de uma fortaleza do século XII. Hoje, é um importante centro cultural da região.


Saturday, January 30, 2010

Pactos diabólicos 1

O Brasil e o Haiti conheceram o mesmo processo de sincretismo religioso, que misturou os rituais africanos ao catolicismo. Apesar da conversão imposta pelos franceses, os escravos finalmente preservaram suas práticas, que vigoram no Haiti até os dias de hoje.

Por circunstâncias históricas, o Vodu acabou sendo muito mais conhecido no Ocidente do que a Umbanda e o Candomblé. Uma das razões é a diáspora haitiana, que levou a sua cultura para diversos países, sobretudo os Estados Unidos. O Vodu é conhecido e temido. Grandes escritores usaram a sua imagem para dar um toque de terror às suas obras.

Baseados nessa fama, alguns jornalistas entrevistaram líderes religiosos do Haiti após o violento terremoto. Eles afirmam que os Deuses sabiam da tragédia de antemão. E complementam: "Tentaram avisar o povo do Haiti, que não entendeu a mensagem."

Cada um que interprete a resposta dos pais-de-santo haitianos de acordo com a sua religiosidade. Eu acho de uma tremenda cara de pau. Mas, fico por aqui. Não dou a menor bola para o Vodu. Bem, agora me lembrei que sumiu uma caixa de agulhas aqui em casa. Pensando bem, melhor corrigir este post...


Foto: Ainda em Salon de Provence e seu castelo encravado no centro da cidade, o Château de l'Empéri, do século IX.

Tuesday, January 26, 2010

De volta para o remetente

Os radares da Córsega falharam. Evidentemente, a França não foi atacada. Pior! Um barco se aproximou da ilha e despejou dezenas de refugiados curdos. Existem pelo menos 30 milhões de curdos entre Irã, Iraque, Turquia e Síria. Eles são minoria nos quatro países. Minoria não, saco de pancadas: Vítimas de perseguições, chacinas e todo tipo de violência.

Sarkô autorizou que eles sejam submetidos a exames médicos básicos, tomem um banho e passem um perfuminho. Depois, que sejam despachados de volta para o remetente. Aqui, eles não ficarão!

Ninguém dá bola para os curdos. Se eles estivessem apenas no Irã, seriam mais úteis. Poderiam ajudar a desestabilizar o regime. A mídia mostraria a sua calamitosa realidade e, quem sabe, seriam festejados como os palestinos. Mas, não é o caso. A chave do problema é a Turquia. Este importante aliado do Ocidente no mundo islâmico poderia ser desestabilizado pela recrudescência da causa curda.

Enfim, o mundo pensou e concluiu que é melhor deixar assim mesmo.


Foto: No final de outubro, passei alguns dias na Provence. A foto é do centro de Salon de Provence, num belo cantinho a poucos metros da casa onde viveu Nostradamus, atualmente um museu. Interessante, por sinal.


Sunday, January 24, 2010

Curtas artísticos

Ainda no cinema, assisti "Gainsbourg, vie héroïque". O filme tem seus altos e baixos no melhor estilo francês. O melhor do filme é Eric Elmosnino e Laetitia Casta revivendo os amantes Serge Gainsbourg e Brigitte Bardot. Tamanha sensualidade só poderia ter sido a fonte de inspiração de "Je t'aime moi non plus". A música ficou eternizada posteriormente com Serge e Jane Birkin, pois o marido de Bardot, um industrial alemão, não havia autorizado a sua divulgação. Pois é, o que é hino ao amor para uns, é hino ao corno para outros.

Salieri se deu bem mais uma vez. Na ópera-rock Mozart, ele ficou com a melhor música "Assasymphonie". Seu intérprete, Florent Mothe, foi a revelação do ano. O espetáculo está em tournée pela França. A gente gosta mesmo é dos vilões!

Na literatura, como havia comentado, o prêmio Goncourt é dinheiro no bolso. Marie NDiaye, autora de "Três mulheres poderosas" só perde para Dan Brown com "O símbolo perdido". Já no mundo dos livros trash, para minha surpresa, achei uma suposta autobiografia de Jean Sarkozy (do alto dos seus 23 anos) entre os mais vendidos. O nome do livro é "Minha vida, minha obra e meu scooter". Autor não identificado. O livro é mesmo uma gozação. Vendeu tão rápido que nem deu tempo para o papi processar o editor. Eles merecem!


Foto: Ainda na região da Chartreuse (Isère), cena de Saint Pierre de Chartreuse. O gado dá lugar a uma disputada pista de esqui nesta época do ano.

Monday, January 18, 2010

Invictus


Invictus, o novo filme de Clint Eastwood, fala sobre muitas coisas: Inspiração, conciliação, superação e também sobre rugby. Não é o melhor filme do diretor, mas é muito bom. A história sobre a África do Sul e seu time de rugby é real. Os breves momentos de grandeza de Nelson Mandela (Morgan Freeman) são uma verdadeira lição.

Sem querer contar tudo, além da bela e contagiante aventura de um time de rugby que simbolizava o Apartheid, o filme mostra que mesmo os assessores mais próximos de Mandela tinham sede de vingança. Ele, como verdadeiro líder, soube impor a sua visão para buscar a conciliação e construir um novo país. Espero que os petistas revanchistas que estragaram o PNDH-3 também possam assistí-lo e aprender alguma coisa.

Gostei muito da parte do filme que gira em torno do rugby. Afinal, desde que cheguei à França, acompanho as partidas da seleção gaulesa. Também acompanhei intensamente a última Copa do Mundo (2007), sediada na França, e vencida pela própria África do Sul, uma nova potência nesse esporte.

Coincidentemente, estava num hotel parisiense lotado de torcedores sul-africanos às vésperas da grande final. Foi uma diversão à parte. O meu desgosto de 2007 foi ver a ascensão da Argentina nesse esporte, que venceu a França duas vezes na mesma Copa!

Bem, blog é assim mesmo. A gente começa falando de cinema, passa por política e acaba com futebol, ops, quer dizer, rugby.


Nas fotos, lembranças do meu primeiro clássico de rugby no Stade de Gerland (o templo sagrado do Olympique Lyonnais): Paris (Stade Français) contra Perpignan (USAP), com vitória do time catalão, que sagrou-se campeão francês de 2009.



Sunday, January 17, 2010

Tragédias


Já mandou a sua ajuda ao Haiti? Não tenho um sistema de rastreamento para tal, mas é fácil dizer que, provavelmente, ela não chegará ao seu destino e, talvez, nem chegue ao Haiti.

O nó logístico é difícil de desatar, pois não há como receber, separar, armazenar e distribuir a ajuda vinda do mundo inteiro. Com o aeroporto improvisado, as ruas destruídas e o caos reinante, muitas coisas serão pilhadas ainda no aeroporto; quando não forem desviadas pelos próprios servidores do Haiti.

Enviaram toneladas e toneladas de arroz e massas. Para que? Não há água, eletricidade nem gás. Vão comer isso cru?

O Haiti já era uma tragédia antes do terremoto. A mega mobilização do Ocidente para ajudar o país é outra tragédia. Pode sensibilizar meia dúzia de pessoas, porém é ineficaz. Um descaso. Como se tivéssemos encontrado alguém quase morto após uma semana no deserto e o atirássemos na piscina para salvá-lo.

Mandar mantimentos e medicamentos é fácil. Se quisermos salvar o Haiti, precisamos mandar gente. E muitos cassetetes.



Foto: Em Isère, na região da Chartreuse, onde há um importante monastério do mesmo nome. A casa mostrada na foto integra o complexo do monastério, embora ele esteja isolado num vale não muito distante. A região também conta com um belo parque natural. Mais informações:

Tuesday, January 12, 2010

Dilemas aéreos

Ryanair e Easyjet, as duas maiores companhias "low-cost" da Europa, estão fazendo um estrago no mercado. A irlandesa Ryanair transporta quase o mesmo número de passageiros da líder Air France-KLM, em torno de 70 milhões ao ano. A Easyjet, por sua vez, já ultrapassou a compatriota British Airways, atingindo 46 milhões.

A boa notícia é que o fenômeno low-cost está mesmo pressionando as companhias tradicionais. A má notícia é que as últimas deverão recorrer aos mesmos truques para baixar o seus preços. Eu digo truques, pois em várias comparações, ao considerarmos o custo total da viagem, a diferença pode não ser tão grande.

Eu usei a Easyjet algumas vezes. De férias ainda vai, mas a negócios é um mico. Enquanto que num vôo normal da AF, podemos chegar meia hora antes da partida, com a Easyjet há bem menos flexibilidade. Sem contar que os aeroportos usados pelas companhias low-cost são geralmente mais distantes dos grandes centros.

O ponto mais polêmico é a diferença de salários e encargos. Os sindicatos franceses acusam as campeãs do low-cost de "dumping social", mas a AF não perde tempo: Recruta seus efetivos cada vez mais fora da França. C'est la vie!

Lyon é um sinal desta invasão. A AF não cedeu espaço para a Easyjet no aeroporto. A Easyjet e as autoridades locais montaram um galpão pré-fabricado ao lado do aeroporto. Virou o novo terminal 3. Enquanto que o aeroporto fica às moscas, o galpão improvisado da Easyjet está fervilhando.


Foto: Tomada do Hôtel de Ville de Saint-Étienne, no Departamento do Loire. O meu programa na cidade foi a visita da recém inaugurada Cidade do Design. Porém, em frente do Hôtel de Ville, encontrei uma feira de carros bem interessante. Advinha aonde eu passei mais tempo?

Mais informações: http://www.citedudesign.com/

Saturday, January 9, 2010

Copa, TV e cultura


Os editores franceses faturam anualmente 5,0 bilhões de euros com livros. No Brasil, o número é próximo de 1,3. No cinema, é a mesma coisa. O blockbuster de 2009 dos dois países foi "A Era do Gelo 3". Na França, o filme faturou 70 milhões de dólares e no Brasil, 45. Os números seriam aceitáveis se não fosse a enorme diferença de população entre os dois países: A França tem 65 milhões de habitantes e o Brasil está a caminho dos 200.

Enfim, comparar indicadores culturais do Brasil com os países da Europa ainda é uma covardia. O notável progresso econômico recente do Brasil empolga muita gente e é digno de comemoração, mas não nos esqueçamos que ainda há muuuuuuuuuuuuuito a se fazer.

Eu consegui achar uma quase exceção nesse atraso cultural brasileiro. Em se tratando de televisão, o domínio da Globo, a paixão pelo futebol e a massa de telespectadores produzem um senhor efeito de escala. Enquanto a Globo enche os seus cofres em ano de Copa, a TV francesa mal consegue viabilizar o pagamento dos direitos de transmissão do evento. Depois de muita negociação, os canais privados e públicos dividiram a conta para viabilizar uma operação sem lucros. Também, quem é que se empolga com a seleção francesa? Resta saber se futebol é cultura.


Foto: A vila de Grignan, ao pé do castelo. Com as cores e pedras típicas do sul da França.

Thursday, January 7, 2010

Vacinados

O ano de 2010 começou muito agitado por aqui. Apesar das baixíssimas temperaturas, raramente positivas, a atividade política e a pressão sobre o governo continuam altíssimas.

Depois de algumas derrotas, o governo francês começa 2010 com um daqueles escândalos típicos gauleses: Excesso de doses de vacinas contra a gripe A. Para uma população de 65 milhões, o governo comprou 94 milhões de doses. Usou apenas 5 milhões. Além disso, a França tem um terço do estoque mundial de Tamiflu.

Roche, GSK, Sanofi e Novartis agradecem. Obviamente, a brincadeira vai sair cara para o povo francês: Bilhões! Depois do vexame, resta a renegociação com os laboratórios e a possibilidade de revenda para outros países. Egito, Ucrânia e outros estão na fila.

Enfim, países desenvolvidos extremamente burocratizados e socializados também pecam. Mais por excesso do que por falta.


Foto: Ainda na Drôme, a meia hora da Universidade do Vinho, visitei o Castelo de Grignan. Local muito famoso pelas festas aristocráticas do século XVII em diante, principalmente aquelas organizadas pela Marquesa de Sévigné. O castelo original é do século XII e uma boa parte dele está em ruínas.