Wednesday, March 31, 2010

Charles & Alice

Os filmes em 3D estão salvando Hollywood. Até agora, eles têm sido eficazes na proteção contra a pirataria descontrolada pela Web. Também têm sido generosos caça-níqueis, associado aos temas infanto-juvenis (para não dizer outra coisa).

Finalmente, assisti a um filme em 3D que escapa da mediocridade: Alice no País das Maravilhas. O clássico de Lewis Carroll continua inspirando os amantes das letras, números e lógica. O filme passa muito rápido para se absorver a riqueza do texto, a menos que você tenha lido e relido o livro algumas vezes. Pena que tenha deixado a edição comentada por Martin Gardner no Brasil.

A vida de Charles Dodgson - o verdadeiro nome de Carroll - continua suscitando especulações. A suspeita de pedofilia ainda é grande. Há inúmeras suposições a respeito dos laços de Charles com as meninas da família Liddell: A verdadeira Alice e a sua irmã Lorina.

No mundo dos calorosos debates sobre a personalidade de Charles, a última novidade é o livro da inglesa Jenny Woolf. Ela vasculhou a vida do escritor com uma disciplina da auditoria ou mesmo da ciência forense. Sua conclusão: Nem gay, nem pedófilo. Charles Dodgson seria uma pessoa "normal".

A música tem Michael Jackson, o cinema tem Roman Polanski e a literatura tem o eterno Lewis Carroll.


Foto: Mais uma tomada de Monaco, desta vez mostrando a parte mais antiga da cidade, sob o famoso rochedo.

Saturday, March 27, 2010

Lágrimas primaveris

A primavera européia é mesmo especial. A partir da metade de março, a paisagem branca transforma-se num grande tapete verde, o sol reaparece, a temperatura sobe e, finalmente, surgem as flores. Beleza para fazer chorar. Sim, chorar de verdade.

Os médicos esclarecem: Quanto mais rigoroso é o inverno e o contraste térmico com os primeiros dias da primavera, maior a intensidade da polinização. A concentração de pólen no ar é uma tragédia para os alérgicos. No meu caso, nada grave, apenas uma irritação nos olhos, que provoca um leve lacrimejamento. Se alguém passou por aqui há duas semanas e me viu chorar, está explicado.

A França tem um serviço de monitoramento de pólen para os alérgicos. Coletores espalhados por todo país são usados para informar o tipo de pólen dominante em cada localidade. Os alérgicos sabem como se defender. Quando vim para cá, sabia do risco. Estava preparado para coisa pior. Felizmente, estou jogando fora as caixas de anti-alérgicos, pois estão vencendo. Melhor assim. E viva a primavera!


Foto: Monaco, na última semana. Estive em convenção por lá, antes que os milionários do mundo inteiro tomem a cidade.


Saturday, March 20, 2010

Um trocadinho para o ônibus

As noites de Lyon geralmente terminam em agradáveis caminhadas. Nas históricas ruas do centro da cidade, estacionamento é coisa rara. Se São Paulo é difícil, aqui é impossível. Um desses sábados, fui de carro. Cinco minutos para chegar ao centro, uma hora para estacionar.

O melhor mesmo é o transporte público. Porém, quando a noitada vai além do jantar, ele nos deixa na mão, pois encerra seus serviços antes de 1:00. Sorte minha poder ir e voltar a pé. Tirando os dias muito frios ou quentes, tem sido um hábito que certamente deixará saudades quando voltar a São Paulo.

Um episódio trivial ilustra bem o contraste entre os hábitos paulistanos e lionenses. Após um jantar na famosa Rue Mercière, caminhava de volta para casa, quando passei diante do "Nicolas Le Bec", um restaurante de duas estrelas em franca ascensão. Fui lá poucas vezes, sempre por razões profissionais. Posso confirmar que as duas estrelas são bem merecidas e que um jantar ali sai em torno R$ 600 por pessoa.

Por estar no centro de Lyon, mesmo um restaurante desse nível não oferece serviço de manobrista. Cruzei com um casal que acabara de jantar no Le Bec. A 50m do restaurante, eu já estava de olho na porta, observando o ritual de despedida entre o "chef" e os seus clientes. A 1m do casal, eles me abordaram e perguntaram: "O Senhor poderia nos informar onde fica o ponto de ônibus mais próximo?"

Indiquei o ponto de ônibus. Só espero que eles ainda tenham algum trocado para pagar o ônibus.



Estarei em convenção durante uma semana, provavelmente, sem novos posts. Encerro com um brinde à minha quarta primavera na cidade. Até!



Foto: Ainda da minha safra de fotos da viagens 2009, uma foto de Riom, na perferia de Clermont-Ferrand, região da Auvergne. A parte intramuros é um pouco cinzenta, mas nem por isso pouco interessante.

Thursday, March 18, 2010

Grand'O

As águas minerais francesas são bem conhecidas fora do país. Assim como na Itália, há uma tradição em torno da água mineral. Nada como uma água de qualidade para acompanhar um bom vinho. Aliás, estou à base de água e vinho há três anos. Confesso que traí a França muitas vezes, pois a San Pellegrino é muito consumida por aqui.

Como eu disse há algum tempo, a água da torneira também é presença constante na mesa do francês. Particularmente em Lyon, a água encanada é de ótima qualidade e abundante. Há uma grande reserva florestal ao pé dos Alpes, que supre as fontes da cidade. Enfim, não é necessário um intenso tratamento químico. Não podemos dizer que seja água mineral, mas não está muito longe disso.

Consciente do fato, a região de Lyon quer estimular ainda mais o consumo da sua água. Como diz o anúncio, é saudável, econômico e contribui para o desenvolvimento sustentável. Para começar a afirmar a sua diferença em relação às demais cidades francesas, a água de Lyon ganhou uma marca: Grand'O de Lyon. "O" pronuncia-se como "eau", água em francês.

Agora sim, na hora de pedir água da torneira, podemos falar sem hesitação: "Monsieur, Château-La-Pompe 2010, s'il vous plaît!"

Foto: Foto da tranquila vila de Arlay, ligada ao castelo de mesmo nome, perto da cidade de Lons-le-Saunier, na Franche-Comté.

Tuesday, March 16, 2010

Gregos e troianos

O deputado europeu Daniel Cohn-Bendit, ex-líder do movimento estudantil de 68 e atual líder da bancada ecologista, esbravejou em pleno Parlamento contra a fraqueza da região perante a tragédia grega (literalmente).

A Grécia, a beira de uma guerra civil, precisa apertar o seu orçamento e reduzir o déficit em 4% do PIB. Os cortes do governo certamente deixarão muitos gregos na mão. Cohn-Bendit tem razão. Enquanto a Grécia está cortando a carne, esquece-se que ela gasta os tubos com armamentos.

Fui ao site da CIA conferir alguns números. O Brasil e França gastam 2,6% do PIB em despesas militares, a Grécia gasta 4,3%. Tudo isso por causa de um conflito idiota com a Turquia em torno de Chipre. Perto dos conflitos que assolam o planeta, este parece simples, ainda mais que os dois países pertencem à União Européia. Bastaria uma arbitragem definitiva e um acordo para resolver a questão. Talvez um pouco de boa vontade.

Enquanto a tensão entre Turquia e Grécia puder ser mantida, a situação está ótima. Os EUA armam a Turquia e a França arma a Grécia. Bom para gregos e troianos.



Foto: Neste final de semana, voltei ao Château Lacroix-Laval nos arredores de Lyon . Desta vez, não foi para passear, mas para almoçar na Orangerie de Sébastien, instalada no castelo. Enfim, sempre que aparece uma visita por aqui, eu arranjo uma desculpa para uma farra gastronômica.

Sunday, March 14, 2010

Cachorrinho morto?

Sarkô e seu partido levaram uma surra no primeiro turno das eleições regionais deste domingo.

A divisão administrativa da França é diferente da brasileira. Os equivalentes mais próximos das Regiões são os nossos Estados. Entretanto, o presidente da Região (préfet) tem muito menos poder do que um governador brasileiro, ocupando-se basicamente da educação secundária, transportes, incentivos aos negócios, pesquisa e universidades.

Vale dizer que a oposição já controlava quase todas as Regiões, portanto a derrota governista é relativa. Levando-se em conta o gigantesco índice de abstenção, a única conclusão plausível é que Sarkô está debilitado e chifrado. Porém, ainda não está morto. Se a oposição não se unir em torno de um nome, ele se reelegerá com facilidade.

Percebi que alguns sites brasileiros comentam os relacionamentos extraconjugais de Nicolas e Carla. Os casos fazem mais barulho nos jornais sensacionalistas da Inglaterra do que na França. Estou convencido de que a equipe do Eliseu tinha um plano preparado. Assim que Carla Bruni pulasse a cerca, seria disparado um boato envolvendo o Presidente e uma assessora próxima. O Presidente prefere passar a mensagem de crise conjugal a ser visto como corno manso.


Foto: A última foto da Normandia, com mais uma tomada das falésias de Etretat.

Thursday, March 11, 2010

Les enfoirés

Amanhã é dia de "Les enfoirés". Na esteira de "We are the world" (1985), o mundo da francofonia organizou algo semelhante. Desde 1986, a elite da música francesa, atores, esportistas e outros convidados fazem um show beneficente para a Fundação "Restos du Coeur", fundada pelo comediante Coluche.

Eu só assisti a edição de 2008. Posso dizer que não fica muito longe do brega, como o clip de final de ano da Globo. Porém, há honrosas exceções, como as músicas seguintes:



Foto: Durante a Segunda Guerra, a Pointe du Hoc (foto), entre Omaha e Utah Beach, abrigava uma bateria de canhões alemães. A tomada deste ponto estratégico pelos rangers é mais um dos fatos que compõem a histórica aventura do Dia D. A escalada das falésias pelos soldados americanos deram um sabor heróico a conquista. A França cedeu esta area da Normandia para os EUA em sinal de reconhecimento.

Tuesday, March 9, 2010

Kathryn

Não assisti "The Hurt Locker" nos cinemas, assim como quase ninguém. No Brasil, o filme prometia tanto, que o lançaram diretamente em DVD. Na França, ficou alguns dias em cartaz. O título local também não ajudou a chamar atenção: "Démineurs".

Já a Kathryn Bigelow é velha conhecida. Na minha coleção de ficção científica "cyberpunk", ela tem dois títulos: Strange Days (95) e Wild Palms (93). Não recomendo nenhum dos dois, pois é só para quem gosta do gênero. O primeiro é um produto da dupla Cameron/Bigelow. O segundo, uma mini-série de TV, compartilhada entre vários diretores. O histórico de Kathryn não é dos melhores, eu diria que ela é uma cineasta de nicho.


Foto: Pode parecer estranho, mas visitar o memorial americano de Colleville-sur-Mer (Normandia) é muito interessante. Ele está em Omaha Beach e concentra grande parte dos soldados que ali pereceram. Além do caráter histórico, o conjunto é belíssimo e mantido com absoluto esmero. Aliás, parece mesmo um pedaço dos EUA na França.



Friday, March 5, 2010

Macbeth

Lyon, Théatre des Célestins, 4 de março de 2010. A companhia inglesa Cheek by Jowl apresenta Macbeth.

Ato IV. Cena III.

Malcolm e Macduff organizam-se para retornar à Escócia e destronar Macbeth, cada vez mais tirano. O diálogo entre os dois é dramático.

Macduff: "O Scotland...O nation miserable, with an untitled tyrant bloody-scepter'd".

Malcolm, tomado de emoção, responde: "Devilish Macbeth has sought to win me into his power". Com um enorme sofrimento, termina manifestando a sua aliança com Macduff: "Now we'll together, and the chance of goodness be like our warranted quarrel!". Malcolm vomita e vai ao chão.

Eu pensando comigo mesmo: Uau, que show de interpretação! Que realismo! Mas, havia um problema. Malcolm não pode morrer, pois ele é coroado rei da Escócia no final da peça. Mal pude concluir o pensamento, quando um dos membros da trupe foi para o centro do palco e anunciou - num francês bem rudimentar - um intervalo emergencial para a substituição de um ator. Estava tudo explicado.

A companhia voltou com um novo ator no papel de Malcolm e retomou o texto desde "o nation miserable". Macduff matou Macbeth. Malcolm foi coroado. E os escoceses viveram felizes para sempre. De saia, mas felizes. Só não me perguntem como está Orlando James, o ator que interpretava Malcolm.



Foto: Uma outra foto do Monte Saint-Michel, na Normandia, durante as minhas férias de agosto.

Wednesday, March 3, 2010

Enquanto isso, na TV francesa... - Parte 2

Numa floresta, o corvo e o rouxinol passavam o dia a cantar sobre um galho de uma árvore. Um mais empolgado do que o outro, até que de repente, estavam em franca competição para ver quem cantava melhor. "Eu canto melhor", dizia o corvo. "Não, sou eu o melhor cantor", respondia o rouxinol. E ficaram assim por algum tempo, sem saber como decidir a questão. Eis que um leitãozinho estava passando sob a árvore. O corvo e o rouxinol não perderam tempo e o convidaram para julgar a acirrada disputa musical.

Os dois pássaros passaram a cantar para o atencioso leitão, que após uma profunda reflexão, pronunciou o veredito: "O corvo canta melhor". Enquanto o corvo comemorava, o rouxinol derramava-se em lágrimas. O leitãozinho então disse ao rouxinol: "Normal que você esteja chorando, afinal você perdeu". E o rouxinol respondeu: "Eu não estou chorando por que perdi, mas por que fui julgado por um porco".


A pequena fábula, no estilo de La Fontaine, talvez seja a melhor resposta para o post anterior. O mais curioso é que a fonte foi a própria televisão francesa, mais precisamente, o programa do jornalista Laurent Ruquier ("On n'est pas couché"), uma mistura de talk-show com debate muito apreciada na França.

Uma das atrações do programa é a dupla de críticos Éric Zemmour e Éric Naulleau, que não costumam poupar críticas aos convidados, geralmente escritores e políticos. Os dois Éric são bastante cultos e inteligentes. Em termos políticos, um está mais à direita (EZ) e outro, à esquerda (EN). Normalmente, eles conseguem encontrar as fraquezas e as incoerências dos seus convidados, que nem sempre reagem bem.

Dois conhecidos dos brasileiros, Jacques Attali e Bernard Tapie, abandonaram a gravação do programa. Sabe-se que muitos políticos do governo e da oposição fogem do convite de Ruquier. Para nossa surpresa, o programa passa num canal público, retratando uma considerável liberdade de expressão. Foi o diretor de teatro Patrice Leconte que tirou do bolso a fábula do corvo e do rouxinol, após as duras criticas de Zemmour.

Cenas de "On n'est pas couché"
Patrice Leconte (O corvo e o rouxinol)


Foto: O pequeno núcleo comercial no corredor que dá acesso à abadia do Monte Saint-Michel, na Normandia.

Monday, March 1, 2010

Enquanto isso, na TV francesa... - Parte 1


O excelente canal de TV franco-alemão "Arte" possui um programa sobre filosofia, apresentado pelo "pop-star" da academia francesa, Raphaël Enthoven, ex-genro de Bernard-Henri Lévy. Eu assisti a um único programa no final de 2009. O tema era a utopia, com a participação de Frédéric Rouvillois, um estudioso de temas sócio-políticos.

Em um dado momento, a partir de uma foto de uma torcedora brasileira com a nossa bandeira, apresentador e convidado passam a discutir o contraste entre lema "ordem e progresso" e a realidade do Brasil. A mensagem positivista de Auguste Comte é associada ao conceito de utopia, em total oposição à imagem de "caos" que o Brasil construiu durante sua história.

O apresentador chega a dizer que o Brasil é uma "zona" ("Le Brésil c'est le bordel"). Aos mais sensíveis, digamos que foi um recurso didático. De qualquer forma, ainda precisaremos de muito tempo para provar que De Gaulle estava errado e que o Brasil é um país sério.

A propósito, o jovem filósofo é o pai do filho da Carla Bruni (Aurélien).

Eis os links para o programa: Em francês e alemão.


Foto: Há duas semanas, aproveitei a vinda de colegas brasileiros para conhecer um restaurante a 15 minutos de Lyon (Le Cascade). Acima, o conjunto hotel-restaurante. Abaixo, o seu entorno.