Monday, January 28, 2013

Saída


Não sou frequentador de casas noturnas, mas a crônica é oportuna.

Foi uma baladinha regada a rock e vinho há alguns anos. A casa noturna ficava no centro velho de Lyon, onde os prédios têm 300 anos ou mais. Daqueles que, na hora da venda, o corretor diz: "Não dou nem 250".

O problema era mais embaixo, pois a pista e palco ficavam no sub-solo. Pensamento coletivo: "Vamos às catacumbas". O corredor mal iluminado e estreito desembocava numa escada em curva com degraus irregulares. Pior que isso, só molhado. Bem, estava  molhado. Alguém na minha frente disse: "Se eu beber, não consigo mais sair daqui". Retruquei: "Me contento em conseguir sair sóbrio daqui".

Chegamos cedo lá embaixo. Havia apenas 30 pessoas. A minha preocupação crescia pois, uma hora depois, éramos 300 e aumentando. Falar em pânico seria exagero, estava tenso. E, felizmente, a tensão teve um fim. Quando alguns amigos começaram a reclamar do calor, alguém sugeriu: "Então vamos ficar mais perto da porta". Porta, que porta?!

O ceguinho aqui não tinha reparado. Numa das paredes, junto à pista e ao palco, havia um grande portal. Discreto como a porta de uma igreja. Dava direto para a rua de trás. Passava uma boiada por aquela saída. Agora sim, a minha noite começava.


Foto: O porto de Nice.

Saturday, January 26, 2013

"MUTE"


Audioconferências são parte da nossa vida profissional há muitos anos. O aspecto mais positivo é poder trabalhar de casa, do carro ou de qualquer lugar, algo que cai muito bem numa cidade como São Paulo.

Reunir muitas pessoas virtualmente via áudio exige alguns cuidados. A recomendação mais importante, por exemplo, é deixar o telefone em "mute", quando não estiver falando. Não seguir essa regra de ouro pode trazer experiências constrangedoras ou engraçadas.

Vários ruídos estranhos costumam invadir nossas sessões de trabalho. Latidos são comuns. Mais incomum foi quando um cachorro não se contentou em interromper um colega que falava, mas também sequestrou o seu mouse.

Bebês e crianças também fazem as suas aparições. Até aí, estamos no campo do engraçado, quando a reação coletiva é um "que gracinha", ou, no original, "qu'est-ce qu'il est mignon".

Tem coisa mais chata. O barulho de talheres batendo é muito comum. Quando fazemos reuniões com participantes das Américas, Ásia e Europa, a melhor forma de se conciliar as diferenças de fuso é fazê-lo no horário do almoço europeu. Pelo menos, é melhor ouvir o tilintar dos talheres do que ver alguém comendo e falando ao mesmo tempo.

No campo do constrangedor, fico com o ronco. Considerando-se as tais diferenças de fusos horários, digamos que é humano adormecer e roncar. Entretanto, é uma imbecilidade não colocar o telefone em "mute". Da minha parte, já transmiti o ruído típico paulistano para o mundo durante as minhas falas: Buzinadas, helicópteros, obras e trovoadas.

Na última semana, estávamos numa áudio importante. Havia mais de 20 conexões pelo mundo. Em alguns lugares, como no Brasil, os participantes estavam agrupados em salas de reuniões. Estava nesta sala. A maior parte dos executivos conectados eram homens.

A reunião ia de vento em popa. Alguém apresentava um determinado assunto, quando uma das mulheres, excelente profissional e muito admirada, cometeu o pecado número 1 das audioconferências. Ignorou o apresentador e começou a falar com um desconhecido, ou melhor, tagarelar.

Não foi um mero "liga depois" ou "agora estou ocupada", foi uma verdadeira reunião paralela. Ignorava completamente seus colegas e nada de ligar o "mute". A sua fala intercalava-se com a do apresentador e bagunçava a áudio. Comentário na nossa sala: "Só podia ser mulher".

Fiquei impressionado como todos nós deixamos aquela bagunça sonora prosseguir. Acho que ninguém se sentia a vontade para calá-la, mesmo que gentilmente. A mulher continuava a dividir a áudio com o apresentador, quando finalmente surgiu a voz salvadora. Uma outra mulher levantou a voz, mandou parar tudo e pediu para a tagarela encerrar a sua conversa ou ficar em "mute". Comentário na nossa sala: "Só podia ser mulher".


Foto: Centro histórico de Nice. Nos próximos posts, mais algumas fotos de Nice, Saint-Paul-de-Vence e Eze, tiradas em agosto último. As três cidades são do Departamento dos Alpes Marítimos, que por sua vez, compõe a região PACA (Provence-Alpes-Côte d'Azur).

Saturday, January 19, 2013

O lance


Escrevi três vezes sobre ciclismo neste blog. Não por simpatia ao esporte, mas por que estava na França e fui contaminado pelo prestígio do "Tour de France". Nos três posts, falei de doping.

Também escrevi o que muitos diziam sobre Lance Armstrong. Leiam o post de 2010. Além de se manter impune por anos, o atleta ganhou vários processos contra aqueles que se atreveram a desmascará-lo. A gente sabe que, falar é uma coisa, provar é outra.

Essa habilidade de se trapacear de forma escancarada e continuar inabalável não é estranha aos brasileiros. Infelizmente, temos uma verdadeira escola por aqui, sobretudo na política. O caso do Mensalão foi um raro exemplo, no qual a blindagem política e jurídica não funcionou.

Armstrong não era apenas um atleta. Era um herói e não só nos Estados Unidos. Construiu sua carreira e imagem de forma a desacreditar as insinuações de trapaça. Construiu uma teia de bons relacionamentos e montou a sua própria blindagem legal.

O pior de tudo é que grande parte da imprensa nunca deu bola para as constantes denúncias e preferiu explorar o seu lado de celebridade. O melhor de tudo é que alguns poucos não desistiram da busca da verdade. Daqui para frente, a desgraça do ciclista terá pelo menos um fim educativo.


Foto: Mais uma para fechar as fotos da renovação da área da Confluences em Lyon.

Friday, January 4, 2013

LinkedIn, no cravo e na ferradura


O endosso de competências (skills and expertise endorsement) é um ótimo exemplo de aproveitamento do potencial de uma rede social. De vez em quando, o LinkedIn manda uma mensagem solicitando a validação de uma determinada competência de um dos nossos contatos. Fulano é especialista em pirotecnia? Beltrano domina o esperanto? Basta um clique para confirmar.

Um só clique! Não incomoda nem toma tempo. Quando dezenas de pessoas endossam uma competência de alguém, seu perfil no LinkedIn tem muito mais valor. Afinal, cada um escreve o que quer e acredita quem quiser. Se Ciclano se declarar especialista em físico-química do solo marciano e obtiver endosso de 100 pessoas, certamente ele tem algum talento ;-)

O furo do LinkedIn são as pesquisas usadas para fazer avaliações de 360 graus. Sim, já respondi a algumas. Não basta apenas um clique e, se bem feita, pode exigir muito mais de 5 minutos. Nada contra a oferta deste recurso, mas o seu uso indiscriminado perturba.

Não reclamo do incômodo gerado pela multiplicação dessas avaliações 360 graus. O problema é a sua eficácia. Já é difícil fazer uma boa avaliação das pessoas que trabalham conosco, imaginem dos contatos de uma rede social. Muito provavelmente, o feedback obtido fica nas obviedades de pouca utilidade, a menos que o receptor do feedback tenha um problema de auto-estima.

Raramente, teremos uma resposta útil, que nos faça corrigir algum comportamento, crescer ou até mesmo repensar uma carreira. Para se colocar o dedo na ferida ou dar uma chacoalhada necessária é preciso estar bem mais próximo. Aliás, nesse tipo de coisa, a rede social não substitui uma boa e sincera conversa.


Foto: Um conjunto de prédios novos na região das Confluences, em Lyon.