Sunday, October 31, 2010

Conversa de bonde

Há alguns meses, em Lyon, estava voltando de tramway do trabalho para casa. A distância não é grande, mas nos dias muito frios ou muito quentes, a climatização é sempre um conforto. Encontrei um outro executivo da empresa no mesmo vagão, um francês que já havia vivido no Brasil. Em menos de dez minutos de viagem, falamos sobre nossas missões e, também, sobre o Brasil e a França.

A nossa conversa privativa - em voz baixa - estava sendo discretamente observada. Na metade da curta viagem, um gaulês anônimo nos abordou. Se apresentou como francês desempregado e do "métier" (informática). Disse que compreendeu que eu era um expatriado brasileiro. Também percebeu que o meu colega tinha uma elevada posição hierárquica no grupo. Com a rudeza peculiar da Gália, ele nos questionou sobre o porquê da França "importar" um profissional como eu.

Sou do tipo que já fica incomodado com alguém prestando atenção na minha conversa. Porém, esta situação foi ímpar. O cara nos observou, entrou na conversa e ainda nos desafiou. Após uns instantes de choque, meu colega resolveu responder. Os franceses adoram um debate. A conversa parecia promissora, mas era o meu ponto. Desejei "bonne soirée" a ambos e fui. Um pouco surpreso com as circunstâncias, mas certo de que quem perdeu o bonde da história não foi eu.


Fotos: Fechando as fotos do magnífico castelo de Schönbrunn. Acima, a fonte. Abaixo, a vista a partir da Gloriette.

Wednesday, October 27, 2010

Envelhecendo

Na semana do meu aniversário, o post não poderia ser sobre outro assunto. O efeito mecânico do envelhecimento populacional é muito relevante para se compreender o que acontece no mundo. A parte mais óbvia é a onda de ajustes fiscais na Europa e a consequente resistência popular.

Enquanto lá, o efeito é cada vez mais perverso, no Brasil, estamos na fase boa da curva. Ou seja, aqui, o processo de envelhecimento é recente. Com a população relativamente estável, a pressão para se proporcionar mais escolas, casas e empregos diminui. O próprio FHC reconheceu tal impacto positivo quando deixou o cargo.

Com a bomba populacional desativada, poderemos melhorar a educação e reduzir o alto grau de favelização do nosso país. Se não fizermos nas duas próximas décadas, nunca mais o faremos. Alguns economistas dizem que, em trinta anos, o Brasil terá uma estrutura populacional como a Europa, onde o fardo das aposentadorias e despesas médicas é uma grande ameaça.

Mudando de continente, a sociedade que mais se transforma é, sem dúvidas, a chinesa. Lá, o envelhecimento foi acelerado pelo controle rigoroso da natalidade. Com a política de filho único, cada chinês trabalha para sustentar seus pais e seus quatro avós. Por enquanto, os chineses não se arriscam a gritar. Em compensação, mudam de emprego por qualquer aumento de salário. Enfim, talvez não seja uma questão de falta de lealdade, como atribuem preconceituosamente os europeus, mas uma simples questão de sobrevivência.


Fotos: Ainda no castelo de Schönbrunn, em Viena. Uma das estruturas mais elegantes do castelo é a Gloriette, destruída na Segunda Guerra e restaurada logo depois, em 1947. Acima, uma tomada próxima. Abaixo, a visão a partir do castelo.

Friday, October 22, 2010

É o amor!

Pense rápido e cite cinco filósofos brasileiros. Que tal três? Dois? Um? Se você não se lembrou de ninguém, não fique envergonhado. O Brasil não é a França, que festeja seus filósofos, como já havia comentado em 01/03/10. Também citei Bernard-Henri Lévy (BHL), o filósofo mais popular da atualidade, algumas vezes.

O assunto deste post é Luc Ferry, outra estrela da filosofia 'pop' francesa. Ao contrário de BHL, Luc joga no time do Sarkô, sendo um dos intelectuais mais prestigiados da direita. A novidade da semana é o lançamento do seu livro "A revolução do amor". Não lerei o livro, mas tive a oportunidade de assistir uma longa - e excelente - apresentação do autor, durante a cerimônia de aniversário da ADIRA, a associação dos dirigentes de informática de Rhône-Alpes (região que tem Lyon como capital). Pelo que eu pude pesquisar no Youtube, ele vem repetindo o discurso há algum tempo.

Luc Ferry é de um otimismo peculiar. Afirma que vivemos (os europeus) num momento muito especial da História, onde o amor do Homem pela própria vida bem como a vida dos seus entes queridos nos lança numa nova era de humanismo. Nem sempre foi assim.

Durante séculos, os casais formavam-se por inúmeros fatores, menos pela atração ou respeito mútuo. Os casais possuíam muitos filhos, nem sempre tão amados. A perda de um cavalo era um golpe mais duro do que a perda de um filho. O casamento por amor mudou tudo.

A partir do momento em que passamos a amar o cônjuge de verdade, também amamos os filhos e a família como um todo. Essa lenta transformação, colocando a família como peça central, muda a forma com que nos relacionamos com o Estado, a Religião e a Sociedade. Com a família mais sólida, passamos a procurar a justiça, a fraternidade e a verdade. O conceito de sagrado é outro.

Luc usa a acepção original de sagrado, ou seja, aquilo pelo qual estaríamos dispostos a nos sacrificar. Durante séculos, o sagrado foi reservado à Pátria, a Deus ou à Revolução. Hoje em dia, qual europeu está disposto a se sacrificar por tais abstrações? Felizmente, cada vez menos pessoas.


Fotos: Acima e abaixo, as duas tomadas laterais do magnífico castelo de Schönbrunn.

Tuesday, October 19, 2010

Bagunça

Não! Não queria escrever mais sobre as manifestações que acontecem na França, pois já está tudo nos posts anteriores. Mas, atendendo a pedidos, aí vai mais um texto.

Ninguém sabe como acabará este movimento contra a reforma do sistema de aposentadorias. A bagunça pode terminar amanhã ou se intensificar ainda mais. A tradicional queima de Renaults e Peugeots já começou. E não se trata de queima de estoques!

Vale relembrar que a reforma proposta pelo governo Sarkozy é correta e que o problema das aposentadorias é estrutural, associado à maior longevidade da nossa espécie. Outros países enfrentarão o mesmo problema, se quiserem sanear as suas contas. O governo tem maioria no Parlamento e fatalmente vai aprová-la.

O povo francês é bem mais politizado e culto que o brasileiro. Eles realmente acreditam no Estado provedor e querem continuar gozando dos benefícios conquistados ao longo das últimas décadas. Por outro lado, em 2007, elegeram Sarkô, que nunca escondeu a sua ambição reformista. Também elegeram uma maioria parlamentar liderada pela UMP, o principal partido de direita.

A manifestação é portanto fruto de muitos fatores: O descontentamento com a economia como um todo, com a deterioração do tão festejado padrão de vida francês, com a gestão de Sarkozy e, de uma forma bastante significativa, contra a personalidade do Presidente: Esnobe, arrogante e vaidoso.

A França ainda tem uma vantagem em relação ao Brasil. Lá, a capacidade de mobilização, organização de greves e protestos está sob comando da oposição. No Brasil, o governo tem tudo.


Foto: Uma das jóias de Viena, o majestoso castelo de Schönbrunn foi residência de verão dos Habsburgos. Hoje, é a maior atração turística da cidade e destaque do patrimônio mundial da UNESCO.

Sunday, October 17, 2010

Golpe baixo

Um dos piores golpes baixos das eleições brasileiras é fazê-la parecer uma luta de classes. Como se um candidato representasse os "ricos" e o outro, os "pobres".

Se isto fosse verdadeiro, o Brasil não estaria tão dividido. Não haveria uma diferença de apenas 8 pontos percentuais entre Dilma e Serra. Se todos os eleitores do Serra fossem ricos, o Brasil seria uma super-potência econômica, talvez maior do que a Alemanha.

Pode ser que os extremamente pobres sejam pró-Dilma e os muitíssimo ricos, pró-Serra. Mas entre essas duas classes existem dezenas de milhões de eleitores cujos votos estão associados a diversos outros fatores. Parece óbvio. Mas, infelizmente, a manipulação funciona.


Fotos: Em Viena, a praça Maria Teresa é sede de dois museus instalados em prédios simétricos, o de Belas Artes e o de História Natural. Acima, uma outra tomada da praça. Abaixo, no interior do Museu de História Natural, que abrigava uma mostra especial sobre Darwin. Lembrando que a foto é de maio de 2010.

Wednesday, October 13, 2010

Cascata

Pelo menos para mim, o estado de alerta com relação ao terrorismo causou mais impacto do que a greve geral em si. Sabendo da greve, as pessoas buscam alternativas. Meus colegas de Lyon foram de carro para a nossa convenção em Gerland, descartando o eficiente transporte público da cidade.

O que me fez atrasar e andar além do planejado não foi a greve. Foram alguns pequenos deslizes sobre as linhas férreas gaulesas. Uma simples sacola abandonada num vagão de trem ou metrô provoca um efeito cascata inigualável. Isola-se um vagão, uma composição, uma estação, o trem que se aproxima e assim por diante. Dependendo das circunstâncias, uma linha inteira. Nas duas últimas semanas, sofri alguns atrasos por causa desses cuidados.

Além do risco iminente de atentado dentro do território francês, ressalto o número crescente de franceses sob domínio de terroristas na África. A Al-Qaeda tem se espalhado facilmente pelo Magreb e pelo Sahel (Mali, Mauritânia, Níger, Senegal, etc), áreas onde a França possui vários interesses.

O histórico do governo francês nesses casos é uma vergonha. Todas as operações especiais de resgate fracassaram. Vários franceses têm sido libertados após negociações que incluem somas vultosas e a libertação de terroristas perigosos. A maioria dessas transações envergonharam o Ocidente. Se eu fosse terrorista, procurava mesmo um alvo francês.


Foto: Museu de Belas Artes de Viena. No primeiro plano, a homenagem a Maria Teresa. Tanto a praça e o monumento levam o nome de uma das soberanas mais importante da casa dos Habsburgos.

Sunday, October 10, 2010

Para maiores

A Europa continua em alerta vermelho face às ameaças terroristas. França, Inglaterra e Alemanha estão no grau máximo vigilância. Considerando-se que os terroristas costumam preparar as suas ações por meses, deduzo que esperariam mais alguns dias, até que o nível de alerta baixasse. Não precisa ir muito longe, para se concluir que a vigilância permanente é a única saída. Pelo menos, a "mise-en-scène" é didática.

Semana que vem, temos mais uma greve geral por aqui. Estarei em Lyon, mas um pouco longe do centro. Meu ‘Plano B’ será levar um par de tênis. Uma hora de corrida é suficiente para se atravessar a cidade.

A cena hilária da semana foi o lapso da ex-ministra Rachida Dati. Num programa de televisão, ao invés de falar inflação, pronunciou felação. Talvez, ela tenha visto a charge publicada no semanário Charlie Hebdo, onde o pequeno Sarkô está bem encaixado entre as pernas e sob o manto de Bento XVI. Alguém diz ao Papa: ‘Não se preocupe, ele é maior’.

Sarkozy foi a Roma para agradar os católicos praticantes franceses, que representam menos de 15% da população. É muito pouco, mas o cara está desesperado.

Em matéria de religião, a imprensa francesa, fiel defensora da laicidade, não poupa ninguém. Voltando ao tema do post anterior, o editorial do Monde (capa de 8/10/10) comenta o impacto do assunto aborto no Brasil: “O Brasil, primeira nação católica do mundo, tem seus arcaísmos e tabus, que nós podemos, segundo o ponto de vista de cada um, aceitar ou criticar. O aborto faz parte deles. É lamentável que este grave problema da sociedade, ao invés de suscitar um verdadeiro debate, seja usado como máquina de guerra eleitoral”. O Monde está certo. Mas, a vontade de abortar a Dilma é tanta...


Foto: O Rathaus de Viena em dia de festa.

Tuesday, October 5, 2010

Primeiro turno


Comparando com o quadro desenhado há um mês, não podemos reclamar do resultado das eleições. Só o fato de ter um segundo turno já é fantástico. Fora do Brasil, fala-se muito na eleição presidencial, deixando-se muita coisa importante de lado. Afinal, ser governador não é tão ruim assim!

Nas semanas que antecederam as eleições, a imprensa francesa deu grande destaque às conquistas brasileiras dos Anos Lula. Revistas e programas especiais em todos os lugares. Normalmente, jogando confete. A biografia da Dilma ganhou notoriedade e a sua vitória no primeiro turno foi dada como certa.

A ascensão de Marina Silva também foi bastante festejada na Europa, onde os verdes detêm uma grande força política. Vale lembrar que um típico ecologista europeu certamente se chocaria com algumas das posições da candidata, sobretudo pela sua oposição ao aborto. Lamento dizer, mas ecologista evangélico e esquerdista católico são conceitos estranhos por aqui.

Finalmente, surgiram algumas notas esporádicas sobre o fenômeno Tiririca. Contundo, não li nada que fosse mais a fundo no nosso sistema eleitoral e explicasse o porquê dos palhaços puxadores de votos.

Com ou sem Tiriricas, a base governista no Congresso é enorme. Assustadora, talvez. E ainda teremos a temporada de compras de deputados, que vai engordá-la ainda mais. Se a Dilma ganhar, fará o que quiser. Se o Serra ganhar, será mais difícil. Não impossível. Pois quem se vende para o PT, também se vende para os tucanos.

Volto a São Paulo para o segundo turno.



Foto: Mais uma tomada do belíssimo Belvedere, em Viena.