Thursday, June 18, 2015

Discurso de rei

Junho é mês de eventos na Europa. A razão é muito simples. Maio é mês de feriados e julho é mês de férias.

Além da concentração junina, há também um acúmulo de eventos às terças e quintas. Segunda e sexta são dias evitados pelos organizadores por razões óbvias. Quarta também, por que é feriado escolar (França) e muitos pais adotam um regime de trabalho especial, que permite acompanhar seus filhos.

Nesse contexto, terça-feira, dia 16, fui convidado para cinco eventos sobre a “revolução digital”. Confirmei presença em três e estive em dois. Ando fazendo overbooking de agenda. Na  véspera, decido o que vou encarar. (Já fui mais bonzinho!)

Só não quero mais encarar o discurso do presidente do Uber da França ou da Bélgica. Chega! Também não quero mais palestrantes, que tentam nos convencer de que é preciso mudar para o universo digital. Como disse o Jacques Attali, numa das palestras deste mês, não foi preciso convencer o mundo a adotar a TV há 50 anos. Nem  mesmo o telefone há 100 anos.

A palestra mais inusitada  deste mês repleto de colóquios não foi de nenhum bilionário fundador de start-up, nem de nenhum guru profissional. Foi um depoimento de um executivo que, ao invés de contar vantagem, confessou a sua impotência diante dessa transformação “vertiginosa” (sic).

Trata-se de um dirigente de uma vinícola de Sauternes. Elegante, francês perfeito e fala suave. Um verdadeiro nobre com humildade ímpar. Diante de blogs de vinhos que já são mais influentes do que a Wine Spectator, comerciantes virtuais cada vez mais poderosos, centenas de aplicativos e sites sobre o tema, ele  e os 10 funcionários da vinícola estão simplesmente perdidos.

Quase em tom de despedida, relembrou  os bons momentos vividos com seus clientes e visitantes, que vão pessoalmente ao Château. Ressaltou o privilégio de degustar os vinhos com tantos amigos e clientes, naquele clima especial que surge ao redor de um bom vinho. Bons tempos, hein!

Foi uma oportunidade de pensar revolução digital sob uma outra perspectiva. Isso sim é palestra inspiradora. Nosso executivo certamente não está só.  Ser um produtor de Sauternes não é para qualquer um, mas as transformações mencionadas por ele são implacáveis.

A propósito, o nobre palestrante é nobre mesmo.  Embora tenha apresentado-se como um mero gerente de château, uma rápida consulta ao Google confirmou o que desconfiava. O ilustre membro da Casa de Orleans é cheio de títulos honoríficos e pretendente ao “trono francês”.



Foto: A orangerie do Château de Seneffe, na Bélgica.

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