No mundo do vinho francês, há uma grande pressão para a adoção da agricultura orgânica, evitando-se as peripécias bioquímicas, que fazem verdadeiros milagres, só comparáveis àqueles do marketing.
Como citei há meses, trapacear na produção de vinho dá cadeia. Apesar de toda fiscalização, ainda há fraudes. Também há muitas coisas que não são ilegais, mas poderiam ser evitadas. A videira e o vinho recebem defensivos, fertilizantes, leveduras, bactérias, enxofre, acidulantes e açúcar. A adição de tantas substâncias estranhas nega a própria essência do vinho francês, a cultura do "terroir". Enfim, é muito espaço para criatividade. A indústria do vinho percebeu os abusos e está se ajustando. Melhor assim.
O vinho orgânico ainda é raro. Nessas feiras de vinhos tão comuns na França, pude encontrar alguns produtores. Eles confirmam o desafio de se seguir a cartilha do orgânico, mas o esforço é recompensado. Produz-se menos, porém com mais qualidade. No lançamento do Beaujolais Nouveau 2009, um produtor quase me convenceu. Após meia hora de conversa e muita degustação, eu acabei levando uns seis litros de suco de uva.
No Le Monde, li um artigo sobre um produtor da Borgonha que usa apenas cavalos na sua fazenda. Fazer uma máquina motorizada passear pelos vinhedos seria um crime, segundo ele. No seu site, há diversos equipamentos para videiras e cavalos. Exagero? Talvez, mas simboliza este movimento para um vinho mais artesanal.
Alguns vinicultores querem ir mais longe, incorporando o conceito de sustentabilidade, isto é, a plena responsabilidade com o meio ambiente e a sociedade em toda a cadeia do vinho, das videiras à distribuição do produto. Nada contra!
Se tudo isso é muito novo, vale lembrar que foi justamente a vinicultura que encontrou uma solução orgânica para uma das pragas mais devastadoras da história, a Filoxera. Qualquer pessoa que tenha feito pelo menos um curso de vinho conhece o assunto.
Filoxera é um pulgão de origem norte-americana que destruiu grande parte dos vinhedos do mundo em meados do século XIX. Combateram a praga com todos os inseticidas possíveis sem quaisquer resultados. A economia francesa sucumbiu. Os vinhedos mais prestigiados do mundo definharam. Até hoje não existe defensivo agrícola para a Filoxera.
A solução encontrada para salvar o vinho foi puramente empírica. A sua base científica seria publicada alguns anos mais tarde: A Teoria da Evolução de Darwin. Observou-se que as uvas americanas resistiam à Filoxera. Por que? Como o inseto era natural da região, a convivência dos dois, insetos e vinhas, promoveu a chamada seleção natural. Ou seja, num passado muito remoto, havia videiras mais ou menos resistentes ao inseto. As menos resistentes foram extintas, as mais resistentes sobreviveram e se multiplicaram. No decorrer do tempo, os insetos foram selecionados pela capacidade de se alimentar das videiras; e essas pelos seus mecanismos de defesa.
Quando a Filoxera chegou acidentalmente à Europa, encontrou videiras que não passaram por esse longo processo, logo, sem defesas. Por isso, murcharam até morrer. Como a seleção natural pode ter levado muitos séculos e não se conhecia a manipulação genética, a única solução possível foi replantar as uvas americanas em quase todo o mundo. Feriu profundamente o orgulho dos franceses. Até hoje, toda videira francesa é plantada sobre uma americana. Solução 100% eficaz e natural.
In vino veritas: Charles Darwin é o verdadeiro Papai Noel.
Boas festas, um ótimo 2010 e saúde!
Foto: O Château de Suze-la-Rousse e as suas videiras. O castelo da Drôme (entre Lyon e a Provence) é sede da Universidade do Vinho.
2 comments:
Com o fracasso do Cop15, estou aguardando para provar um Chateau Angmagssalik Vinland 2020 e um Islas Orcadas 2025!
Quem sabe um vinho branco de segunda!
Verdade é que já estão testando muitos tipos de uvas na Alemanha e Inglaterra, apostando nas mudanças climáticas.
Vinho inglês e alemão!! Quel horreur!!
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