Monday, January 3, 2011

BHL & Battisti

A última decisão do governo Lula foi a negação do pedido de extradição de Cesare Battisti feito pela Itália. Confesso que mal pude acompanhar o assunto. Percebi que muita gente queria o italiano fora do Brasil. O assunto é complexo.

Neste post, quero compartilhar a carta que Bernard-Henri Lévy (BHL), filósofo mais renomado da França na atualidade, enviou ao então presidente Lula, divulgada no seu blog nesta tarde. Já mencionei BHL inúmeras vezes neste blog. Ele pode não ter razão em tudo que escreve. Mas, quando defende uma causa em público, quase sempre está certo.


Ao Exmo. Senhor LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Presidente da República Federativa do Brasil

Prezado Presidente Lula

Tenho conhecimento que o debate sobre o caso Cesare Battisti, antigo militante dos Proletários Armados pelo Comunismo, acusado de atos de terrorismo na Itália nos anos setenta, causa indignação no seu país. Eu também sei que pelas leis das instituições brasileiras, a última palavra no seu ordenamento democrático, tendo em vista a divisão de opiniões, no seio da Suprema Corte, fazem que caiba ao Senhor, e apenas ao Senhor, o poder de decidir se esse velho militante, que se tornou um escritor de sucesso, deve ou não ser extraditado para a Itália.

Senhor Presidente, inicialmente gostaria de lhe dizer que ninguém mais do que eu tem horror ao terrorismo. E desejo deixar claro que a luta contra esse terrorismo, a luta contra o direito que alguns se atribuem, nas democracias, de fazer, eles próprios, a lei e de recorrer às armas para fazer com que suas vozes sejam ouvidas, é uma das constantes, talvez a constante de toda a minha vida de homem e de intelectual.

No entanto, se me dirijo a Vossa Excelência é exatamente porque não está provado que Cesare seja esse terrorista descrito por uma parte da imprensa italiana e, cujos crimes, se ele tivesse cometido, não mereceria nenhuma indulgência.

Ele foi condenado como tal, eu bem sei, por um Tribunal legalmente instituído, num país onde não imagino, em nenhum momento, colocar em dúvida o seu caráter democrático. Mas, até nas melhores democracias pode acontecer de – como no caso da França na Guerra da Argélia – encontrarmos fracassos e injustiças.

E o processo de Cesare Battisti, esse processo que o reconheceu culpado, com apenas 21 anos, pelas mortes de Santoro e Campagna levantam, nessa circunstância, ao menos três questões – as quais um homem imbuído de justiça e de direito, como Vossa Excelência, não pode ficar insensível.

O primeiro ponto de testemunhos e provas produzidos pela acusação e sobre a palavra daqueles que Batistti foi condenado são, essencialmente, testemunhos de arrependidos, quer dizer, de verdadeiros criminosos que trocaram, à época, suas próprias condenações pela denúncia premiada de alguns de seus camaradas. Cesare Battisti fugiu para o México, depois para a França, quando o arrependido Pietro Mutti imputou-lhe a totalidades dos crimes da organização, na qual eles militavam. Todos os observadores que tiveram conhecimento do caso não acreditam ser possível nem verossímil que um jovem de 20 anos tenha cometido tais crimes.

A segunda questão diz respeito ao principio da justiça italiana e ao fato que, contrariamente ao que se passa no vosso país e no meu, os condenados à revelia não têm, mesmo se forem capturados, se entregaram ou se forem extraditados, direito a um novo processo, no qual possam apresentar suas razões de defesa. Também, se Vossa Excelência decidir recusar a Cesare Battisti o status de refugiado e se deixar, então, que ocorra o procedimento de extradição, ele iria, assim que voltasse para a Itália, direto para a prisão perpétua (pois que há uma pena, sem apelação, na qual ele foi pronunciado num processo à revelia). E será o único condenado à prisão perpétua que jamais teve a possibilidade de encontrar seus juízes e de poder fisicamente, confrontar com seus acusadores e responder, em pessoa, cara a cara, sobre os crimes que lhe são imputados.

E pois, eu acrescento, finalmente, esse detalhe sobre o qual, o mínimo que se pode dizer é que não é apenas um detalhe: Cesare Battisti nega os crimes que lhe são imputados. Numerosos são os seus colegas escritores e numerosos são os juristas que, após o exame do processo, acreditam ser plausível sua inocência. De sorte que corremos o risco de ver terminar seus dias na prisão um homem cujo único crime seria, neste caso, ter acreditado, durante sua juventude, nas teorias da violência revolucionária.

Eu amo o Brasil, Senhor Presidente. Amo o exemplo que ele dá ao mundo de uma política fiel aos ideais progressistas e, ao mesmo tempo, aos princípios de equilíbrio e sabedoria. E eu ficaria consternado – nós somos no mundo numerosos que ficaríamos consternados – de ver “nosso” Lula se afastar de uma tradição de acolher os refugiados, que é um dos orgulhos de seu país.

Extraditar Battisti criaria um perigoso precedente. Não extraditá-lo mostraria ao mundo, que tem os olhos fixos sobre o Brasil e sobre Vossa Excelência, que existem princípios que não podem ser suplantados por Razões de Estado nem pela lógica dos Monstros sem emoção.

Eu peço a Vossa Excelência que aceite, Senhor Presidente, a expressão de minha simpatia, de minha admiração e de minha ardorosa esperança.

(Assinado) Bernard Henri Lévy.



Foto: Continuando na Borgonha, eis o Château de Bazoches (século XII). A fama do castelo deve-se ao fato de ter sido residência do Marechal Vauban no século XVII, militar que concebeu grande parte do sistema defensivo francês nos anos áureos do reinado de Luís XIV.

1 comment:

Felipe Pait said...

Bom argumento. Se a situação for essa mesma, e se o Lula decidiu com base nesse argumento, tomou a decisão correta.

Não é o que disse o parecer do advogado da União. O argumento dele é que o Battisti corria risco PORQUE a Itália é uma democracia, e não APESAR DE QUE a Itália é uma democracia, sujeita como todas a erros judiciais.