Sunday, September 22, 2013

Montezuma


Primeiro dia em San Sebastián. Depois de ter andado o dia inteiro, estava cansado e faminto. À tarde, fiz uma pausa naqueles bares de pintxos (as tapas do país basco). Não caiu muito bem. Dessa vez, queria um jantar de verdade, um restaurante mais tradicional para sentar-se à mesa e escolher um bom prato de um cardápio cheio de opções.

Sabia que era um pouco cedo para os padrões ibéricos. Ainda na orla da praia principal, a 500m do hotel, passei por dois restaurantes bem cotados. No primeiro, perguntei se poderia entrar. A recepcionista respondeu: "o restaurante ainda está fechado, aceitamos reservas para 8:30 em diante". Eram 8:20!!

Não foi apenas pelos 20 centavos. Não foi apenas pelos 10 minutos. Atravessei a rua e fui para o outro. Acolhido por uma sorridente garçonete, estava satisfeito. Sentei-me e abri o cardápio. A mocinha voltou e alertou: "segunda-feira só servimos pintxos". Grrrrrhhh!!!


Em viagem tudo é pitoresco, tudo vira história para ser contada, como disse num post anterior. Bem, mas tem uma coisa que pode ser engraçada depois, mas na hora não é nada agradável: passar mal.

Depois de ter conhecido inúmeras cidades do extremo oriente ao extremo ocidente, conclui que sofro de um Mal de Montezuma às avessas. Ao contrário daquele que vingou os mexicanos dos seus conquistadores, padeço na Espanha.

Mesmo com a renomada cordialidade e hospitalidade espanhola,Vigo (2005), Madrid (2007) e San Sebastián (2013) me derrubaram. Meu instinto diz que é melhor evitar as tapas com jamón ibérico na próxima vez.

O episódio de Vigo virou lenda entre meus colegas. Estávamos em petit comité, prestes a tomar decisões importantes. No jantar de segunda-feira, brindaram-nos com um banquete fantástico. Nunca tinha visto tamanha diversidade de moluscos, crustáceos e peixes na mesma refeição. Parecia uma aula de biologia marinha. Se não fossem os esclarecimentos do orgulhoso anfitrião, nem saberíamos o que estávamos comendo.

O resultado da farra gastronômica foi percebido nos dias seguintes. Caímos um a um. A quinta-feira foi inesquecível. Dois nem conseguiram sair do quarto. Um colega fazia sua apresentação contorcendo-se de dor. Um outro, desde então, nunca mais comeu ostras. Enfim, a semana foi demolidora. A memória da intoxicação coletiva eclipsou as lembranças do belo Parador, da cidade e de tudo o que a gente fez por lá.



Foto: Um dos canais Bruges. Nos próximos dias, estarei novamente entre Bruxelas e Bruges. Se tiver alguma foto interessante, continuo a série. Senão, viro esta página.

Saturday, September 14, 2013

A diferença entre nós e eles

O Ministro do STF Celso de Mello, o decano da Corte, não é homem do Lula nem da Dilma. Foi indicado pelo Sarney. Absteve-se de diversos processos, quando a ligação com seu "padrinho" indicava conflito de interesses. Foi duro no julgamento do Mensalão, acompanhando a mão firme do relator, Joaquim Barbosa.

Sabe-se também da sua posição em relação aos embargos infringentes. Ele sempre os defendeu. Por isso, houve uma manobra na última sessão do STF, para se adiar o posicionamento do decano, dando mais alguns dias para que seja sensibilizado pela opinião pública.

O editorial do Estadão de hoje criticou a manobra. Mesmo sendo contrário aos tais embargos, o jornal critica o método. Tem razão. Eu também não me sentirei totalmente confortável com uma súbita mudança de opinião do Ministro. Nós queremos que as coisas sejam feitas da maneira correta, dentro da legalidade e ética. Afinal, essa é a diferença entre nós e eles!

Já disse que gostaria de ver a turma do José Dirceu definhar na cadeia. Entretanto, caso o Ministro confirme a aceitação dos embargos, não vou chamá-lo de traidor, nem insultarei o STF, tampouco, insinuarei a famigerada pizza.

Antes de começar o julgamento, não tínhamos certeza da condenação dos réus. Estamos num campo tão complexo e relativamente tão novo, que o desfecho seria imprevisível. Meu post "Mensalão" - um dos mais lidos deste blog - traduziu bem o que sentia à época.

Devemos almejar um julgamento correto de acordo com o sistema em vigor. Se o "sistema não fecha", nas palavras de Marco Aurélio Mello, que mudemos o sistema! Temos que reconhecer que a corrupção evoluiu muito mais do que nossos códigos e isso não é exclusividade do Brasil.

Os juízes, especialmente do STF, devem seguir as regras. Não é por que sabemos que estamos diante de bandidos, que vamos burlá-las para puní-los. Essa é a diferença entre nós e eles! Para nós, os fins não justificam os meios.

A turma do Dirceu já foi condenada e terá nosso desprezo para sempre e isso é muito importante! Pressionar o Juiz é democrático. Exigir mudanças é nosso direito. Entretanto, esculhambar tudo é antipatriótico.


Leia também: Meu post de 2012 sobre o Mensalão



Foto: Fachadas de Bruges, na Bélgica.

Damasco azedo

Quando escrevi sobre a situação síria, não falava apenas da Síria, como se tivesse alguma simpatia especial por aquele país. O que se coloca em questão é como devemos reagir em qualquer questão humanitária desse porte, diante de dezenas de milhares de vítimas.

O último parágrafo do artigo "Um mundo sem âncora", de Roger Cohen (The New York Times) é excelente:

Uma carta dirigida pelo dr. Tewes Wischmann de Heidelberg à revista Der Spiegel sobre o uso de gás na Síria, dizia: "Nossos filhos nos perguntarão o que fizemos contra esse assassinato em massa, assim como nós perguntamos aos nossos pais a respeito do nazismo. Então, teremos de baixar o nosso olhar e calar". 


Foto: Fachadas de uma rua no centro de Bruges (Steenstraat).

Sunday, September 1, 2013

Eco

É verdade que as redes sociais fazem revoluções. Foi assim nas manifestações brasileiras, na primavera árabe e em muitas outras situações. Tem sido um meio de denunciar, participar, reclamar, enfim, de se exercer a cidadania.

Por outro lado, não podemos confundir o que vemos nos “news feed” das redes sociais com a visão correta da realidade.  Pode ser tudo verdade, mas é produto da ação de um grupo muito específico de pessoas: os seus “amigos”. Quando consulto o Facebook, 9 entre 10 publicações são manifestações anti-PT, anti-Lula ou anti-Dilma. Imagino que isso esteja acontecendo com alguns de vocês. Todos?!

Algumas publicações são bem feitas. Muitas são verdadeiras e cruelmente reais.  E tudo isso dá uma falsa sensação de unanimidade.  Até parece que as eleições de 2014 já estão decididas!

Infelizmente, eu e muitos de vocês estamos num mundinho de amigos e colegas que pensam de forma parecida, que é muito distante da percepção dos 200 milhões de brasileiros. Por isso, mesmo aqueles com mil amigos no Facebook estão confinados.  Ou, mais tecnicamente, têm no conjunto de amigos uma amostragem viciada da nossa população.

O “news feed” proporciona uma visão distorcida, mesmo que tudo que esteja nele seja verdadeiro. Portanto, continuem usando e abusando das redes sociais, mas não se iludam com a eficácia das suas mensagens políticas. Muitas vezes vocês estarão ouvindo seus próprios ecos.


Na foto, uma pracinha em Bruges (Bélgica).