Sunday, April 27, 2014

Bode

Todos os problemas da nação são mais graves em ano de eleições. Entretanto, 2014 parece ser um ano especial. Vivemos uma estagnação econômica, a iminência do apagão, o risco de falta d’água e até uma epidemia de dengue, coisas que acontecem de tempos em tempos, mas não no mesmo ano.

A avalanche de denúncias de corrupção, propícia do clima pré-eleitoral, está indo mais longe do que o habitual. A nação está mais dividida do que nunca.

Diante de tantas evidências de um Brasil que não dá certo, o clima de revolta com a Copa do Mundo tende a piorar. Escrevi em janeiro que o tempo de protestar contra a Copa já passou. Quem quiser protestar contra a situação, que escolha um alvo mais adequado e, no mínimo, que vote melhor em outubro.

Nesse ambiente nada motivador, fico espantado com a parcela da população que escolheu a FIFA como grande vilã, causadora dos nossos males. A moda pegou.  Parece bobagem, mas não é. Trata-se de um problema recorrente, o bode expiatório. Esquece-se das seculares mazelas brasileiras e elege-se um culpado. Muito simples.

 A FIFA paga pelo sucesso com que gere o futebol, o esporte número um do mundo. Organiza campeonatos milionários e movimenta bilhões, fazendo inveja a qualquer outra organização mundial. No sistema do Futebol, a FIFA é tão vilã quanto nossos craques, times, televisões, federações e outras entidades. Um depende do outro.

O aspecto discutível é se o padrão imposto pela FIFA não obriga a um país pobre desviar gastos sociais para a organização do evento. A resposta da FIFA: “Foi o Brasil que pediu para realizar a Copa”.  Dá para discordar?  Cá entre nós, sem roubalheira e com um pouco mais de planejamento, a Copa não seria tão intragável.

O apito inicial está próximo. Fica a dúvida se a Copa entra ou não para o rol de tragédias de 2014, seja pelo sucesso do evento ou pelo desempenho da Seleção. A proximidade com a Páscoa sugere que só mesmo uma sequência de pragas de proporções bíblicas seja capaz de derrubar a nossa Faraó. Ou seria Faraôa?


Leiatambém: #NãoVaiTerCopa


Foto: O velho porto de San Sebastian ganha um colorido especial em dia de regata de pesqueiros.

Saturday, April 19, 2014

Tiradentes “for dummies”

É sabido que o personagem Tiradentes encontrava-se abandonado pela História até a sua adoção pelos fundadores da República. Na falta de heróis autênticos e diante de um golpe contra o Império sem o clamor das massas, criou-se um símbolo republicano. Até mesmo a semelhança com Jesus foi parte dessa manipulação.

Vale também lembrar que houve inúmeros movimentos contra a monarquia luso-brasileira, mais fortes e mais sanguinários, sendo que a Inconfidência Mineira não figura entre os mais importantes.

À época de Tiradentes, a maior parte da elite era composta de portugueses, que, nem por isso, simpatizava com o pagamento de tributos aos seus conterrâneos. Bem, para falar a verdade, ninguém queria saber de pagar impostos. Com a sonegação generalizada, os portugueses apertaram o cerco.

Quem sofreu com a vingança arrecadatória da metrópole (derrama) foi a própria elite, aqueles chamados “homens-bons”, brancos e ricos, que induziram os inconfidentes à rebelião. Talvez seja exagero dizer que Tiradentes tenha sido um boi de piranha, mas não está longe disso.  O personagem real foi tão manipulado quanto o mito.

Há muita coisa daquele Brasil remoto, que ainda é sentida nos dias de hoje: o povo abandonado à própria sorte, a arrecadação predatória, a elite egoísta e ninguém preocupado com a coisa pública. É por essas e outras que, mesmo após a Proclamação da República, somos regidos por dirigentes pouco republicanos.


Leia também: A ponte



Foto: A sala de concertos de San Sebastian ao entardecer.

Sunday, April 13, 2014

Aeroportos e outros nós

Bem que gostaria de escrever sobre assuntos mais amenos. Devido às nossas eleições gerais, os próximos meses continuarão muito quentes no Brasil. Só mesmo lá de fora, dá para se desligar um pouco de todos esses casos de corrupção e da política de baixíssimo nível.

Naquele final de semana, em que escrevi “Voando”, passei um tempão no aeroporto parisiense devido a um incidente aéreo. Além de ter escrito o post, antecipei as seguintes linhas:


A Air France completa 80 anos e o seu hub, o Aeroporto Charles de Gaulle (CDG), 40 anos. Não menciono tais fatos ao acaso. Nos últimos 28 anos, usei prioritariamente a companhia e a sua base. Exagerando-se um pouco, é a minha segunda casa.

O CDG não está entre os cinco primeiros do mundo em volume de passageiros. Perde em suntuosidade para os novíssimos congêneres asiáticos. É apenas um grande e bem administrado aeroporto, em expansão contínua nessas quatro décadas. Bravo!

Quem conhece o CDG percebe facilmente tal expansão. Os terminais têm estilos arquitetônicos totalmente diferentes, incorporando aquilo que foi o mais arrojado em cada década.

Os dois terminais mais recentes assemelham-se a shoppings envidraçados, uma tendência mundial, que parece ser a inspiração do tão esperado Terminal 3 de Guarulhos.

Os terminais mais antigos foram uma ousadia dos anos 70, ao encurtar a distância da porta do aeroporto ao avião. Ficaram para trás com o crescimento exponencial da aviação civil e serão reformados.

Em quase três décadas, testemunhei a inauguração de 6 terminais do CDG e o início de um ciclo de renovação. Este é justamente o ponto deste texto, o contraste com o aeroporto internacional de São Paulo, vergonhosamente parado no mesmo período.

Mas, é pior do que isso. Mesmo que houvesse uma chuva de dinheiro em GRU, as expansões seriam limitadíssimas. Seu terreno está completamente imerso na mancha urbana da capital. Nem a pista principal poderá ser reformada para receber um A-380.

Enquanto isso, o CDG tem terreno de sobra. Além da reforma dos terminais mais antigos, planeja-se mais um terminal e novas linhas férreas integrando o complexo. Existem planos até 2030, independentemente de quem ganhe as eleições. Seja de direita ou de esquerda, o plano de expansão é bom para o aeroporto, para a companhia aérea, para Paris e para a França.

Enfim, é um pequeno exemplo de uma grande diferença. Infraestrutura não se constrói em ciclos de quatro anos. A visão de futuro deve ser perseguida pela sociedade, seja quem estiver no poder. É um grande compromisso coletivo.

Por outro lado, é difícil priorizar-se a infraestrutura quando o povo não tem as suas necessidades básicas satisfeitas. Existem paliativos como a privatização ou a redução de gastos públicos, mas é preciso reconhecer que o Brasil tem um grande nó.  


Foto:  Uma das ruas estreitas do centro de San Sebastian (País Basco).

Saturday, April 5, 2014

IPEA & Cia

Foi por muito pouco que não escrevi um post sobre a famigerada pesquisa do IPEA durante a última semana. Até mesmo quando escrevia sobre a Petrobrás, pensava naquela pesquisa, que tanto repercutiu.

O relatório do IPEA sobre "Tolerância social à violência contra as mulheres" foi tomado como fidedigno e imparcial. Poucas entidades no Brasil mereceriam tamanha confiança. Se tivesse escrito um post, teria feito como todos os jornalistas, que dedicaram seu tempo à análise da pesquisa, tentaria compreender os resultados sem questioná-los.

Sob a premissa da retidão do relatório do IPEA, a última semana foi marcada por manifestações, artigos, declarações e reflexões sobre o povo brasileiro. Dessa forma, o erro e o pedido de desculpas do IPEA provocaram um grande constrangimento.

Sob os holofotes, a pesquisa está sendo desafiada. Questiona-se o método, a amostragem, a formulação das questões e, principalmente, as suas conclusões. Enfim, havia mesmo algo em comum com o post sobre a Petrobrás, uma desagradável mistura de incompetência e falta de ética.

Não podemos desprezar o grave problema brasileiro no campo da tolerância à violência contra as mulheres, mesmo sem estatísticas confiáveis. Entretanto, o ponto é que um dos nossos únicos institutos com alguma reputação, mostra-se falho e incompetente.

Governos, empresas e cidadãos precisam conhecer o país para planejar, agir e empreender programas econômicos e sociais. Não dá para se gerir um país de 200 milhões no "chutômetro" ou  no "feeling". Pesquisas e estatísticas confiáveis são essenciais para qualquer atividade organizada, sobretudo quando se trata de políticas públicas.

Devemos reconhecer que o brasileiro é um ilustre desconhecido. Não sabemos como ele vê a violência contra as mulheres. Também não sabemos o que ele pensa da Justiça, da corrupção, da criminalidade, da democracia, dos seus direitos e deveres, da religião, da sua Pátria, etc. Não sabemos quase nada!

Quero crer que o censo demográfico seja bem feito, mas o resto não merece credibilidade. Talvez seja por isso que a política esteja num nível tão ruim. Assim como a educação, a saúde e a ciência. Não duvido de que, num futuro próximo, tenhamos que recorrer a estrangeiros para entender o nosso próprio país.


Foto: Inaugurando a série de San Sebástian (País Basco), ainda das últimas férias de verão.