Monday, February 23, 2015

A cor do dinheiro

Pude acompanhar as críticas à campeã do Carnaval carioca, que se vendeu para uma ditadura africana. O evento em si, lamentável para a cultura brasileira, está longe de ser um fenômeno isolado.

Na esteira do último post, sabemos que o dinheiro sujo está em todo lugar. Dinheiro de ditadores, terroristas, traficantes e corruptos acabam refugiando-se nos esportes, nos espetáculos e no capital de empresas de todos os tipos.

Como todos querem trabalhar com dinheiro “limpo”, o mercado financeiro encarrega-se da sua transformação. O “caixa dois” vira fundo de investimentos.  Os receptores de propina, sérios empreendedores. Viva a Suíça! Viva Dubai!

Depois dos atentados parisienses de janeiro, a eterna dúvida voltou. Quem está por trás do terrorismo islâmico? Os terroristas não são lunáticos agindo por conta própria. Recebem treinamento, material e apoio logístico de uma poderosa organização.

Arábia Saudita e Catar, por exemplo, são dois dos Estados suspeitos de financiar esse terrorismo. Evidentemente, não há provas conclusivas. Qualquer chefe de Casa Civil de República de Banana sabe montar um esquema para disfarçar os fluxos da corrupção.

Os dois países em questão são grandes aliados do Ocidente. Boa parte do dinheiro do petróleo volta para o Ocidente como participações em empresas, aquisições imobiliárias ou títulos da dívida pública. São centenas de bilhões de dólares. Diante dessa quantia, talvez seja melhor não fazer perguntas complicadas.

O dilema do Ocidente diante da Arábia, guardada as devidas proporções, é o mesmo vivido por inúmeras pessoas e organizações que, lutando pela sobrevivência, acabam fazendo concessões. Ou no popular,“fechando os olhos”.

Resta à sociedade, “abrir os olhos”. A briga por um mundo mais justo e menos submetido a interesses escusos deve ser permanente. Devemos ajustar as regras, criar novas leis, revogar concorrências, cassar políticos, boicotar organizações, clamar pela ética, etc. E, quando nada funcionar, uma sonora vaia. Dilma e Beija-Flor que o digam.



Foto: O tapete de flores da Grand Place de Bruxelas, por ocasião da celebração de Assunção, no último 15 de agosto.

Wednesday, February 18, 2015

Tributo ao Carnaval

Ontem foi mardi-gras. Cá entre nós, Carnaval sem feriado não tem graça nenhuma! Sim, existem algumas celebrações carnavalescas na Europa. Nada que rivalize com uma boa greve ou uma partida de futebol. De qualquer maneira, parodiando o ditado, não existe Carnaval ruim, é você que bebeu pouco.

Não há Carnaval que faça o brasileiro esquecer dos problemas. As investigações do Petrolão e a estagnação do país têm visibilidade internacional. A cara da Dilma preocupada está em todos lugares. As pessoas perguntam-me sobre a crise econômica brasileira. Respondo que não é econômica, é institucional.

Enquanto vocês curtem o Carnval nas ruas e nos jornais, este inverno camarada é temperado com as mesmas notícias: A Grécia, a Ucrânia e o atentado do mês, aquele da Dinamarca. Se não tem um Petrolão por aqui, tem o caso das contas suíças do HSBC. Já estava com saudades de poder acompanhar um grande escândalo mais de perto.

Demorou e o sistema financeiro finalmente ganhou o seu Snowden. Todos sabem do papel dos paraísos fiscais no mundo do dinheiro, mas não tinham as evidências. Com o HSBC na berlinda e uma lista de milhares de correntistas, o aperto aos agentes do sistema será muito maior.

Diante de governos corruptos e gulosos, pode parecer razoável tirar o dinheiro do próprio país. Entretanto, dependendo do país e das circunstâncias, é crime. Pior ainda, quem guarda os seus trocados também trabalha para mafiosos, terroristas, autocratas e até petralhas.

Os bancos são criativos e provavelmente encontrarão alternativas para esconder a grana dos afortunados. Problema deles. É preciso conter a evasão e estancar os fluxos do mundo do crime e da informalidade.

Dias desses, Thomas Piketty, autor do best-seller “O Capital no Século XXI”, deu uma longa entrevista à TV francesa, quando mencionou a questão da evasão fiscal. Como socialista, ele quer muito mais do que eliminar os paraísos fiscais. Fala, por exemplo, da tributação das transações internacionais.

O Piketty tem uma fixação patológica por impostos. Declarou-se satisfeito pelos milhões de dólares que recebe com seu best-seller, que acabam nas mãos do Fisco francês. Disse que está feliz com o seu salário de professor e não precisa de mais dinheiro. Os entrevistadores ficaram embasbacados. Bem, é Carnaval. Talvez, eu tenha bebido pouco.


Foto: O Museu Hergé em Louvain-la-Neuve,  na periferia de Bruxelas.

Sunday, February 8, 2015

Lúgubre


O aparelho e a operadora são belgas, mas acabei configurando o celular em português mesmo. Alguns aplicativos estão em francês e outros em inglês. A maioria acompanha o sistema operacional e está em português, como o aplicativo de meteorologia.

Entre dias nublados, chuvosos e até mesmo ensolarados, o aplicativo Accuweather surprendeu-me indicando que os próximos dias serão de tempo lúgubre. Lúgubre?!

Fiquei mais impressionado com o uso da palavra em si do que pelo clima. Seus sinônimos mais comuns são sombrio, triste, fúnebre ou macabro. O que seria uma semana inteira de tempo lúgubre? Que medo! 

Lúgubre ficou na minha memória como clima londrino. Li os livros de Conan Doyle muito jovem e aquilo marcou para sempre. Eis que estou morando em Bruxelas, que não tem um clima muito diferente daquele do outro lado da Mancha.

Quando a gente vem para cá, todos fazem questão de lembrar os dias sombrios, cada vez mais frequentes a partir do outono: "Prepare-se para os infindáveis dias cinzentos!"

Se 2014 foi um ano atípico ou não, deixo para os meteorologistas.  Devo agradecer àqueles que me assustaram com a previsão de tempo lúgubre, brumas místicas ou escuridão perpétua. Tenho visto o sol com muito mais frequencia do que imaginava e ainda não esqueci que o céu é azul.



Foto: Bem perto de casa, os lagos de Ixelles (Étangs d'Ixelles) num dia cinzento, mas longe de ser lúgubre.