Meu plano para a última semana era uma convenção em Lisboa. Graças às raríssimas greves dos controladores de vôos europeus, acabei passando a semana em Paris. Se não pude fugir do frio, pelo menos pude matar as saudades das coisas de lá.
As capas das revistas de fofocas ainda ilustravam as novidades da vida amorosa do presidente. A imprensa mais séria sabe que o francês separa muito bem a vida pública e a vida privada dos políticos. De qualquer modo, como em todo lugar, a oposição sempre tira uma casquinha.
O assunto mais quente por lá é outro. Se você está incomodado com o beijo gay da novela, se você não está à vontade com a regulamentação do casamento gay ou foi um daqueles contrários a cartilha anti-homofóbica do governo brasileiro, prepare-se! A França vai mais longe.
Para construir uma igualdade de gêneros mais sólida, o governo francês começou uma rigorosa revisão de todo material didático desde o ensino básico. É o programa "ABCD da igualdade", em fase experimental para 600 classes.
A proposta é remover do currículo quaisquer estereótipos associados à masculinidade e feminilidade. Nada de mostrar menino de calça e camisa azul brincando de carrinho. Nada de menina de vestido vermelho brincando de boneca. Piadinha de Joãozinho e Mariazinha, então, nem pensar!
Com tamanha neutralidade, os diversos tipos transgêneros também saem ganhando, com a eliminação do preconceito potencial pela raiz. A turma de descontentes é a mesma que foi às ruas contra o casamento gay: extrema direita e grupos religiosos. Dessa vez, no entanto, foram mais eficazes. Montaram uma campanha contra a proposta educacional e, mais assustador, começaram a tirar seus filhos das escolas, um dia por mês.
A campanha para confundir a opinião pública acusa o governo de incorporar a "teoria do gênero" na educação. Segundo ela, os papéis masculinos e femininos são frutos de uma construção social e não das diferenças biológicas originais. Assim como o boicote às aulas foi coordenado pelas redes sociais, os boatos sobre a adoção da tal teoria também espalharam-se pelo mesmo meio. Da extrema-direita para o centro foi rapidinho. Confusão generalizada.
Tolerância e igualdade são ambições da sociedade francesa e de muitas outras. Já essa teoria do gênero talvez seja arrojada demais. Resta ao governo francês explicar a sua intenção e repelir as acusações da direita. Enquanto isso, bem que eles podiam tirar do material básico livros como "Papai usa vestido". Ou não?
Foto: Cenas de Amsterdam no último verão.
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Saturday, February 1, 2014
Thursday, November 5, 2009
Égalité
O espírito igualitário da Revolução Francesa ainda me surpreende no dia a dia. Anos-luz do que eu conheci no Brasil. Só tem um detalhe: Em 1789, a igualdade foi estabelecida entre brancos. Os revolucionários de todos os naipes não prepararam a nação modelo de república e democracia para os milhões de árabes que nela se abrigariam quase dois séculos depois.
Apesar dos esforços, os bolsões de pobreza estão por aí, nas periferias de Paris, Lyon e Marseille. Nada comparado com as favelas brasileiras, mas muito longe do ideal de igualdade de outrora. Os conflitos de rua de alguns anos atrás mostraram a ferida para o mundo inteiro. A ascensão de Obama também evidenciou que falta alguma coisa no sistema francês.
Ministérios não faltam. Tem o Comissariado da Diversidade e Igualdade de Oportunidades e o Ministério da Imigração e Identidade Nacional. Este último, por exemplo, lançou um debate público sobre o que é ser francês. Apesar das críticas, muita gente o tem apoiado. Com o grande contingente de imigrantes, a questão faz sentido. Antes explorada pelo governo, do que manipulada pela extrema direita.
Já o Ministério da Diversidade tem proclamado medidas cosméticas. A França acaba de impor o CV anônimo, no qual o nome, o sexo, a nacionalidade e a idade dos candidatos são omitidos. A eficácia desta medida é questionável. Politicagem!
Integração e igualdade de oportunidades estão entre os assuntos mais complexos da humanidade. Não há soluções perfeitas. O que importa é a real vontade de se integrar as populações marginalizadas, mas sem fisiologismo, aqueles agrados que rendem votos e apenas empurram o problema mais para frente.
Foto: A última foto de Bayeux, uma tomada da Catedral Notre-Dame, do século XI. A tapeçaria de Bayeux ficou exposta na Catedral durante oito séculos.
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