Aconteceu no Balthazar, um renomado restaurante francês do Soho, em Nova Iorque. A história tem quase duas décadas, mas só foi revelada por Keith McNally, proprietário do restaurante, há poucos dias através da sua conta no Instagram.
Era uma daquelas noites de casa cheia, algo comum no local,
uma brasserie recomendada pelo Guia Michelin. Entre as festejadas mesas, duas
delas têm as suas histórias entrelaçadas pelo acaso.
Numa das mesas, um jantar a dois. Um jovem casal, que não
precisa de motivo especial para celebrar, curtindo sua refeição acompanhada de
um vinho. Os jovens escolheram o vinho mais em conta da casa, um Pinot Noir de
US$ 18 (vide nota 1).
Na outra mesa, um grupo de executivos de Wall Street.
Possivelmente, celebravam alguma transação importante. Para acompanhar o
jantar, escolheram o vinho mais caro da carta, um Château Mouton Rothschild,
cuja garrafa custava US$ 2000 (nota 1).
A essa altura, o leitor astuto já pode ter antecipado o que
o acaso preparou para as nossas duas mesas. Sim, seus vinhos foram trocados!
Um serviço de vinho razoável nunca permitiria uma troca de
garrafas. Todavia, os clientes das duas mesas solicitaram que suas garrafas
passassem por decanters (nota 2). O restaurante utilizou dois decanters
idênticos, que foram trocados à hora do serviço. Não me perguntem a razão de passar
o Pinot Noir pelo decanter (nota 3).
Quando a equipe do restaurante percebeu o engano, chamaram o
dono. Depois daquele frio na barriga, Keith preferiu abrir o jogo com seus
clientes. Enquanto que os vinhos trocados já estavam sendo apreciados nas duas
mesas, ele foi lá e contou o ocorrido. Cada mesa acabou ficando com o vinho que
havia começado. Ambas pagaram apenas US$ 18 e o restaurante arcou com o
prejuízo.
A proposta deste post não é homenagear o restaurante nem seu
dono pela sábia decisão. Aliás, feito o estrago, é isso o que esperaria de
qualquer estabelecimento. O ponto mais interessante é que nenhuma das mesas
percebeu a troca. Bebiam felizes. O casal divertia-se fazendo valer
ao máximo aquele vinho presumidamente barato. Os executivos transbordavam de alegria
com o vinho presumidamente sofisticado.
Quando Keith esteve à mesa dos executivos, um deles elogiou
a "pureza" do vinho. Disse que desconfiou que fosse um Mouton
Rothschild. Cá entre nós, ele deve ter tentado alguma saída honrosa. Se ele
entendesse um pouquinho de vinhos perceberia a brutal diferença, não é mesmo?
Esta pequena desventura enológica teria sido mera casualidade?
Talvez não. Se transformássemos tal situação num experimento, tenho quase
certeza que teríamos inúmeros resultados semelhantes. A dura verdade é que muitos
clientes nem gostam do que bebem. É um ritual de celebração e exibição.
Tem muita gente que bebe rótulo.
Há estudos análogos sobre o comportamento do consumidor de
cervejas focados no Brasil. Ficou evidenciado que, em degustações às cegas, o
bebedor comum não consegue diferenciar as diferentes marcas de cerveja. Pior ainda,
à mesa, faz questão de exibir o rótulo da marca consumida, mudando a posição da
garrafa ou lata para dar-lhe mais visibilidade, quando necessário.
Os amantes do vinho que conheci, na sua maioria europeus,
escolhem as garrafas com base nas suas preferências históricas (uva, vinícola,
safra, regiões, etc) e na oportunidade de conhecer melhor os produtos locais, sempre
com uma relação interessante de custo/benefício. Arriscar uma nova experiência?
Claro, mas só depois de uma boa conversa com o sommelier.
E você, bebe vinhos ou rótulos?
Leitura adicional:
Post sobre vinho de 2009 – Açúcar dá
cana!
Post sobre vinho de 2009 – Vinum Nostrum
Notas:
(1)
Preços de vinte anos atrás. Hoje, a garrafa mais
barata custa US$45, e a mais cara, US$6800.
(2)
O decanter tem várias funções: separar as
impurezas, permitir a oxidação e servir o vinho. Vejam o excelente artigo da revista
Adega.
(3) Por que um Pinot Noir de US$18 precisaria passar por um decanter? Não sei. O dono do restaurante diz que quem manda é o cliente. O sommelier é instruído para concordar mostrando um certo desconforto. Nas palavras de Keith: “By acquiescing one educates the customer”
Fontes:
Decanter,
Instagram,
“Small
Data” de Martin Lidnstrom, Adega
Foto: Última foto em Tréveris, Alemanha. Detalhe na praça
central da cidade.
1 comment:
Quando viajo bebo vinho nacional de onde estiver.
Aqui nas Américas prefiro o Malbec argentino. Ou então um vinho francês em conta, daqueles com rótulo bonitinho. Mas quando vou para a mercearia das russas compro alguma coisa da Bessarábia ou da Geórgia, só para variar.
Não gasto muito. A vida é curta demais para ficar trabalhando para um patrão chato só por $ do vinho.
Post a Comment