Sunday, June 19, 2011

Chiropa

Excluir a Grécia da Eurolândia era o cenário a se evitar. Temia-se uma convulsão social, a implosão de um país no seio da Europa e a virtual contaminação do continente, uma cesta cheia de frutos podres. Em algum momento, pensou-se que, ao invés de separar os podres, talvez fosse mais fácil separar os bons. Engano.

A Alemanha não pode mais sair do Euro. Mesmo com a economia mais saudável, seu superávit é feito em cima dos demais países europeus. Se tivesse moeda própria, um novo Marco, sua valorização acabaria com a competitividade do país. A opção é insustentável.

Já os gregos estão protestando de forma cada vez mais intensa. Se as coisas continuarem assim, todo o esforço europeu terá sido em vão, pois o caos se aproxima, com ou sem Euro, com ou sem Dracma.

Enquanto Angela Merkel hesitava, Sarkozy sempre foi claro. Quis salvar a Grécia para privilegiar seus amigos e financiadores de campanha, que fazem muito dinheiro por lá: Banqueiros e fabricantes de armas. O bom senso prevaleceu, Merkel e Sarkozy flexibilizaram as suas posições para fazer um novo pacotão de auxílio.

No final das contas, quem salva a Grécia, Portugal e Irlanda não é nem a Alemanha nem a França, mas ninguém menos do que a China, que vai comprar mais títulos europeus. Como a China tem muita bala, acredito que os problemas serão empurrados com a barriga.

Talvez a Europa faça como os EUA, que se amarrou com a economia chinesa, algo que alguns chamam de Chimérica. Agora é a vez da Chiropa. A China, que já tinha um marido bêbado e perdulário, arrumou um amante da mesma categoria. Não há consenso sobre onde isso vai parar. Xie Xie!


Foto: No centro de Baume-les-Messiers, na região da Franche-Comté.


PS: Artigo de Niall Ferguson, de 2005, para quem quiser ir mais longe: Our Currency, Your Problem

Sunday, June 12, 2011

Revista do Cinema S1/2011


Por ter passado boa parte do primeiro semestre em São Paulo, o meu balanço do cinema possui alguns filmes que já passaram pelo circuito brasileiro, mas ainda possui 7, de um total de 17, que ainda estão para chegar. Foi um semestre de vários filmes muito bons, mas nenhum genial.

Entre os meus favoritos do semestre, há dois italianos. O primeiro já passou pelo circuito paulistano: "Mine vaganti" ("O primeiro que disse"). O trailer do filme engana um pouco, pois mostra uma cena muito engraçada e nos induz a esperar por um comédia mais hilária. Não é bem assim. Quem ainda não viu, não perca, pois é ótimo.

O segundo italiano chegará ao Brasil bem mais para frente. Trata-se de "Gianni e le donne", uma comédia de bom gosto, no clima de "Pranzo di ferragosto", já comentado neste blog. Ambos escritos, dirigidos e estrelados por Gianni di Gregorio, sem dúvidas, um talento do cinema italiano. A participação de Valeria De Franciscis, 95 anos, é uma atração à parte.

Os filmes destacados no Oscar e em Cannes dispensam comentários. Já fiz um post dedicado a Cannes, falando sobre o filme de abertura, "Midnight in Paris", e o vencedor da Palma de Ouro, "The tree of life". Mas, eu fico mesmo é com "O discurso do Rei", agraciado com o Oscar.

Dos filmes franceses, recomendo "Les femmes du 6ème étage", com o ótimo ator Fabrice Luchini. Outra comédia de muito bom gosto, mostando a vida de uma rica família francesa nos anos 60. O enredo se passa em torno da aproximação do personagem de Fabrice com as domésticas espanholas que ocupam o sexto andar do elegante edifício parisiense. Pelo menos dois outros filmes da temporada francesa exploraram o relacionamento patrão-empregada.

Minha última recomendação do semestre é o "The adjustment bureau" ("Os agentes do destino"), pois não há nada como um conto de Philip K. Dick bem adaptado para o cinema: "Blade runner", "Minority report" e "Total recall" estão aí para comprovar.


** The king's speech - UK/USA/AUS - Tom Hooper
** Mine vaganti - ITA - Ferzan Ozpetek
** Les femmes du 6ème étage - FRA - Philippe Le Guay
** Gianni e le donne - ITA - Gianni Di Gregorio 
** The tree of life - USA - Terrence Malick
** Midnight in Paris - USA/ESP - Woody Allen
** The adjustment bureau - USA - George Nolfi

* Inside Job - USA - Charles Ferguson
* Black Swan - USA - Darren Aronofsky
* Ma part du gâteau - FRA - Cédric Klapisch
* The Way Back - USA - Peter Weir
* Rango - USA - Gore Verbinski
* 127 Hours - USA/UK - Danny Boyle
* Rio - USA - Carlos Saldanha
* Little Fockers - USA - Paul Weitz
* Les émotifs anonymes - FRA/BEL - Jean-Pierre Améris
* Les petits mouchoirs  - FRA - Guillaume Canet



Foto: Aproveitando o feriado prolongado da semana passada, visitei algumas cidades francesas. Começo com Baume-les-Messieurs, pequena e bela cidade num vale circundado por falésias. A cidade fica no departamento do Jura, região da Franche-Comté. Na foto, uma vista do seu núcleo principal.

Saturday, June 4, 2011

Ainda sobre o Zidane da Economia

As notícias da Europa não têm graça. A Alemanha promete que vai abandonar a energia nuclear mais uma vez, a Grécia jura que agora vai apertar o cinto para valer e a Espanha diz que o seu pepino é confiável. Por essas e outras, ainda não tem assunto melhor do que DSK.

Na última semana, o que mais chamou a atenção foi o penthouse do Tribeca ocupado por DSK, considerado suntuoso demais para um socialista. Eu não estranharia tanto. Afinal, se o petista Palocci é o “Pelé da Economia”, DSK pode muito bem ser o Zidane da Economia, não é mesmo?

De fato, quem banca o DSK é a sua esposa, Anne Sinclair, que tem uma visão bastante arrojada sobre o matrimônio. Diz ela: “Enquanto ele me seduz e eu posso seduzi-lo, isso me basta”.

O escândalo DSK chacoalhou a sociedade francesa. Há uma série de debates sobre o machismo, o feminismo, o assédio, o papel da mulher, os vícios do poder, etc. Explodem as denúncias de assédio. Enfim, há males que vem para o bem. (Desculpem-me por esta conclusão tão profunda e original)

Nos últimos dias, trabalhei em Lyon e provoquei conversas sobre o tema com diversas pessoas. Os sentimentos de cada um são diferentes, do lamento à vergonha. Mas, ninguém é indiferente.

A próxima segunda-feira, quando se comemora o “dia-D”, será um momento crucial para o destino de DSK. Ele deve se apresentar à Justiça americana declarando-se inocente ou reconhecendo a culpa.

Em meio a tantas especulações filosóficas - no melhor estilo francês, a pérola da última quinzena foi o lançamento do novo modelo do Citroën DS4 (a pronúncia francesa é D-S-K-tre). O slogan da campanha: “O poder de dizer não”.


Para finalizar, uma historinha sobre DSK:

DSK chega ao FMI. No seu pescoço, próximo ao colarinho da camisa impecável, percebe-se um pedaço de calcinha. Passando pelos quadros da instituição e cumprimentando seus funcionários, o executivo escandaliza mais uma vez. Entre risos e indignação, a sede do FMI para. Todos falam da calcinha colada no pescoço do chefe. Uma hora depois, finalmente, um dos seus assessores mais próximos o alerta: "O Sr. está com um pedaço de calcinha no seu pescoço". DSK responde: "Não liga, é só um emplastro. Estou tentando parar".


Foto: A última tomada de Annecy, na Savóia.

Wednesday, June 1, 2011

Cannes 2011

Meu post sobre o Festival de Cannes atrasou para que eu pudesse assistir pelo menos dois dos filmes que marcaram a temporada 2011.

Woody Allen, "hors-concours", abriu o festival com "Midnight in Paris". Terrence Malick levou a Palma de Ouro com "The tree of life". Gostei e recomendo ambos. Farei alguns comentários sem dar muitas pistas sobre os filmes, a fim de não estragar a surpresa do leitor.

É claro que "Midnight in Paris" foi muitíssimo festejado. Temática parisiense, coadjuvantes franceses e Carla Bruni no elenco. Tudo isso num país que sempre prestigiou o cineasta. Esquecendo-se do momento francófilo de Woody Allen, o filme é muito bom e bem melhor do que o seu anterior ("You Will Meet a Tall Dark Stranger").

A história começa meio boba, cheia de clichês, mas mergulha no passado, quando a cidade era a capital cultural do mundo. Aparecem conversas ricas e interessantes, como em tantos filmes de Woody Allen. Sem muita profundidade, mas inteligente e agradável. Cabe à nossa imaginação navegar pela fantasia proposta pelo diretor e escritor. Enquanto a maioria dos filmes peca por excesso, este deixa aquele gosto de "quero mais". O elenco é ótimo com vários astros franceses escalados para agradar ainda mais o público de Cannes. Veja o trailer.

O ganhador da Palma de Ouro, "The tree of life", é um filme no mínimo ousado. A história de uma família americana é o mote para uma longa sequência de lindas imagens falando da natureza, da vida, do homem, da família, da maturidade, dos valores e da misteriosa razão de ser. Embora todos concordem que o filme seja uma poesia visual, há quem não goste da cadência. O começo, meio National Geographic meio 2001, pode desanimar um pouco (não vá embora!), depois, o filme se humaniza. Algumas passagens da vida da família são realmente tocantes. Veja o trailer.

O público e a crítica francesa preferem o filme do Woody Allen. O filme de Terrence Malick mostra uma visão de mundo diferente da cultura local. Malick é filho de pai ortodoxo e mãe católica, mas parece um evangélico. Em alguns trechos do filme, a poesia soa uma pregação, algo que certamente afasta os franceses.

Gostaria de fazer uma observação musical. Quem puder ver o trailer de "The tree of life" notará uma das suas músicas principais, "O Moldava" ( "The Moldau" ou "Vltava"), do compositor checo Bedřich Smetana. Se alguém achá-la familiar, não estranhe. O hino de Israel ("Hatikvah") e a música de Smetana são sabidamente inspirados numa canção italiana do século XVI, "La Mantovana".

Já Woody Allen, entre músicas de Cole Porter, encaixou dois clássicos do franco-alemão Jacques Offenbach: "Barcarola" (ária de "Os contos de Hoffmann") e o mais famoso "Can-Can".


Foto: Mais uma tomada de Annecy, na Savóia.