Sunday, November 27, 2011

Alemanha contra rapa

Conforme escrito no último post, Portugal, Itália, Grécia e Espanha (PIGS) continuam em maus lençóis, e a Alemanha é o centro das atenções.

Muito provavelmente, Angela Merkel empurraria a questão do Euro com a barriga, não fosse a punição imposta pelo mercado. Ao encontrar os primeiros percalços na emissão dos seus próprios títulos, a poderosa Alemanha encontra-se tão fragilizada quanto seus vizinhos. Enfim, os alemães começam a perceber que estão no mesmo barco. Até a Economist usou a surrada metáfora da orquestra do Titanic.

O interessante é a inversão. De uma hora para outra, os PIGS viraram vítimas e a disciplinada Alemanha é vista como grande vilã. Apesar da irresponsabilidade fiscal dos PIGS, a forma de atuação do Banco Central Europeu – imposta pela Alemanha – coloca todo continente em risco. A Alemanha não pode mais insistir na punição dos países gastadores sem correr riscos.

Os alemães estão contrariados. Para eles, as cigarras se deram bem e as formigas dançaram. Antes dos dominós começarem a cair, as economias europeias já estavam estagnadas, enquanto que a Alemanha estava em melhor forma. Independentemente de quaisquer outros fatores, a origem de todos os males é a própria moeda única, que ameaça formigas e cigarras. Restarão apenas alguns pulgões.


Desde o começo da crise, os políticos europeus aproveitavam cada oportunidade para culpar o mercado financeiro. Diziam que a Europa não se inclinaria aos especuladores. Com o tempo, o discurso foi amenizado. O mercado, esta entidade culpada de tantos males, permitiu as operações para salvar a Grécia, amenizar a situação da Espanha e ainda foi o único a “peitar” a Alemanha. Se há algum pingo de sensatez nesta história, está no famigerado mercado.


Alemanha contra todos. Alguém já viu isso antes? Seria uma mera circunstância econômica ou fruto da mesma sequência histórica que levou aos conflitos do passado, das diferenças entre as perspectivas católica e protestante, de Roma contra os povos germânicos, etc. Para pensar.


Foto: Uma outra tomada da charmosa Saint-Martin-de-Ré.

Saturday, November 19, 2011

O dono da bola da vez

Cansado da crise europeia? Eu também. Revendo meu próprio blog, percebi que o primeiro post sobre a crise grega foi de março de 2010. Àquela época, já se falava do possível efeito dominó, iniciado na Grécia e demais "PIGS".

Quando escrevi aquele post, ainda morava na Europa, onde o assunto já dominava o noticiário. Confesso que acreditava numa certa solidariedade ao povo grego, numa preocupação em se evitar a desintegração social no coração da Europa. Hoje, tenho certeza absoluta de que a dupla Merkozy só queria livrar a cara e salvar seus bancos.

De fato, caminhamos para o pior dos cenários. Lá se vão dois anos sem crescimento, dois anos de sofrimento para os gregos e a crise está apenas começando. A economia italiana está em cheque e todos pagam altas taxas de juros para rolar suas dívidas. Até a França, detentora da nota máxima AAA, paga cada vez mais juros.

Até pouco tempo, a discussão maior era se a Grécia deveria dar o calote ou não. Agora, com economias bem mais significativas em jogo, a Alemanha está no centro do debate.

O mundo clama para que o Banco Central Europeu tenha uma atuação menos amarrada, injetando mais dinheiro na Economia e resgatando os países em dificuldade, mesmo com o risco inflacionário. A Alemanha, que emprestou a solidez do Marco ao Euro e tem uma trágica memória neste terreno, é radicalmente contra.

Vocês podem reparar no noticiário recente, as atenções viraram para a Alemanha. Apesar da sua virtude e disciplina, ela terá que ser solidária com seus vizinhos vagabundos, que ainda juntam dinheiro para comprar Mercedes.

Dois artigos:
The German problem
O Decálogo da Crise Europeia


Foto: Passeando por Saint-Martin-de-Ré, principal núcleo da Île de Ré. As casas podem parecer humildes, mas valem muito. A Ilha é sempre citada pelos críticos do Imposto sobre Fortuna. A valorização imobiliária transformou os seus antigos habitantes em milionários. O problema é que eles não tinham caixa para pagar o imposto. A saída foi vender e se mudar. Justo?

Saturday, November 5, 2011

Bicentenário

No simpósio promovido pela The Economist, nesta semana em São Paulo, o tema foi o Brasil que se aproxima do seu bicentenário (Brasil 2022). Apesar das recentes conquistas, de tantos estrangeiros excitados e de tanto dinheiro entrando, a divulgação do IDH foi providencial para nos lembrar onde estamos. Uma modestíssima 84a posição mostra que ainda há muito a ser feito. Não foi à toa que o índice saiu no dia de Finados.

Os demais países do BRIC também têm muito por fazer: China (101), Índia (134) e Rússia (66). Mas, como disse o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, Charles Tang, "BRIC é só marketing".

O executivo roubou a cena no Brasil 2022. Questionado sobre a competitividade chinesa, disse: "A China não é responsável pelo custo Brasil". Desafiado sobre alguns percalços na ampla parceria entre Brasil e China: "Não existe amizade entre países, apenas interesses comuns". Foi muito claro ao explicar por que a China não apoia o Brasil na reforma do Conselho de Segurança da ONU: "Enquanto o Brasil se aliar ao Japão para entrar no Conselho, a China vai se opor". Muito claro. Claríssimo!

Puxei o assunto para a China, por que há consenso de que o Brasil tenha sido muito beneficiado pelo seu crescimento vigoroso. Entretanto, a novidade dos próximos anos pode ser a frenagem deste gigante, como consequência da deterioração da situação econômica da Europa e dos Estados Unidos.

A chuva de dinheiro que cai na nossa horta vai parar.  Não poderemos continuar "na banguela" por mais alguns anos. Nesse quadro, a construção de um país melhor em todos os aspectos, orgulhoso dos seus 200 anos de independência, só dependerá de nós.

Lamentavelmente, o governo Dilma perdeu a oportunidade de fazer qualquer reforma significativa. Talvez, o susto de uma nova e profunda crise mundial sensibilize a classe política.

Algumas citações circularam no evento da Economist. Não vejo de forma alguma um grego falando para um brasileiro: "Eu sou você amanhã". Por outro lado, concordo com outras: "Brasil pode ficar velho antes de ficar rico" ou "Brasil é uma obra inacabada".


Fotos: Centro de Saint-Martin-de-Ré, principal núcleo da Île de Ré, um destacado polo do turismo francês.


PS- Vocês lembram do "sesquicentenário"? Pois é, estamos ficando muito experientes.