Saturday, March 24, 2012

O infiel da balança - Continuação

O impacto eleitoral do episódio de Toulouse ainda é indefinido. Apesar do cuidado inicial, agora, ouvimos asneiras de todos os lados.

Sarkozy teria tudo para tirar maior proveito. Se o assassino não era um imigrante, era um francês de origem árabe mal integrado à sociedade. O Presidente usou a sua energia característica para anunciar um pacote anti-terror com medidas de bisbilhotagem cibernética pouco eficazes e pouco apreciadas.

François Hollande soube aproveitar o episódio, criticando o serviço secreto. Entre os dois atentados, houve um intervalo suficiente para se chegar ao criminoso. Boa parte da esquerda, assim como a extrema esquerda, denuncia a teatralização do crime de Toulouse e o risco de disseminação da islamofobia. Na minha opinião, eles o fazem com tanta insistência, que parece islamofilia.

A extrema direita deve estar rindo à toa. Nos anos em que vivi por lá, quase todas as agressões aos judeus vieram de muçulmanos. São inúmeras agressões físicas, pichações e ameaças, que não chegam a ser notícia no Brasil. Neo-nazistas nem precisam se preocupar com judeus. Às vezes, eles atacam muçulmanos, que são milhões e incomodam muito mais.

A maioria esmagadora dos muçulmanos está totalmente integrada à sociedade secular. Entretanto, existem pouco mais de 10 mil fanáticos, com valores muito diferentes. Por razões óbvias, a própria comunidade islâmica não aprecia essa pequena minoria, que faz tanto barulho e estigmatiza a maioria.

Não apenas a França, mas muitos países estão diante de um terrível dilema. Como controlar esse tipo de gente sem violar os princípios que defendemos para todo o resto da sociedade? O colunista de religiões do Le Monde, o ótimo Henri Tincq, postula a mesma questão de forma diferente: "A república laica é suficientemente aparelhada para enfrentar uma tal concepção da religião como ideologia assassina?"

Procuram-se respostas.


Foto: A escultura "Cloud Gate" ou "The Bean" é uma das atrações do Millenium Park, em Chicago. Seu autor é Anish Kapoor.

Tuesday, March 20, 2012

O infiel da balança

Estamos perplexos com os crimes cometidos pelo "assassino da scooter" na França. Quem estará escondido pelo capacete misterioso? Um louco? Não, infelizmente, episódios como este são apenas manifestações esporádicas de sentimentos enraizados na sociedade. Não é o primeiro, e, provavelmente, não será o último.

O próprio impacto político é surpreendente. Digno de literatura.

A disputa presidencial, em sua fase final, está acirradíssima. Os candidatos são extremamente zelosos nas suas declarações, demonstrando muita solidariedade às vítimas. Entretanto, em sua intimidade, estão tensos. Muito tensos. Sabem que o atentado pode ser o fiel da balança num pleito tão disputado.

Se o assassino da scooter for um árabe muçulmano, o recente discurso xenófobo de Sarkozy será premiado. Se o assassino da scooter for um branco fanático, os franceses tomarão como um alerta contra os perigos da guinada à direita, o prêmio vai para o socialista Hollande.

Pelo esforço que a polícia francesa está empreendendo, a resposta poderá vir em breve, a tempo de influenciar o eleitor. Quem será o assassino da scooter?

Numa sociedade em crise, os sentimentos racistas e xenófobos são ainda mais exacerbados. Políticos que invocam tais sentimentos, mesmo que discretamente, brincam com o fogo. A França inventou a democracia moderna, mas ainda precisará de muito tempo para desatar o seu próprio nó.


Foto: Uma outra tomada do Navy Pier.

Sunday, March 11, 2012

É ou não é?

Na última semana, um vídeo oficial da Comunidade Europeia provocou grande polêmica. Veja aqui. É racista ou não? Alguns dizem que o filme abusa dos estereótipos. Outros, que seria "apenas" politicamente incorreto. A voz dos descontentes pesou e o filme não será mais divulgado.

Não sei se chineses, indianos e brasileiros sentiram-se ultrajados. A representação do continente por uma mulher branca foi infeliz, trata-se de um certo desrespeito às próprias minorias que vivem no continente.

E a campanha eleitoral da França? Racista ou não? Marine Le Pen, líder da extrema direita, acusou que a carne consumida em Paris provém de animais abatidos segundo os rituais muçulmanos e judaicos. A resposta de Sarkozy veio a altura da sua opositora. O desesperado Presidente mandou que toda carne halal ou kasher seja muito bem identificada para que nenhum francês tenha dúvidas do que consuma. Imaginem só, um cristão comendo uma carne dessas! Cruz credo!

Ontem, um cronista brasileiro lembrou do aniversário do tsunami que devastou parte da costa japonesa. Comentando sobre o que já havia sido reconstruído, aclamava o povo japonês: Unido, determinado, organizado, etc. A mensagem de uma certa superioridade foi explícita. Diz ele: "Que povo!"

Racista ou não? A Nação japonesa pode funcionar melhor do que a brasileira, mas nenhum povo é melhor do que outro. O acidente de Fukushima só não foi o maior acidente nuclear da história por muito pouco. Um povo "superior" não faria usinas tão vulneráveis, não acumularia uma história de corrupção e escândalos na gestão do seu parque nuclear e talvez soubesse gerenciar melhor uma crise daquela magnitude. Enfim, somos solidários, torcemos pelo Japão, mas somos tão bons quanto eles.


Foto: No Navy Pier, em Chicago. A roda-gigante moderna homenageia o local que testemunhou a primeira delas, durante a Exposição Universal de 1893. À época, a ideia foi uma construção que rivalizasse com a Torre Eiffel, apresentada na edição parisiense de 1889.

Sunday, March 4, 2012

Setenta e cinco?!

Na França, Jean Dujardin continua sendo um ator de segunda. Perdeu o César, mas ganhou o Oscar. O importante é que ele está feliz. Vai aprender um pouco de inglês e passar uma temporada em Los Angeles. As estrelas francesas adoram Hollywood. Os salários de lá não são muito maiores, mas o imposto... Ah, o imposto, quanta diferença!

Dujardin é sério candidato a fazer o que muitos artistas e milionários franceses já fizeram. Argumentam que são cidadãos globais e fixam residência na Suíça, Mônaco, Bélgica, Inglaterra e Estados Unidos.

Sarkozy procurou maneiras de estancar essa sangria. Além de dinheiro, os ricos levam empreendedorismo, ideias e talento. Tudo o que a França precisa. Para decepção do Presidente, a crise europeia não deu margem de manobras.

François Hollande, opositor de Sarkozy nas próximas eleições, por sua vez, quer piorar as coisas. Prometeu criar a alíquota de 75% de imposto de renda. Eu disse setenta e cinco! (Alíquota para renda superior a um milhão de euros anuais, numa tabela progressiva)

O anúncio do candidato do PS tem forte apelo demagógico, afinal a maior parte da população ganha bem menos do que isso. Por outro lado, existe toda uma categoria de artistas, esportistas, empresários e executivos, que será duramente penalizada.

A proposta é digna de um partido que se diz socialista. Aliás, neste assunto, fica bem mais claro quem é de direita e quem é de esquerda no país.

Muitos já deixaram a França por causa da alíquota atual de 40% e do imposto sobre o patrimônio. Uma parte da família mais rica da França, os Mulliez, donos do Auchan, Leroy Merlin, Décathlon e outras redes do varejo, mudou-se para a Bélgica. Moram numa cidadezinha da Valônia. Atravessam a rua e estão na França.

O pessoal do mercado financeiro prefere Londres. Aqueles que teimam morar em Paris, usam a ponte aérea ou o trem-bala que une as duas cidades. Como exceção às fugas, alguns ricaços saíram de Paris e foram morar no próprio "château", pois uma propriedade agrícola produtiva paga bem menos impostos.

Imaginem a futura França de Hollande! Ainda quero crer que seja um "tudo ou nada" eleitoral para arrancar Sarkozy da Presidência.

Numa economia de mercado, uma alíquota maior do que 50% me parece ser mais punitiva do que distributiva. Com 50%, você tem o Governo como sócio. Com 75%, a relação é de vassalagem.


Foto: Navy Pier em Chicago.