Sunday, November 29, 2015

Outono

O foco está na COP21 sediada em Paris. Para proporcionar a segurança necessária aos governantes do mundo inteiro, a cidade foi praticamente bloqueada. Em paralelo às discussões sobre o clima, os mesmos protagonistas tentarão achar uma solução para a crise síria. A recente derrubada do avião russo pela Turquia não ajuda em nada.

Hoje pela manhã, cruzei mais uma vez com aquele, que inspirou o post  “Popular e Ladrão”. Sim, o Erdogan esteve por aqui para uma nova reunião de cúpula entre a Europa e a Turquia. A Europa quer que ele pare de despejar refugiados sírios nas praias gregas, que ele pare de escoar o petróleo do Estado Islâmico e ajude a combatê-los. O último pedido do Erdogan para aceitar o pleito europeu foi de 3 bilhões de dólares, a cabeça do Assad e um pau nos curdos. Assim fica difícil.

O presidente francês ganhou algum prestígio ao liderar a nação depois da tragédia. Pelo menos, ele serve para alguma coisa! A solidariedade internacional com a França não foi suficiente para formar uma coalizão de combate ao Estado Islâmico. Hollande ouviu alguns nãos durante a semana:  Obama, Putin e Merkel, entre outros.

Bruxelas teve uma semana de exceção, como descrevi no último post. A vida voltou ao normal depois de alguns dias sob estado de sítio. Paira no ar aquela pergunta que não quer calar. Se a situação não mudou e dois dos terroristas estão soltos por aí, então há algo de errado: ou o estado de sítio não deveria ter sido decretado ou não deveria ter sido relaxado. Mistério.

A imprensa francesa não tem perdoado a leniência belga com relação aos muçulmanos radicais. Entre todas as críticas, achei a do Le Monde a mais dura. O seu editorial de 24 de novembro diz: “esse Estado sem nação pode virar uma nação sem Estado”.

Vale uma explicação. A Bélgica é tida como um Estado sem nação, por ser uma federação que agrupa flamengos, valões e alemães. Diante do radicalismo islâmico, todos erraram. O momento é de rara união, evitando-se acusações mútuas. Entretanto, ao longo dos últimos anos, o assunto foi deixado de lado para não afetar o frágil acordo que mantém a Bélgica unida.

Essa história de nação sem Estado lembrou-me do Brasil. Nosso Estado não está desaparecendo, mas apodrecendo rápido. Fiquem tranquilos, pois a cura passa pela prisão em massa de petralhas, como – felizmente - está acontecendo.



Foto: No final de semana anterior aos atentados, pude passear no Parque da Cambre, aqui em Bruxelas, curtindo a paisagem de outono.

Sunday, November 22, 2015

Estado de Sítio

Bruxelas viveu um final de semana sob estado de sítio, com a polícia e o exército espalhados pela cidade. Aqui no meu bairro, tenho cruzado com inúmeros homens fortemente armados desde sexta-feira.

Tinha ingressos para um show ontem à noite, mas o espetáculo foi cancelado. Por ironia, estava em Paris no final de semana passado, onde também não pude fazer o meu programa cultural.

Mesmo sem saber da anulação do show de ontem, confesso que estava preocupado. Vou ou não vou? A ameaça terrorista está sendo levada tão a sério entre a França e a Bélgica, que a tradicional Fête des Lumières de Lyon foi cancelada.

Após uma semana de debates intensos, fiquei muito satisfeito ao perceber que o meu último post, escrito ainda sob o impacto da tragédia, foi bem razoável na análise, apesar da sua brevidade.

No quadro externo, há um amplo entendimento de que é preciso atacar militarmente o Exército Islâmico, cortar suas fontes de financiamento e inibir seu poder de recrutamento, entre outras ações.

No quadro interno, as discussões são mais intensas. Há obviedades como reforçar a vigilância e a inteligência, porém, a unanimidade para por aí. Apesar dos últimos atentados, muitos ainda preferem um pleno respeito às liberdades individuais e à igualdade. Nada de sair prendendo uns barbudos perigosos por aí.

Não tinha percebido duas coisas no momento dos ataques. A primeira é o grau de perversidade dos terroristas. Esses monstros costumam circular entre a Europa e o Oriente Médio quando e como querem. Entretanto, fizeram questão de deixar um rastro associado à entrada de refugiados. Por que dar um presentinho desses aos “irmãos” sírios, que viram as portas fecharem-se em vários países nos últimos dias? Os terroristas sabem que a questão dos refugiados é um debate que divide a Europa. Pegaram na ferida.

A outra coisa que deixei escapar foi o papel da Bélgica. Quer dizer, eu, o povo e o governo belga. Se o Oriente Médio é a universidade do terrorismo, a Bélgica é a sua pós-graduação. A Bélgica dormiu no ponto e permitiu a criação de guetos favoráveis à radicalização. Os rastros dos últimos atentados graves ocorridos na França passam por Bruxelas.

Num final de semana em que pude ler todos os jornais, encontrei sábias palavras de uma executiva belga e muçulmana no L’Echo de sábado: “A Bélgica paga hoje o preço de uma pesada herança deixada por aqueles que preferiram a política do avestruz e do clientelismo com fins puramente eleitorais”.

Já escrevi sobre isso nos posts que sucederam outros atentados. É o mesmo comunitarismo denunciado na França. Políticos abrem mão da laicidade para fazerem concessões à comunidade islâmica a fim de obter seus votos. 

Quanto mais enraizado estiver o islamismo radical, mais difícil combatê-lo.  Não vai ser fácil recuperar toda essa juventude! Só resta esperar por uma semana de paz por aqui. Por aqui, pois na Síria vai cair muita bomba!



Foto: Acima e abaixo, fotos tiradas no último domingo na Praça da República de Paris, lugar que concentra as homenagens às vítimas desses atentados.


Saturday, November 14, 2015

Terror

Estou em Paris desde quinta e ficarei até segunda. Ontem, preparava-me para dormir quando soube da barbárie. Se alguém acha que a França vacilou com a segurança, errou. Desde janeiro, o país está sob alerta. Infelizmente, contra a covardia do terrorismo, não há muito o que fazer.

Com o estado de emergência decretado e vigilância por toda a parte, estamos mais seguros. Por quanto tempo? Manter esse aparato nas ruas é insustentável. Melhor seria atacar as causas do terrorismo, doa a quem doer.

O atentado foi assumido pelo Estado Islâmico. Porém, colocar toda a culpa nesses assassinos bárbaros é uma grande manipulação, daquelas típicas do George Bush. Ontem foi a al-Qaeda, hoje é o Estado Islâmico e amanhã haverá uma outra associação qualquer para fazer o terror em nome de Alá.

No plano externo, quando se trata de Oriente Médio, há um festival de hipocrisia. Todo mundo faz jogo duplo e o interesse econômico prevalece. Ninguém quer mexer com seus aliados endinheirados e financiadores do terrorismo: Arábia Saudita, Irã, Qatar e Emirados Árabes. Sem contar a Turquia, que não tem petrodólares, mas tem a mesma cara de pau.

O vacilão do François Hollande promoveu uma intervenção tardia na Síria, jogando mais bombas na areia do que qualquer outra coisa. Ele pode até fazer um discurso bonito, mas não abre mão de vender um A380 para a Emirates.

Entre todos os governantes europeus hipócritas, melhor ficar com o Putin, que assume que é mesmo um canalha, ao colocar seu exército para defender Damasco.

O plano externo ficou extremamente complexo após a tomada de posição da Rússia. Há algumas semanas, uma publicação francesa anunciava a Terceira Guerra Mundial. Exagerado ou não, é ilustrativo.

O plano interno é ainda pior. Mesmo que a Europa esteja longe de uma desigualdade social como a brasileira, há algo de podre no ar. A estagnação econômica e a dificuldade de integração dos imigrantes e seus descendentes estão entre os problemas mais conhecidos.

Quando milhares de pessoas oriundas das periferias das capitais europeias deixam seus países para juntar-se ao Estado Islâmico, fica difícil apontar apenas para o inimigo externo. O mal está aqui dentro.

E o que diremos daqueles que nem nasceram muçulmanos e também aderiram à causa? Foram à Arábia para matar, degolar, estuprar, esquartejar e enforcar. Nada contra uma coalizão para combater os lunáticos do Estado Islâmico, mas não nos esqueçamos que a nossa sociedade também está doente.

Que todas as vítimas descansem em paz. Estamos com Paris!



Foto: Em homenagem a Paris, uma foto da sua prefeitura tirada em julho último.

Saturday, November 7, 2015

Sanfona

Quando voltei da minha primeira expatriação, estava com 10kg a mais. Digamos que quatro anos de gastronomia francesa justificam esse ganho de massa. Foi por uma boa causa!

A história se repete. O “efeito Bélgica” parece ser ainda mais devastador. A combinação de cerveja, waffle, chocolate e fritas farão os 10kg em muito menos de 4 anos e isso não é uma boa causa, é uma tragédia!

Antecipando o esperado “efeito sanfona”,  tenho procurado academias perto de casa desde que cheguei em Bruxelas. Não achava nenhuma comparável às melhores academias paulistanas. Dá para imaginar alguém limpando os aparelhos após cada utilização por aqui? Nem pensar. E aquele exército de monitores prontos para ajudar? Muito menos.

Entre as minhas tentativas, conheci uma academia tocada por uma só pessoa. Parece cômico, mas a questão da mão de obra na Bélgica é ainda mais complicada do que na França. Também estive numa outra com instalações muito semelhantes às brasileiras. Os aparelhos e máquinas podem ser os mesmos, mas falta o principal: gente.

Há pouquíssimo tempo, encontrei uma academia excelente bem ao lado de casa. Ao longo dos últimos 18 meses, passei diante dela um monte de vezes e não reparei. Possivelmente, uma parte de mim não queria mesmo encontrá-la ;-)

Já estou inscrito. Na próxima vez que pisar no Brasil ainda estarei acima do peso. Quem sabe, em abril, estarei mais próximo daquele que saiu do país há 18 meses.

Em São Paulo, fazia academia com assiduidade. Nunca tive nenhuma ambição esportiva, era a forma mais interessante de fugir do trânsito.

Na minha plenitude esportiva, boa parte do tempo da academia era dividido entre a leitura do jornal, o lanchinho e o banho. No tempo que sobrava, eu queimava umas calorias.


Foto: Mais uma tomada do Château de Belœil, a partir dos seus jardins.

Sunday, November 1, 2015

Roubadinha

Tenho usado a Internet para reservar hotéis, restaurantes e espetáculos. Nesse mundo virtualizado, espera-se que nossas opiniões sejam compartilhadas, construindo (ou não) a reputação de cada local ou evento.

O grande problema é receber inúmeras mensagens semanais de serviços como o Trip Advisor. Desisti! A avaliação pode ser simples, mas ignorar tais mensagens é ainda mais simples. Tenho ignorado até mesmo as avaliações das corridas do Uber e do e-cab (aplicativo de táxi usado por aqui).

Como escolho meus programas com algum critério, dificilmente caio numa roubada. Sempre que precisei “gritar”, usei o Twitter.  Foi rápido e atingiu o objetivo.

Se consegui evitar uma grande roubada, houve “roubadinhas”. O Trip Advisor foi privado de fatos como os que seguem.


Numa cidadezinha da Provence, escolhi um restaurante muito bem localizado, razão pela qual muitos outros turistas fazem a mesma coisa. Sem muita fome, pedi uma salada caprese. O cardápio indicava um preço de 30 euros. Parece caro, mas é aceitável naquele local e na alta temporada. A surpresa viria logo mais com a chegada do prato: Um tomate inteiro e uma bola de mozarela. Olhei para minha esposa e disse: Será que lavaram o tomate?


Aqui em Bruxelas, tem um restaurante estrelado que usa e abusa de trufas. Havia reservado um jantar por lá há algum tempo, aproveitando-me de uma promoção. O espetacular jantar foi um menu-degustação com vários pratos. Em alguns momentos, o garçom ofereceu trufas raladas da mesma forma como se serve queijo parmesão em restaurantes de massa. Entretanto, teria sido mais simpático avisar que cada uma dessas raladinhas custava 20 euros!


E por falar em parmesão, tem um italiano perto de casa. Na última temporada, o tiramisu, minha sobremesa favorita, fazia parte do cardápio. Como sempre, estava animado para degustá-lo, mesmo que fosse pela enésima vez. Quanta decepção! O criativo chef desmontou a tradicional receita italiana, separando o mascarpone, a bolacha, o café e os demais componentes. Horrível! Felizmente, a heresia gastronômica foi excluída do cardápio desta temporada.


Foto: Voltando à Bélgica, uma tomada do Château de Belœil, onde estive um mês atrás.