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Thursday, May 22, 2025

Espiões entre nós


 

Este post é inspirado em dois casos recentes que ilustram como funciona o mundo da espionagem. A analogia do iceberg não vale para esse universo, pois a pontinha visível é ainda muito menor. De vez em quando, a gente vê uma lasquinha e fica imaginando o tamanho e a sofisticação das redes de espionagem a serviço de países - seja para inteligência ou, mais comum nos dias de hoje, para criminalidade de Estado.

Quem não está acostumado com filmes e livros de espionagem até estranha, mas essas descobertas não surpreendem. Afinal, a arte imita a vida. Ou é o contrário?

A primeira descoberta foi a utilização do Brasil como base na formação de agentes russos. Os espiões fazem um estágio por aqui, onde constroem uma nova vida, que será amplamente rastreada com relacionamentos e documentos. Tudo isso é essencial para que, numa nova fase, o espião possa atuar em outro país com uma ficha “limpa” e cheia de vínculos comprováveis com o Brasil. Essa prática envolve anos de preparação e milhões em investimento para criar uma biografia perfeita - emprego, família, redes sociais, tudo cuidadosamente forjado.

Enquanto a Rússia segue a receita da KGB, investindo no longo prazo, a Coreia do Norte é mais direta. Como foi recentemente descoberto, desenvolveram uma máquina de infiltração de profissionais de TI em empresas ocidentais. Apesar dos currículos terrivelmente falsos, a onda de trabalho remoto pós-pandemia e o eterno déficit de profissionais de TI fizeram com que as empresas ocidentais baixassem a guarda e contratassem inúmeros espiões.

A TI tem acesso privilegiado a muitos dados e, quando não os tem, sabe o caminho para encontrá-los. O caminho para os norte-coreanos acessarem dados sensíveis não é muito longo. Daí em diante, é a mesma estratégia dos cibercriminosos: comercializar os dados, extorquir o proprietário das informações — ou ambos.

Quando se fala em espionagem, muitos ainda imaginam agentes com disfarces elaborados, gadgets mirabolantes e missões de tirar o fôlego. Mas a realidade, como sempre, mostra que o mundo das sombras é muito pragmático e, em certos aspectos, até mais inquietante do que qualquer roteiro cinematográfico.

Rússia e Coreia do Norte exploram vulnerabilidades gritantes. No Brasil, a facilidade de acesso a documentos legítimos é a brecha perfeita para quem precisa desaparecer de um país e surgir oficialmente em outro. No setor de tecnologia, a combinação de escassez de talentos e processos de recrutamento pouco rigorosos abre as portas para qualquer um que apresente um perfil convincente — mesmo que fabricado.

Enfim, são lembretes de que os espiões não estão apenas na tela de cinema ou atrás de celebridades e estadistas, mas podem ser seu colega de trabalho, seu vizinho, etc. Como escrevi recentemente no caso do INSS, onde houver uma fragilidade, haverá alguém para explorá-la. Portanto, é dever de todo cidadão e profissional encontrar e denunciar as pontas soltas do sistema.



Foto: Navegando pelas águas do Elba de Praga a Berlim (abril de 2024).

Sunday, August 30, 2020

O elo mais fraco

 


Neste período de pandemia, os ataques cibernéticos explodiram e atingiram inúmeros alvos em todo planeta. A maior parte deles é feita de forma automatizada, espalhando-se um número gigantesco de iscas - emails, links e torpedos - a espera de uma vítima infeliz, que acaba infectando a sua organização.

É verdade que muitos ataques são direcionados. Nesses casos, o pelotão de elite dos hackers de algum grupo criminoso usa as suas habilidades para encontrar o melhor caminho para seu objetivo. Não é difícil! Os grupos mais organizados, aqueles ligados a países como Rússia, China e Coréia do Norte, possuem um arsenal de vulnerabilidades dos softwares utilizados por nós, prontos para serem acionados. Enfim, você tranca a porta da frente, mas os caras têm a chave da porta dos fundos.

Existem situações, onde o crime cibernético empenha um esforço ainda maior. Empresas com alguma propriedade intelectual relevante, que seja do interesse da ‘concorrência’, são exemplos desses alvos. Para se garantir a eficácia da incursão, a abordagem vai além do ciberespaço.

A literatura policial especializada está repleta de histórias parecidas. As armas cibernéticas são deixadas de lado em troca da boa e velha ‘engenharia social’, abordando-se funcionários e ex-funcionários de empresas detentoras de segredos industriais relevantes. Em outros casos, a mesma abordagem é feita para se alcançar um acesso privilegiado à rede da empresa. Basta convencer um único funcionário a colocar um pen drive no computador correto, que o restante do crime pode ser cometido remotamente do outro lado do planeta.

Na última semana, a tão admirada Tesla confirmou que foi vítima de uma tentativa ataque deste último formato. Um funcionário da Gigafactory foi abordado por um turista russo, que ofereceu um milhão de dólares para que infectasse a rede da empresa. Sim, um milhão de dólares!

O funcionário exemplar não cedeu à tentação. Com a entrada do FBI no episódio, o russo acabou preso. A lição deste evento tão recente é mostrar que as preocupações com a cibersegurança devem ir muito além da cibersegurança. Quando os hackers querem sacanear a sua empresa, não há limites.

Felizmente, tomamos conhecimento do fato. É fundamental que todos saibam que esse tipo de coisa acontece, e muito! Vários eventos semelhantes são tratados em sigilo privando o mundo da real dimensão do problema.

Fica o alerta para os executivos de organizações que tenham qualquer atrativo, seja tecnológico ou nos seus valiosos dados. Será que todos os funcionários passariam num teste de lealdade similar? Qual é o elo mais fraco de cada organização?


Leitura complementar:  Porta dos Fundos (2013) Cibersegurança (2020)


Foto: Ainda sobre aquelas inesquecíveis férias de 2016, logo depois da mudança para o Brasil. As águas tranquilas do Lago Bled (Eslovênia) convidavam-nos para o merecido descanso.

 


Monday, August 15, 2016

Olímpicas

Mais uma vez, aproveitei o verão europeu para tirar umas férias. Pela Europa Central, cruzei várias vezes com grupos da juventude católica, que foram ao encontro do Papa em Cracóvia. Ainda mais frequentes foram os encontros com os grupos de turistas asiáticos. Tudo indica que um pouco do fluxo dedicado à Europa Ocidental foi desviado para lá, por conta do risco de atentados.

No meu celular tem um aplicativo de SOS com números de emergência e alertas específicos para cada país. O aplicativo usa a geolocalização para saber quando estou num novo país. Cada vez que entro na Bélgica, Brasil ou França, recebo inúmeras advertências. Na Croácia, Eslovênia e Hungria, nenhum alerta. Portos seguros para as férias.

Nesses três países, entre um passeio e outro, pude acompanhar os Jogos Olímpicos pela TV e jornais locais. Entendia tudo! ;-)

Esses canais locais concentram-se nos seus representantes e equipes, com algum espaço para as estrelas olímpicas (Biles, Bolt, Phelps, etc) e pouco espaço para fofocas. Enfim, muitos dos incidentes esmiuçados pela imprensa brasileira pouco repercutiram no exterior.

A câmera que cai, a piscina verde e os assaltos aos atletas ficarão no folclore olímpico. Se houve algum evento relevante, não tem nada a ver com o Brasil. Falo da posição do COI com relação à Rússia. Isso sim é um desastre. A gente já sabe como funciona o COI, faltam culhões e sobram milhões.

Passada metade da competição, o desempenho esportivo do Brasil é patético. Não que as medalhas sejam importantes, mas o dinheiro alocado para obtê-las faz disso um escândalo. Apenas mais um.

Espero mesmo que não haja nenhum incidente importante e que os próximos dias sejam de encantamento esportivo e organizacional. Assim como vocês, estarei torcendo pelo Brasil. E que consigamos resultados mais expressivos, muito provavelmente nos esportes coletivos.


Foto: Belle-Île-en-Mer, como o próprio nome diz, um belo refúgio na costa da Bretanha.

Sunday, February 21, 2016

Verdun

Além dos sinais de fraqueza da economia mundial, há algo de ruim no ar. Revendo os jornais belgas e franceses dos últimos dias, tive que fazer algum esforço para encontrar boas notícias.

Até mesmo no noticiário esportivo, o destaque é para a última tendência em fraudes no ciclismo, o uso de bicicletas motorizadas. Flagaram um motor escondido no quadro da bicicleta de uma atleta belga.

A mídia destaca o centenário da Batalha de Verdun, episódio marcante da Primeira Guerra, quando o exército francês deteve o avanço alemão, com um saldo de 300 mil mortos e 400 mil feridos em 300 dias de combate.

Ao longo dos próximos anos, teremos muitos outros centenários. Não faltarão oportunidades para lembrarmos das barbáries das duas grandes guerras. O propósito principal dessas lembranças é servir de estímulo para que jamais se repitam.

Nesta última semana, tive a impressão que o mundo faz de tudo ao contrário, ou seja, tenta cair nas mesmas armadilhas do passado. Continuamos a semear a cizânia e a flertar com os conflitos. O discurso da desunião e da intolerância ganha espaço.

A discussão sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) é bem representativa. A adesão à UE tem sido usada como “bode”  por frentes políticas de quase todos os países do bloco. Obviamente, todos perderiam com a possível redução da UE, gerando um círculo vicioso que culminaria com a sua extinção. Terminaria assim a esperança de uma paz duradoura.

A Rússia, mesmo sofrendo com os baixos preços do petróleo, continua investindo bilhões para salvar um país que já morreu.  Ao invés de planejar sua retirada da Síria, ela investe ainda mais nessa operação militar descabida. Basta um pequeno incidente fronteiriço com a Turquia (membro da OTAN) para acender uma faísca de consequências imprevisíveis.

Não estou acompanhando as primárias dos EUA, mas o nível dos discursos que ecoam na Europa não é nada inspirador. Evidentemente, a paz e a prosperidade mundial ainda dependerão da boa vontade dos EUA por mais alguns bons anos.

A proposta não foi escrever um post pessimista, mas traduzir um pouco das preocupações latentes. Entre erros e acertos, os atuais líderes das principais potências - Obama, Merkel, Hollande e Cameron - são bons, mas ameaçados em seus países pelo discurso da discórdia. A concertação entre eles é fundamental para controlar essas ameaças.


Foto: A caminho da Bretanha, fiz algumas paradas no interior da França durante as últimas férias de verão.  Nessa foto, a charmosa Lyons-la-Forêt, na Normandia.

Sunday, January 24, 2016

Ladeira abaixo

O telejornal francês anunciava a queda nas bolsas e a crise nos países dependentes da produção de petróleo como consequência da recente baixa dos preços do mesmo. O mais estranho foi a cara de velório do apresentador. Não gostei nada daquilo!

De fato, a queda do preço do petróleo tem impacto direto nas bolsas. Como as ações das petroleiras têm um peso importante nos índices, suas quedas são amplificadas.

De fato, países como Rússia e Venezuela, entre outros, vão sofrer por algum tempo. Bem, as commodities brasileiras também despencaram e ninguém de fora do Brasil parece estar preocupado.

A lei da oferta e da procura rege os preços de qualquer mercadoria, mas nem sempre tudo é visível nos mercados internacionais. Num momento como o atual, há grande convergência de fatores empurrando o preço do petróleo ladeira abaixo. Em outras situações, analistas tiveram que esboçar complexas teorias para explicar as altas e baixas do ouro negro.

E se já não é fácil explicar totalmente as oscilações do petróleo, o que dizer do seu impacto na economia? Cada um diz o que quer. A maioria dos artigos tem ressaltado os impactos negativos, assim como o telejornal francês.

Tudo que eu li de ruim sobre a queda da cotação do petróleo parece fazer parte do jogo da economia - um perde, outro ganha. Risco para mim é um possível desencorajamento na busca de energias limpas, caso o petróleo fique barato por muito tempo.

Com o petróleo barato, centenas de bilhões de dólares estão trocando os bolsos de príncipes árabes e ditadores pelos consumidores comuns espalhados pelo mundo. Os prejudicados são mais visíveis do que os milhões de beneficiários.

Entendo que toda essa dinheirama espalhada por um número maior de cidadãos e empresas seja melhor do que nas mãos de poucos. Se eu estiver errado, precisamos rever o conceito de concentração de riqueza como algo negativo.


Foto: Outra tomada do castelo Champ de Bataille 

Sunday, November 29, 2015

Outono

O foco está na COP21 sediada em Paris. Para proporcionar a segurança necessária aos governantes do mundo inteiro, a cidade foi praticamente bloqueada. Em paralelo às discussões sobre o clima, os mesmos protagonistas tentarão achar uma solução para a crise síria. A recente derrubada do avião russo pela Turquia não ajuda em nada.

Hoje pela manhã, cruzei mais uma vez com aquele, que inspirou o post  “Popular e Ladrão”. Sim, o Erdogan esteve por aqui para uma nova reunião de cúpula entre a Europa e a Turquia. A Europa quer que ele pare de despejar refugiados sírios nas praias gregas, que ele pare de escoar o petróleo do Estado Islâmico e ajude a combatê-los. O último pedido do Erdogan para aceitar o pleito europeu foi de 3 bilhões de dólares, a cabeça do Assad e um pau nos curdos. Assim fica difícil.

O presidente francês ganhou algum prestígio ao liderar a nação depois da tragédia. Pelo menos, ele serve para alguma coisa! A solidariedade internacional com a França não foi suficiente para formar uma coalizão de combate ao Estado Islâmico. Hollande ouviu alguns nãos durante a semana:  Obama, Putin e Merkel, entre outros.

Bruxelas teve uma semana de exceção, como descrevi no último post. A vida voltou ao normal depois de alguns dias sob estado de sítio. Paira no ar aquela pergunta que não quer calar. Se a situação não mudou e dois dos terroristas estão soltos por aí, então há algo de errado: ou o estado de sítio não deveria ter sido decretado ou não deveria ter sido relaxado. Mistério.

A imprensa francesa não tem perdoado a leniência belga com relação aos muçulmanos radicais. Entre todas as críticas, achei a do Le Monde a mais dura. O seu editorial de 24 de novembro diz: “esse Estado sem nação pode virar uma nação sem Estado”.

Vale uma explicação. A Bélgica é tida como um Estado sem nação, por ser uma federação que agrupa flamengos, valões e alemães. Diante do radicalismo islâmico, todos erraram. O momento é de rara união, evitando-se acusações mútuas. Entretanto, ao longo dos últimos anos, o assunto foi deixado de lado para não afetar o frágil acordo que mantém a Bélgica unida.

Essa história de nação sem Estado lembrou-me do Brasil. Nosso Estado não está desaparecendo, mas apodrecendo rápido. Fiquem tranquilos, pois a cura passa pela prisão em massa de petralhas, como – felizmente - está acontecendo.



Foto: No final de semana anterior aos atentados, pude passear no Parque da Cambre, aqui em Bruxelas, curtindo a paisagem de outono.

Saturday, November 14, 2015

Terror

Estou em Paris desde quinta e ficarei até segunda. Ontem, preparava-me para dormir quando soube da barbárie. Se alguém acha que a França vacilou com a segurança, errou. Desde janeiro, o país está sob alerta. Infelizmente, contra a covardia do terrorismo, não há muito o que fazer.

Com o estado de emergência decretado e vigilância por toda a parte, estamos mais seguros. Por quanto tempo? Manter esse aparato nas ruas é insustentável. Melhor seria atacar as causas do terrorismo, doa a quem doer.

O atentado foi assumido pelo Estado Islâmico. Porém, colocar toda a culpa nesses assassinos bárbaros é uma grande manipulação, daquelas típicas do George Bush. Ontem foi a al-Qaeda, hoje é o Estado Islâmico e amanhã haverá uma outra associação qualquer para fazer o terror em nome de Alá.

No plano externo, quando se trata de Oriente Médio, há um festival de hipocrisia. Todo mundo faz jogo duplo e o interesse econômico prevalece. Ninguém quer mexer com seus aliados endinheirados e financiadores do terrorismo: Arábia Saudita, Irã, Qatar e Emirados Árabes. Sem contar a Turquia, que não tem petrodólares, mas tem a mesma cara de pau.

O vacilão do François Hollande promoveu uma intervenção tardia na Síria, jogando mais bombas na areia do que qualquer outra coisa. Ele pode até fazer um discurso bonito, mas não abre mão de vender um A380 para a Emirates.

Entre todos os governantes europeus hipócritas, melhor ficar com o Putin, que assume que é mesmo um canalha, ao colocar seu exército para defender Damasco.

O plano externo ficou extremamente complexo após a tomada de posição da Rússia. Há algumas semanas, uma publicação francesa anunciava a Terceira Guerra Mundial. Exagerado ou não, é ilustrativo.

O plano interno é ainda pior. Mesmo que a Europa esteja longe de uma desigualdade social como a brasileira, há algo de podre no ar. A estagnação econômica e a dificuldade de integração dos imigrantes e seus descendentes estão entre os problemas mais conhecidos.

Quando milhares de pessoas oriundas das periferias das capitais europeias deixam seus países para juntar-se ao Estado Islâmico, fica difícil apontar apenas para o inimigo externo. O mal está aqui dentro.

E o que diremos daqueles que nem nasceram muçulmanos e também aderiram à causa? Foram à Arábia para matar, degolar, estuprar, esquartejar e enforcar. Nada contra uma coalizão para combater os lunáticos do Estado Islâmico, mas não nos esqueçamos que a nossa sociedade também está doente.

Que todas as vítimas descansem em paz. Estamos com Paris!



Foto: Em homenagem a Paris, uma foto da sua prefeitura tirada em julho último.

Saturday, March 22, 2014

Voando

Não! Este não é mais um texto sobre o sumiço do avião da Malásia.

Não pude acompanhar o trágico evento como gostaria. Na Europa, todos os holofotes estão sobre a Rússia. Nem por isso, fui poupado de ouvir as mais absurdas teorias sobre o destino do vôo MH370. Sem comentários.

Este post só está saindo por causa de outro incidente aéreo. Sobrevoava o Atlântico a caminho do Brasil, quando o piloto percebeu algo errado. Meia volta volver! De volta para o ponto de partida. Tudo bem, não foi a minha primeira vez e nem será a última.

A tripulação sabia que era muito provavelmente um alarme falso. Mesmo assim, seguindo as normas de segurança, passamos por um  daqueles pousos de emergência cinematográficos.

Passado o susto, o castigo é voltar para um hotel de aeroporto sem as malas e esperar pela liberação da aeronave. Disse para uma família brasileira: melhor assim do que no vôo MH370!

O castigo é relativo. Depois de duas semanas em hotéis centrais de Paris e Bruxelas, hotel de aeroporto chega a ser um alívio: quartos maiores e mais modernos, isolamento acústico e térmico, etc. Nas últimas duas semanas, vivi aquelas situações típicas das cidades do Velho Mundo:

1) Quartos pequenos - Entra você ou a mala!
2) Ar condicionado só funciona no verão -  Se esquentar um pouco mais no final do inverno, azar seu!
3) Banheiros europeus são planejados para os comedidos banhos europeus. Banho de brasileiro significa inundação total!

Depois de acabar esse texto, ainda terei um tempinho para trabalhar e assistir ao noticiário local. A coisa está quente por aqui. Amanhã tem eleições municipais na França e a questão russa inspira muita discussão.

Os debates na TV tem sido ótimos. Num deles, a conversa começou na Criméia, passou pelo Kosovo, entrou na Catalunha e terminou na Escócia. Mais ou menos como este post, que começou na Malásia, passou por Paris e Bruxelas, e termina na Rússia. Falando sério, é fácil entender por que essas questões de soberania e secessão assustam muita gente por aqui.


Foto: O Rijksmuseum de Amsterdam visto por trás, onde uma grande praça integra outros espaços culturais como o Museu Van Gogh.

Monday, March 17, 2014

Criméia

Estou em viagem, daí a dificuldade de escrever novos posts. Entretanto, daqui de Paris, não dá para ignorar a Criméia. Se você não sabia nada sobre a Criméia, não se envergonhe. Muita gente também não sabia!

Na França, tem que ser muito tapado para ignorá-la. Em Paris, há várias referências à região, palco de uma das guerras do século XIX: Boulevard de Sébastopol, Pont de l’Alma, Malakoff (comuna), Estação Criméia (metrô) e ainda a Avenue de Mac-Mahon, em homenagem ao comandante da campanha francesa.

Na Guerra da Criméia, o Império Russo foi derrotado pela França e seus aliados: Reino Unido, Império Otomano e Reino da Sardenha. Os militares consideram-na como a primeira guerra moderna. Ainda não havia aviões, mas a artilharia se tornou muito mais eficaz do que as armas brancas. Foi também a primeira guerra com extensa cobertura jornalística.

A transmissão das imagens da guerra direto do front causou impacto. Lamentavelmente, sabemos que a comoção não foi suficiente para se evitar novas guerras e a grande tragédia do começo do século passado.

Nesse aspecto, a Europa mudou. Ninguém mais quer morrer pela Criméia. Isso é ótimo! Por outro lado, temo que reajamos tardiamente diante de autocratas assassinos. E se a Rússia não se contentar apenas com a Criméia?

A história da Criméia, da Ucrânia e de vários países próximos é especialmente complicada. Desde os tempos mais remotos, a região ficou à margem dos grandes impérios, virando saco de pancadas de todos eles. Até o século passado, qualquer mudança de poder, assim como essa que presenciamos agora, era acompanhada de vingança, para não dizer limpeza étnica.

Ao longo da história tão turbulenta desses países da Europa Oriental, as maiores vítimas foram as suas minorias, sempre usadas como bodes expiatórios na briga de cachorros grandes: Judeus, tártaros, ciganos, armênios, etc.

Desejo melhor sorte a elas e os russos que se danem!


Leia também: É o amor!


Foto: A réplica do “Amsterdam” no Museu Marítimo. Trata-se de um cargueiro do século XVIII da Cia. Holandesa Das Índias Orientais.

Sunday, February 16, 2014

Alçapão

Fico perplexo com algumas bobagens que circulam pela Internet. Artigos falsos ou imagens manipuladas passam por milhões e muitos desses são bem intencionados. Ainda pior, são meus amigos no Facebook!

Poucas dicas são suficientes para poupar qualquer um do constrangimento de espalhar notícias falsas. Por exemplo, se encontrar uma matéria dizendo que a Dilma quer revogar a Lei da Gravidade, não repasse de imediato. Desconfie! Se a matéria for atribuída ao Globo, vá ao site do mesmo e confira. Senão, use o Google e busque “Dilma Revogação Lei da Gravidade”.

Redistribuir informações diretamente das páginas de fontes consagradas oferece menos riscos. Evite aqueles blogs quase desconhecidos ou textos copiados e colados no Facebook. Mesmo com todos os cuidados, o risco de retransmissão de algo ruim sempre existe.

Recentemente, também fui vítima de um golpe jornalístico. Nos primeiros dias de Sochi, a NBC publicou um “scoop”. Sua matéria alertava que, chegando-se à sede dos Jogos, todo celular era instantaneamente "hackeado”. Retransmiti a matéria pelo Twitter. Eu e milhares de pessoas.

Achei a notícia interessante, pois serve de alerta para o potencial de bisbilhotagem possibilitado pela tecnologia, sobretudo quando está nas mãos de um governo muito mais bandido do que aquele que patrocina a NSA. 

Os smartphones realmente podem ser violados dessa forma. Já foi o tempo em que para ter seu celular invadido era necessário baixar um aplicativo podre ou clicar num endereço suspeito. Basta receber um torpedo camarada e PUFF, já era! Se você for escolhido como alvo dos hackers, a invasão pode vir pelo wifi, bluetooth ou pela porta dos fundos

Ficou preocupado? Ótimo, era isso mesmo que eu queria. Siga os conselhos do seu consultor de TI preferido e não transforme seu aparelho num repositório de intimidades. 

Voltando aos Jogos. Alguns jornalistas mais sérios perceberam os erros e a manipulação escancarada da NBC. Nas horas seguintes, todos desmentiam - e eu também - o alçapão digital de Sochi. 

Entretanto, não devemos nos iludir: 1) A Rússia monitora tudo o que se passa em Sochi de uma forma muito mais brutal do que a NSA. 2) Usando a velha máxima dos computadores, celular seguro é celular desligado.


Foto: Outra cena de Amsterdam.

Saturday, February 8, 2014

Sochi

Se algum brasileiro está muito preocupado com os grandes eventos esportivos de 2014 e 2016, existe um atenuante. A expectativa é tão ruim, que dificilmente faremos pior. Já para o governo, aconteça o que acontecer, será sempre um sucesso.

Seremos perdoados. Não precisamos mais nos comparar com a Rússia e sua suntuosa sede de Sochi. No ranking econômico, a Rússia e a China estão num patamar acima, são países propulsores do desenvolvimento mundial, aquilo que sobrou do antigo BRIC. O Brasil, agora, é parte do grupo "fragile five", com a África do Sul, Índia, Indonésia e Turquia. O mais triste é que o custo dos grandes eventos nos deixará ainda mais frágeis.

Apesar do bilionário investimento feito em Sochi, os hotéis inacabados viraram motivo de chacota. Mesmo que todo o resto dê certo, Sochi é um escândalo. Os russos - e os europeus em geral - enxergam a organização das Olimpíadas do frio, da mesma forma que nós vemos os eventos locais: corrupção, roubalheira, improbidade, indecência, etc.

Nas palavras da Economist: "Corruption comes in different forms: overstating costs, giving contracts to friends and relatives (some of whom have no qualifications) and reworking the same construction site several times over to justify charging more. Most of the money came directly from the state or via state banks".

Não se assustem com a familiaridade do texto, o Brasil ainda é institucionalmente mais evoluído do que a Rússia.

Para não ficar só em desgraça, confesso que estou esperando pelo campeonato de curling e que gostei muito da abertura dos Jogos. Acho que o uso de projeções digitais está apenas começando e tem grande potencial. É certamente uma ferramenta para se valorizar grandes eventos e cidades sem graça como São Paulo.


Veja também: Campeonato de corrupção em Sochi


Foto: O Begijnhof de Amsterdam, algo como uma vila de beatas. A origem dessas comunidades é medieval. Outras cidades holandesas e flamengas ainda conservam seus Begijnhof. Possivelmente, publicarei algumas dessas fotos.

Thursday, December 19, 2013

Escolhas


Alguns assuntos que foram notícias durante a semana mostram como a nossa sociedade é complexa. Na mão dos líderes daqui e dali, não existem decisões óbvias.
  • Um dos debates paulistanos é a circulação de táxis nos corredores de ônibus. A sua proibição traz benefícios evidentes para a maior fluidez dos coletivos. Por outro lado, acredito que um sistema de táxi rápido e competitivo complementa o próprio transporte coletivo. É essencial para os negócios da cidade e pode ser um fator de peso numa decisão de se abandonar o carro próprio.
  • Há três anos, fiz um post satirizando a demora na decisão de compra dos novos caças da FAB. Outra questão difícil, cada alternativa tinha seus prós e contras. A opção sueca agrada aos militares. O Lula tinha uma visão mais política dessa compra. Concordo com ele, pois uma parceria com a França ou Estados Unidos poderia ser muito mais ampla, envolvendo trocas mais importantes do que apenas os aviões.
  • O governo desconversa quando é questionado sobre o pedido de asilo do Snowden. De fato, a coisa parece não ter sido formalizada corretamente. Snowden pode ser um “mico”, mas também pode trazer um pouco mais de brilho e protagonismo ao Brasil no debate global sobre privacidade.  Não seria ruim para os EUA. Afinal, qualquer coisa é melhor do que deixá-lo sob a guarda do democrático e honesto Putin.
  • Ainda sobre o Snowden, é difícil de acreditar que o assunto não esteja na pauta diária da Casa Branca. Quando escrevi meus posts sobre o caso, não imaginava um estrago tão grande. Há uma série de repercussões negativas internas e externas, gerando desgastes e perdas econômicas. Os EUA devem negociar com Snowden? Ó dúvida cruel! Acho que sim. Tudo indica que tenha revelações ainda mais bombásticas e não esteja blefando. Bem, neste caso ainda é preciso encontrar uma saída honrosa para o pessoal de Washington.

Enfim, neste post mostrei quatro decisões difíceis. Nenhuma seria isoladamente certa ou errada. Talvez não façam sentido sozinhas, estão inseridas dentro de um contexto, associadas a outras escolhas. Ao final, julgaremos Haddad, Dilma e Obama pelo “conjunto da obra”. Como disse Camus: “A vida é a soma das nossas escolhas”.


Foto: Jardim japonês do Parque Balboa em San Diego.

Sunday, August 25, 2013

Damasco


A questão síria prolonga-se acumulando dezenas de milhares de vítimas e o mundo não consegue resolvê-la. É impressionante como não temos mecanismos para sair desse tipo de impasse e reagimos muito lentamente diante de tais tragédias anunciadas.

A Síria é um caso desafiador. É um dos palcos da disputa sanguinária entre sunitas e xiitas. O Ocidente quer afastar Assad do poder, mas sabe que o regime que o substituiria seria ainda menos simpático às suas causas. De um lado temos Assad, Irã e Hezbollah. Do outro, Al-Qaeda.

Um estudioso americano propõe que os EUA perpetuem a guerra, ajudando ora um dos lados, ora outro. Quando mais durar o conflito, melhor. Bem, se tudo fosse um jogo, estaria certo. Entretanto, falamos de vidas humanas! Será que não aprendemos nada no século passado?

Felizmente, entre Estados Unidos e Europa, a maior parte luta por uma intervenção no sentido de se deter Assad com urgência. Felizmente, eles não veem xiitas ou sunitas, mas seres humanos.

A China e a Rússia apoiam abertamente o governo Assad, impedindo qualquer intervenção da ONU.  Já o governo brasileiro, numa atitude vergonhosa, faz pouco caso das vítimas e espera por um “entendimento” entre as partes.

Na prática, Brasil, Rússia e China, ajudam a prolongar essa situação. Basta os EUA e a Europa alimentarem clandestinamente a oposição a Assad, que o cenário descrito pelo estudioso americano está configurado.

Só nos resta cumprimentar a diplomacia do Brasil, da Rússia e da China por esse trabalho tão respeitoso aos direitos humanos e tão inteligente. E os sírios? Bem, enquanto eu escrevia esse post, morreram mais alguns.


Foto: Mais uma cena de Bruges.