O fechamento das fábricas da Ford do Brasil já deu muita conversa. Infelizmente, nossas economias ainda precisam dos empregos da cadeia automobilística. Durante a minha vivência europeia, vi a mesma choradeira inúmeras vezes. Cada fábrica fechada gerava uma comoção nacional: gesticulações políticas, manifestações e caça aos culpados. E tudo isso aconteceu antes das mudanças estruturais no setor, tema deste artigo.
Até pouco tempo, a reorganização orgânica da indústria era a
maior causa dos eventuais fechamentos. Falo da migração para países mais
competitivos, do desmonte de plantas obsoletas ou da consolidação de unidades. No
Brasil, conseguimos a proeza de perder a Ford para a Argentina. Na Europa, os
países ocidentais perdem para os orientais, aqueles da antiga cortina de ferro,
com mão de obra mais barata.
Todos esses movimentos de orientação econômica são fichinha
perto do turbilhão de transformações que assolam o mundo do automóvel.
Transformações aceleradas por uma conscientização mundial em relação às
mudanças climáticas, que implicam em novos comportamentos e hábitos de compra.
Dois nomes, que dispensam apresentações, são ícones dessa
história: Uber e Tesla. O primeiro, seguido por inúmeros outros atores,
popularizou a cultura do compartilhamento. Não é difícil achar por perto alguém
que tenha decidido abrir mão do carro. A tendência foi reforçada pela pandemia.
Depois dela, nada será como antes.
A Tesla transformou aqueles protótipos de carros elétricos
em algo realmente interessante de se dirigir, um objeto de desejo no primeiro
mundo. Um trabalho recente
do MIT mostra a superioridade dos carros elétricos em relação aos tradicionais.
Eles podem ter um custo de aquisição mais alto, mas o custo total de uso é
menor, sem contar o evidente impacto ambiental.
A demanda por automóveis vai crescer muito menos do que seus
produtores gostariam e numa outra direção. As montadoras tradicionais estão
correndo atrás. Porém, tal readaptação custará muitos empregos. A perda de centenas
de milhares de postos de metalúrgicos será parcialmente compensada por mais empregos
na área de tecnologia. Afinal, como disse um amigo, o Tesla é um computador sobre
rodas.
A cereja do bolo é o carro autônomo, que acrescenta desafios
tecnológicos e regulatórios, o que não muda o quadro acima. E ainda tem uma
possibilidade extra, enquanto estivermos em casa ou no trabalho, nossos carros poderão
sair sozinhos, fazendo um bico para o Uber.
A mudança será brutal. Melhor parar de chorar os mortos de ontem
e de hoje. As fábricas existentes vão agregar cada vez menos valor na medida em
que os novos componentes de altíssima tecnologia concentrem todas as margens da
cadeia: o software, a bateria ou o motor elétrico.
Depois de alguns bilhões de dólares de pesquisa e
desenvolvimento, a Apple deve lançar seu automóvel - elétrico e autônomo - a
partir de 2024. Tudo indica que ele será produzido pela Hyundai. Essa briga de
cachorro grande vai relegar ao Brasil a um papel ainda mais secundário. Não é apenas
uma questão de tributos, subsídios, mão de obra ou câmbio.
Talvez esse bonde já tenha sido perdido. Se o país não
quiser perder o próximo, é melhor encarar o desafio da ciência e educação,
preparando as próximas gerações para buscar o caminho da produção de tecnologia
local.
Leitura complementar:
Foto: Na Bodega Bouza, periferia de Montevidéu, um Ford T no meio dos vinhedos. Foi a única forma de relacionar o texto com minhas fotos. 😉 Viagem feita no começo de 2020, antes da pandemia.
1 comment:
Isso lembra que preciso consertar o pneu furado da bicicleta.
O carro pode ficar sem bateria mais uns dias.
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