Este post é inspirado em dois casos recentes que ilustram como funciona o mundo da espionagem. A analogia do iceberg não vale para esse universo, pois a pontinha visível é ainda muito menor. De vez em quando, a gente vê uma lasquinha e fica imaginando o tamanho e a sofisticação das redes de espionagem a serviço de países - seja para inteligência ou, mais comum nos dias de hoje, para criminalidade de Estado.
Quem não está acostumado com filmes e livros de espionagem até estranha, mas essas descobertas não surpreendem. Afinal, a arte imita a vida. Ou é o contrário?
A primeira descoberta foi a utilização do Brasil como base na formação de agentes russos. Os espiões fazem um estágio por aqui, onde constroem uma nova vida, que será amplamente rastreada com relacionamentos e documentos. Tudo isso é essencial para que, numa nova fase, o espião possa atuar em outro país com uma ficha “limpa” e cheia de vínculos comprováveis com o Brasil. Essa prática envolve anos de preparação e milhões em investimento para criar uma biografia perfeita - emprego, família, redes sociais, tudo cuidadosamente forjado.
Enquanto a Rússia segue a receita da KGB, investindo no longo prazo, a Coreia do Norte é mais direta. Como foi recentemente descoberto, desenvolveram uma máquina de infiltração de profissionais de TI em empresas ocidentais. Apesar dos currículos terrivelmente falsos, a onda de trabalho remoto pós-pandemia e o eterno déficit de profissionais de TI fizeram com que as empresas ocidentais baixassem a guarda e contratassem inúmeros espiões.
A TI tem acesso privilegiado a muitos dados e, quando não os tem, sabe o caminho para encontrá-los. O caminho para os norte-coreanos acessarem dados sensíveis não é muito longo. Daí em diante, é a mesma estratégia dos cibercriminosos: comercializar os dados, extorquir o proprietário das informações — ou ambos.
Quando se fala em espionagem, muitos ainda imaginam agentes com disfarces elaborados, gadgets mirabolantes e missões de tirar o fôlego. Mas a realidade, como sempre, mostra que o mundo das sombras é muito pragmático e, em certos aspectos, até mais inquietante do que qualquer roteiro cinematográfico.
Rússia e Coreia do Norte exploram vulnerabilidades gritantes. No Brasil, a facilidade de acesso a documentos legítimos é a brecha perfeita para quem precisa desaparecer de um país e surgir oficialmente em outro. No setor de tecnologia, a combinação de escassez de talentos e processos de recrutamento pouco rigorosos abre as portas para qualquer um que apresente um perfil convincente — mesmo que fabricado.
Enfim, são lembretes de que os espiões não estão apenas na tela de cinema ou atrás de celebridades e estadistas, mas podem ser seu colega de trabalho, seu vizinho, etc. Como escrevi recentemente no caso do INSS, onde houver uma fragilidade, haverá alguém para explorá-la. Portanto, é dever de todo cidadão e profissional encontrar e denunciar as pontas soltas do sistema.