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Thursday, May 22, 2025

Espiões entre nós


 

Este post é inspirado em dois casos recentes que ilustram como funciona o mundo da espionagem. A analogia do iceberg não vale para esse universo, pois a pontinha visível é ainda muito menor. De vez em quando, a gente vê uma lasquinha e fica imaginando o tamanho e a sofisticação das redes de espionagem a serviço de países - seja para inteligência ou, mais comum nos dias de hoje, para criminalidade de Estado.

Quem não está acostumado com filmes e livros de espionagem até estranha, mas essas descobertas não surpreendem. Afinal, a arte imita a vida. Ou é o contrário?

A primeira descoberta foi a utilização do Brasil como base na formação de agentes russos. Os espiões fazem um estágio por aqui, onde constroem uma nova vida, que será amplamente rastreada com relacionamentos e documentos. Tudo isso é essencial para que, numa nova fase, o espião possa atuar em outro país com uma ficha “limpa” e cheia de vínculos comprováveis com o Brasil. Essa prática envolve anos de preparação e milhões em investimento para criar uma biografia perfeita - emprego, família, redes sociais, tudo cuidadosamente forjado.

Enquanto a Rússia segue a receita da KGB, investindo no longo prazo, a Coreia do Norte é mais direta. Como foi recentemente descoberto, desenvolveram uma máquina de infiltração de profissionais de TI em empresas ocidentais. Apesar dos currículos terrivelmente falsos, a onda de trabalho remoto pós-pandemia e o eterno déficit de profissionais de TI fizeram com que as empresas ocidentais baixassem a guarda e contratassem inúmeros espiões.

A TI tem acesso privilegiado a muitos dados e, quando não os tem, sabe o caminho para encontrá-los. O caminho para os norte-coreanos acessarem dados sensíveis não é muito longo. Daí em diante, é a mesma estratégia dos cibercriminosos: comercializar os dados, extorquir o proprietário das informações — ou ambos.

Quando se fala em espionagem, muitos ainda imaginam agentes com disfarces elaborados, gadgets mirabolantes e missões de tirar o fôlego. Mas a realidade, como sempre, mostra que o mundo das sombras é muito pragmático e, em certos aspectos, até mais inquietante do que qualquer roteiro cinematográfico.

Rússia e Coreia do Norte exploram vulnerabilidades gritantes. No Brasil, a facilidade de acesso a documentos legítimos é a brecha perfeita para quem precisa desaparecer de um país e surgir oficialmente em outro. No setor de tecnologia, a combinação de escassez de talentos e processos de recrutamento pouco rigorosos abre as portas para qualquer um que apresente um perfil convincente — mesmo que fabricado.

Enfim, são lembretes de que os espiões não estão apenas na tela de cinema ou atrás de celebridades e estadistas, mas podem ser seu colega de trabalho, seu vizinho, etc. Como escrevi recentemente no caso do INSS, onde houver uma fragilidade, haverá alguém para explorá-la. Portanto, é dever de todo cidadão e profissional encontrar e denunciar as pontas soltas do sistema.



Foto: Navegando pelas águas do Elba de Praga a Berlim (abril de 2024).

Sunday, August 30, 2020

O elo mais fraco

 


Neste período de pandemia, os ataques cibernéticos explodiram e atingiram inúmeros alvos em todo planeta. A maior parte deles é feita de forma automatizada, espalhando-se um número gigantesco de iscas - emails, links e torpedos - a espera de uma vítima infeliz, que acaba infectando a sua organização.

É verdade que muitos ataques são direcionados. Nesses casos, o pelotão de elite dos hackers de algum grupo criminoso usa as suas habilidades para encontrar o melhor caminho para seu objetivo. Não é difícil! Os grupos mais organizados, aqueles ligados a países como Rússia, China e Coréia do Norte, possuem um arsenal de vulnerabilidades dos softwares utilizados por nós, prontos para serem acionados. Enfim, você tranca a porta da frente, mas os caras têm a chave da porta dos fundos.

Existem situações, onde o crime cibernético empenha um esforço ainda maior. Empresas com alguma propriedade intelectual relevante, que seja do interesse da ‘concorrência’, são exemplos desses alvos. Para se garantir a eficácia da incursão, a abordagem vai além do ciberespaço.

A literatura policial especializada está repleta de histórias parecidas. As armas cibernéticas são deixadas de lado em troca da boa e velha ‘engenharia social’, abordando-se funcionários e ex-funcionários de empresas detentoras de segredos industriais relevantes. Em outros casos, a mesma abordagem é feita para se alcançar um acesso privilegiado à rede da empresa. Basta convencer um único funcionário a colocar um pen drive no computador correto, que o restante do crime pode ser cometido remotamente do outro lado do planeta.

Na última semana, a tão admirada Tesla confirmou que foi vítima de uma tentativa ataque deste último formato. Um funcionário da Gigafactory foi abordado por um turista russo, que ofereceu um milhão de dólares para que infectasse a rede da empresa. Sim, um milhão de dólares!

O funcionário exemplar não cedeu à tentação. Com a entrada do FBI no episódio, o russo acabou preso. A lição deste evento tão recente é mostrar que as preocupações com a cibersegurança devem ir muito além da cibersegurança. Quando os hackers querem sacanear a sua empresa, não há limites.

Felizmente, tomamos conhecimento do fato. É fundamental que todos saibam que esse tipo de coisa acontece, e muito! Vários eventos semelhantes são tratados em sigilo privando o mundo da real dimensão do problema.

Fica o alerta para os executivos de organizações que tenham qualquer atrativo, seja tecnológico ou nos seus valiosos dados. Será que todos os funcionários passariam num teste de lealdade similar? Qual é o elo mais fraco de cada organização?


Leitura complementar:  Porta dos Fundos (2013) Cibersegurança (2020)


Foto: Ainda sobre aquelas inesquecíveis férias de 2016, logo depois da mudança para o Brasil. As águas tranquilas do Lago Bled (Eslovênia) convidavam-nos para o merecido descanso.

 


Wednesday, July 22, 2020

Cibersegurança


Os problemas de cibersegurança têm incomodado muita gente durante a pandemia. Este é um assunto tão complexo que nem as empresas mais bem preparadas conseguem se proteger, imaginem as pessoas comuns. Respeitando a diversidade de público deste blog, não vou mais longe nos aspectos técnicos. 

Existe uma velha anedota da TI: computador seguro é computador desligado. Como eu e você precisamos, mais do que nunca, dos recursos tecnológicos nesses tempos bicudos, deixo cinco orientações mínimas para serem seguidas a fim de alcançarmos um pouco mais de proteção.

Por que apenas cinco? Poderiam ser 10 ou 20 regras, mas quero enfatizar o essencial, aquele “minimum minimorum”. Se você conseguir fazer mais, melhor ainda.  As dicas valem para computadores e celulares.

  1. Manter os softwares atualizados – É uma regra de ouro porque muitas das atualizações são justamente as correções das vulnerabilidades dos softwares, que são usadas pelos hackers. Quando houver a opção de atualização automática, melhor ativá-la.
  2. Usar senhas fortes – A gente tem milhares de senhas, mas as coisas importantes devem estar protegidas com senhas seguras. Por exemplo, a senha O20TOs5c8ZT@iYh$5LVv é uma boa senha e foi gerada por um programa de administração de senhas, uma boa dica por sinal. Muitas vezes, há ainda a opção por uma segunda autenticação, algo extremamente recomendável.
  3. Fazer cópia das informações de valor – Minha sugestão é usar um disco externo e os serviços de armazenamento de dados (Dropbox, Google Drive, Microsoft OneDrive, etc). Atenção, eu disse um e outro! Considere que tudo que está no seu celular ou computador pode ser perdido repentinamente.
  4. Prestar muita atenção nas armadilhas - Os ataques começam a partir de uma isca: uma visita a um site pouco conhecido, um email não solicitado, links encaminhados pelas redes sociais, etc. Até mesmo torpedos e ligações podem ser usados para fisgar um usuário incauto. Desconfie de tudo! 
  5. Travar os dispositivos - Celulares e computadores devem ter sempre uma senha. Isso não evita a perda do equipamento num furto, mas protege o mais importante.

Saibam que a maior parte dos ciberataques é feita por organizações bem aparelhadas, sejam braços de algum Estado ou gangues especializadas. Virou um grande negócio. Dessa forma, não é impossível nem vergonhoso ser vítima de um ataque virtual. Pode acontecer com qualquer um: pessoas, empresas e até com países inteiros.

Poderia dar um monte de dicas, mas prefiro começar com essas. Posteriormente, colocarei outras regras e até mesmo as boas práticas. Em caso de dúvida, não hesite em perguntar neste blog ou nesta rede social.



Foto: Ainda em Viena, o Palácio de Hofburg, centro do poder dos Habsburgos por mais de seis 
séculos. Berço de princesas conhecidas como Maria Antonieta (França) e Leopoldina (Brasil).

Thursday, April 7, 2016

Panamá

A televisão francesa, num excelente documentário, mostrou como funciona o mundo das offshore. Escolheu um imponente apartamento do centro de Paris trocado de mãos recentemente. É um daqueles imóveis que vale mais de 100 milhões de reais. Quem seria o felizardo proprietário?

O imóvel foi registrado por uma empresa francesa, que pertence a uma empresa de Luxemburgo, que pertence a outra empresa de Luxemburgo, que pertence a uma terceira empresa de Luxemburgo, que finalmente pertence a uma empresa panamenha. Esta última, registrada por um testa-de-ferro. Por vias normais, é impossível saber o nome do seu ilustre proprietário.

Se não fosse uma denúncia anônima, jamais chegariam ao misterioso proprietário. A escolha do imóvel não foi aleatória. A TV francesa havia recebido o dossiê completo do caso, da mesma forma como vazaram os “Lux Leaks” ou os “Panama Papers”. 

A operação fora montada pelo Banco Rothschild para um executivo árabe, acusado de desfalcar o fundo soberano do seu país em meio bilhão de euros. No Brasil, seria um petralha do segundo escalão, mas de muito bom gosto. 

Na França, as informações do “Panama Papers” fazem um verdadeiro “strike”.  Estão lá os casos mais recentes de corrupção do país, o escritório de advocacia do Sarkozy e a Société Genérale. Material suficiente para ligar todos os pontos que faltavam no atlas da corrupção local.

Não posso dizer a mesma coisa do Brasil. Considerando a corrupção generalizada que assola a nação, ainda precisamos de muitas outras denúncias. Quero crer que a Receita Federal esteja trabalhando com toda essa informação, mesmo que seja na surdina. 

Pelo menos na Europa, há um claro sentimento de indignação com relação à fuga de capitais, lavagem de dinheiro e outras maquiagens financeiras. A atuação de hackers, funcionários ativistas ou puros aproveitadores vai infernizar a vida de quem trabalha às margens do sistema financeiro. A vida de corrupto está ficando cada vez mais difícil. 


Foto: Château de Bizy, na Normandia.

Monday, March 28, 2016

Dessa vez, foi perto

Depois de alguns bons dias sem escrever, estou de volta, diante do computador e de um monte de jornais acumulados na útima semana. Não poderia deixar de escrever sobre os eventos trágicos ocorridos aqui mesmo em Bruxelas. 

Assustou. A estação de metrô de Maelbeek fica a 2km de casa. O aeroporto é, sem dúvidas, um ponto de passagem obrigatório na nossa vida profissional.

Os amigos brasileiros, concentrados na nossa crise interna, provavelmente não perceberam os momentos que antecederam os atentados. Vou relembrá-los.

Na sexta-feira, 18 de março, enquanto o governo brasileiro pagava para que manifestantes fossem às ruas em seu apoio, a Bélgica anunciava a prisão de Salah Abdeslam, o cabeça dos atentados de Paris.

Anúncio com pompa e circunstância, presença de vários líderes europeus e recadinho de Obama. Show! Como disse o jornal belga Le Soir, a Bélgica salvava a sua honra.

A captura de Abdeslam foi o resultado de uma série de investidas da polícia a partir de novembro, resultando na prisão ou morte de vários dos seus cúmplices. Muitos cúmplices. A cada semana, o Le Soir atualiza o “organograma” da gangue de terroristas islâmicos do eixo Paris-Bruxelas. Não para de aumentar.

Reconheço todo o esforço e determinação da polícia belga e dos serviços de inteligência europeus. Porém, encontrar o inimigo público número um dentro de Bruxelas, tão próximo de sua própria moradia, mostra que tem algo de podre no Reino da Bélgica.

É por isso que a alegria tenha durado tão pouco, apenas 4 dias. Como os poucos sobreviventes da gangue cometeram atentados suicidas, acredita-se que não haja risco iminente de outros trágicos eventos. Talvez não nos próximos dias.

Os colegas e amigos belgas e franceses entendem que a vida não será mais a mesma. Os procedimentos de segurança chegaram para ficar. Acabou aquela praticidade de se chegar no trem a 5 minutos do embarque ou passar de um país para o outro sem qualquer controle.

As pessoas querem um Estado mais atento e vigilante. A discussão importante é sobre os limites dessa vigilância, tema que já inspirou vários posts deste blog.

Depois do choque e da dor, a Bélgica voltou para onde estava antes do dia 18. Caçando as suas bruxas, encontrando os culpados pelo policiamento frouxo e pelos erros de inteligência.

Se o terrorismo tem seus fundamentos na pobreza ou na desigualdade social, existe um fator manipulatório que transforma esse contingente de marginais em brutais criminosos. Os governos europeus têm que trabalhar em ambos os aspectos para erradicar esse mal.



Foto: Abadia de Mortemer, na Normandia. Cinco séculos separam as duas partes do conjunto.

Friday, December 18, 2015

Terror de política - Epílogo

Meu último post foi premonitório. A suspensão do Whatsapp por algumas horas no Brasil é piada pronta. Muitos já escreveram sobre o absurdo que foi punir 100 milhões de usuários.

Fiquei impressionado com os meios encontrados para contornar o bloqueio imposto pela Justiça. Embora milhões de pessoas tenham baixado outros aplicativos, outros milhões contornaram o bloqueio no sentido literal, por exemplo, usando VPN.

A Justiça deu um tiro no pé ao empurrar milhões de brasileiros para aplicativos como o Telegram, dotado de recursos muito mais sofisticados do que o Whatsapp. Certamente, não leram meu blog!

Talvez seja difícil contar com a colaboração do Facebook para atender às inúmeras demandas da Justiça brasileira. Porém, se precisarmos da ajuda da organização que mantém o Telegram, será simplesmente impossível obtê-la. Não colaborar com governos é um dos seus princípios e, mesmo se quisessem, as opções de segurança tornam impossível a decodificação das mensagens trocadas pelo Telegram.

A nossa sábia Justiça empurrou o PCC para o Telegram. Gênios! Deveriam saber que, ruim com o Whatsapp, pior sem ele.



No meu caminho do trabalho para casa, passo pelo centro de recepção de refugiados de Bruxelas. Não é nem um galpão nem um acampamento, é um prédio da Cruz Vermelha, bem integrado ao centro de Bruxelas. Nos últimos meses, o burburinho por ali ficou bem maior.

Recentemente, notei uma novidade na entrada do prédio. A companhia de telefonia móvel local instalou dois carregadores de celulares públicos. São duas peças cheias de escaninhos, cada um com alguns cabos para carregar os diferentes tipos de celulares.

A sede da Cruz Vermelha foi concebida para proporcionar leitos, alimentos, sanitários e atendimento médico. Para os padrões atuais, faltam muitas tomadas. Muitas mesmo. Os refugiados muitas vezes vêm apenas com a roupa do corpo e o inseparável celular.

Num documentário da TV francesa, o jornalista pediu para um refugiado sírio abrir a sua pequena mochila. Quase vazia. Havia uma escova de dentes e um celular. Esses refugiados são como os brasileiros, pobres mas limpinhos.

Acompanhando-se os refugiados através das imagens do longo do caminho da Mesopotâmia até a Europa Ocidental, percebe-se a onipresença dos celulares. Chip turco, chip grego, chip croata, chip bósnio, etc. Vão-se os chips, ficam os celulares.

Tudo isso só vem reforçar os comentários do último post, da importância do celular como instrumento de cidadania.



 Foto: Fechando a série de fotos de Mons, Bélgica.

Saturday, December 12, 2015

Terror de política - Parte 2

Entre as inúmeras reações aos atentados de 2015, houve uma crítica aos recursos tecnológicos, que propiciam a comunicação entre trerroristas. De fato, a tecnologia ajuda a humanidade como um todo, para o bem e para o mal. Felizmente, existe muito mais gente fazendo o bem.

Há muitos anos, assisti a uma palestra do Prof.Stephen Kanitz falando sobre a importância do telefone celular. Se no mundo desenvolvido, a telefonia móvel trouxe benefícios relevantes, nos países como o Brasil, ela trouxe algo a mais, resgatando a cidadania daqueles que ficavam isolados, sem a possibilidade de uma justa integração à sociedade ou ao mercado de trabalho.

O ganho da tecnologia foi muito além da rapidez, da eficiência, da praticidade ou da possibilidade de  entretenimento. As pessoas ganharam uma voz, fontes de informação alternativas, poder de organização e manifestação. As democracias fortaleceram-se.

A crise político-institucional brasileira é exemplo disso tudo. Se não fosse a contribuição das redes sociais e dos aplicativos de comunicação, a abominável Dilma estaria bem mais tranquila.

Graças a ampla divulgação dos fatos, percebemos o quão perverso um governo pode ser. Foi uma dura lição aos brasileiros, argentinos e venezuelanos, entre outros, que escolheram execráveis governos populistas e corruptos, sem quaisquer limites para preservar o poder.

A História nos ensina que isso tudo não é privilégio das nossas repúblicas bananeiras. Temos que permanecer vigilantes. É a briga do Snowden, embora muitos não concordem integralmente com ele. Eu mesmo fiz algumas ressalvas à época.

A tecnologia também está aí para nos proteger do maior dos vilões. Já fizemos muitas concessões e é preciso deixar uma espaço para a privacidade, para continuar trocando mensagens que não sejam lidas ou falar sem ser escutado pelo governo ou por qualquer outro.

Aos amigos do Brasil, mais uma vez, boas manifestações, fora Dilma e cana nos petralhas!

Leia também:
Snowden


Foto: Mais uma foto tirada em Mons, no início do ano.

Thursday, December 10, 2015

Terror de política - Parte 1

2015 entra para a história. Paris viveu os atentados de janeiro e novembro. Dois outros foram evitados, o do Thalys (trem) e o da Igreja de Villejuif. Este blog já especulou sobre as causas sociais e econômicas do terror, mas nunca falou da tecnologia a ele associada.

Sempre encontramos aqueles políticos oportunistas, que se aproveitam do momento para tentar acabar de vez com o que nos resta de liberdade e privacidade. Para tratar de assunto tão importante, farei um texto em duas partes. Começamos recapitulando alguns fatos.

Os terroristas são sofisticados. Os vídeos do Estado Islâmico no Youtube orientam o uso de criptografia em qualquer comunicação. Criptografia de 4096 bits. Para os leitores leigos, saibam que é muuuuuuito seguro.

Nem todo terrorista nasceu para informática. Alguns poderiam trabalhar perfeitamente numa equipe de suporte técnico. Outros estão mais para a equipe da Dilma. Entre erros e acertos, não dá para não falar de tecnologia.

Nos atentados ao mercado Kasher, o terrorista filmou seus assassinatos com uma câmera GoPro. Ele não conseguiu colocá-lo no Youtube por problema de sinal (até tu Paris!). Mesmo com a Polícia às portas, ele sacou o cartão de memória da câmera e carregou num computador. Haja sangue frio.

Um dos meios de comunicação usados nesse ataque contrariou as regras do terrorismo internacional, embora seja criativo. A técnica consiste em compartilhar contas de Gmail. Ao invés de enviar a mensagem, eles deixam-na como rascunho. Como a pasta de rascunhos é sincronizada, eles comunicam-se sem trocar mensagens, que são mais facilmente rastreáveis.

No fracassado atentado à Igreja de Saint-Cyr-Sainte-Julitte de Villejuif, um dos terroristas usava a ferramenta de criptografia “PGP” direitinho. Cometeu um único erro - e fatal - ao apagar uma mensagem sem passar pela criptografia. O cesto de lixo é o pote de ouro dos peritos. A partir desta falha, a Polícia francesa fez a festa e desbaratou todo o bando.

Nos atentados de novembro, o uso de aplicativos como Telegram e Signal pegou a Polícia de calças curtas. São ferramentas de chat com criptografia. Uma outra parte da quadrilha teria usado a função de comunicação do Playstation, algo igualmente difícil de ser rastreado. Se cometeram algum erro, foi ter se livrado de um celular. Aquele celular encontrado no cesto de lixo foi a chave para a rápida resposta da inteligência francesa.

Diante de tudo isso, a reação de alguns políticos desesperados para encontrar bodes expiatórios é esquecer dos  verdadeiros problemas e eleger um culpado: A tecnologia!

Sim, para eles, os culpados são a Internet, os aplicativos de mensagens, a telefonia celular e até o Playstation. Um político pediu o fim dos aplicativos com criptografia. Um outro quer “porta dos fundos” em todos os aplicativos.

Em tempos de desespero, pode ser uma tentação trocar liberdade por segurança. Entretanto, é certamente uma armadilha. Isso fica para o próximo post.


Leia também:
Atentados de janeiro: #jesuischarlie
Atentados de novembro: Terror
Porta dos fundos


Foto: Cenas de Mons (Bélgica), cidade escolhida como capital europeia da cultura em 2015.

Saturday, January 24, 2015

#JeSuisMusulman


Os atentados e as manifestações ficaram para trás, mas o debate continua por aqui. Não é para menos, a questão é muito complexa. Pouco fala-se da grande maioria fiel às causas republicanas,  o “x da questão” é a minoria discordante.

Uma minoria sem dúvidas. Porém, uma minoria de muitos milhares de jovens da periferia.  São aqueles que não respeitaram o minuto de silêncio em homenagem às vítimas, que aderiram às teorias conspiratórias ou que apoiaram explicitamente os terroristas.

É desse meio que saem inúmeros djihadistas. É desse meio que saem futuros terroristas. As periferias das grandes cidades são incubadoras do radicalismo. A França pergunta-se onde errou. Depois de gerações de imigrantes que lutaram pela integração, deparam-se com um sério revés, confrontando-se com a afirmação religiosa e a negação da democracia.

Como disse no primeiro post sobre o tema, misturam-se fatores econômicos, sociais, culturais, entre outros. Os holofotes estão na Educação. Com certeza, há alguma coisa errada nas escolas. Bem, eu não queria estar na pele dos professores, que dão aulas em salas onde  metade dos alunos chama-se Mohamed.

Circulando pelas ruas de Paris e Bruxelas, ainda percebemos o estado de alerta. Soldados e policiais estão em todos os lugares, sem contar o pessoal da inteligência. Para acompanhar um potencial terrorista, a França mobiliza um overhead de 20 a 25 agentes. A ameaça terrorista em si é capaz de sangrar ainda mais a já combalida economia.

Se existe um lado menos triste nesta história, é a visibilidade que ganhou o quase falido Charlie. Graças aos terroristas, suas caricaturas espalharam-se pelo mundo. Nunca a blasfêmia fez tanto eco. Maomé tem mesmo que chorar.



Foto: Um outro cantinho simpático de Bruxelas, perto de casa, o Egmont Park, que abriga a "brasserie" mostrada na foto.

Monday, January 12, 2015

#JeSuisJuif


Apesar de todas as vítimas dos atentados ocorridos em Paris, no meu último post, falei mais do Charlie Hebdo para ajudar o leitor deste blog a entender melhor o ocorrido. Diante de tamanha demonstração de solidariedade, ainda fico surpreso com aqueles que não compreenderam o espírito do jornal. E são muitos.

Na sua linha libertária, ele ataca qualquer tipo de autoritarismo e extremismo, com o intuito de defender as liberdades individuais. Por exemplo, é um grande combatente de qualquer forma de racismo e tem como alvo preferencial a extrema direita francesa.

É um jornal de esquerda. Aquela  esquerda de 68, inocente e irresponsável, como tanto se repetiu nos últimos dias. E a religião como fica?

Quem luta pelas liberdades individuais e pelo Estado laico luta pelo direito de qualquer um exercer a sua religião. O Charlie, no fundo, é um grande aliado das minorias religiosas. Simples assim. A questão é que ele segue a tradição francesa de ser anti-clerical. Defende os praticantes, mas não o aparelho religioso em si. Viva os católicos, abaixo o Vaticano! Viva os muçulmanos, abaixo os aiatolás!

Se existe algo de sagrado neste mundo é a vida humana. Quanto mais pessoas acreditarem nisso, menor será a nossa disposição para fazer guerras ou atentados. Na medida em que alguns colocam símbolos ou mitos acima de uma vida humana, a disposição para a barbárie aumenta. O princípio do Charlie é que todas as pessoas merecem respeito e não suas crenças. É por isso que sentem-se tão à vontade para atacar símbolos e mitos.

O Charlie não nasceu ontem. A crítica dura aos extremismos e, em particular, às arbitrariedades do Clero, faz parte da laicidade francesa há algumas décadas, agradando gregos e troianos. Ou melhor, cristãos, judeus, e muçulmanos. Afinal, o que aconteceu?

Honestamente, desconheço todos os fatores que criaram as correntes islâmicas radicais nas periferias das cidades europeias. Arriscaria a dizer que, se todos tivessem empregos, certamente teriam menos tempo para ouvir pregações extremistas. O fator econômico tem um peso com certeza, mas está associado a muitos outros.

O outro fenômeno recente é que esse extremismo islâmico incorporou o antissemitismo. Também desconheço as suas reais razões. Solidariedade à causa palestina é conversa pra boi dormir. Acredito mais na linha de que Israel seja uma pedra no sapato de muita gente. Gente que financia o terror, gente que odeia o Ocidente, gente que detesta a democracia. Precisa falar mais?

Os jornalistas se foram. A vida continua. O Charlie Hebdo está de volta mais forte.

Os judeus se foram. A vida continua. A terceira maior população judaica do planeta está de volta, senão mais forte, com a proteção de quase 5 mil policiais.

Muito triste.

Hoje, tive uma boa conversa com um executivo muçulmano. Comentei que conhecia alguns judeus franceses considerando a saída do país. Ele deu o recado: “Diga a eles que sair é dar a vitória aos terroristas. Eles devem ficar para ajudar a França”. Recado dado ;-)

Para fechar, gostei muito da fala do primeiro ministro, Manuel Valls, mostrando respeito e o verdadeiro espírito republicano:  “A França sem os judeus da França não é mais a França”.



Foto:  Um dos poucos bairros verticais de Bruxelas, na proximidade da estação de trem (Norte).

Saturday, January 10, 2015

#JeSuisCharlie



Estou na França há alguns dias e pude acompanhar de perto os trágicos eventos: os atentados, as perseguições, as manifestações, os debates, os discursos, etc. Só me resta escrever um post sobre o assunto e passar na banca para comprar a edição especial do Charlie Hebdo na próxima quarta-feira, se é que vai sobrar algum exemplar.

O Charlie foi mencionado uma vez neste blog. Para quem não se lembra, foi “um post para maiores”

O cartunista do Le Monde, Plantu, frequenta mais este blog. A razão é simples, eu assinava o Le Monde e comprava o Charlie Hebdo muito raramente. O Charlie tem seus méritos, mas existem outros tablóides satíricos por aqui.

A França construiu uma sólida tradição laica ao longo do último século. A imprensa, representada especialmente pelos jornais satíricos, tem sido grande vigilante deste valor francês. É por isso mesmo que os jornais como Charlie eram muito críticos a qualquer forma de fanatismo religioso, disparando farpas contra o Vaticano e o Islã com muita frequência.

A essa altura, vocês já devem estar familiarizados com o tipo de crítica feita pelo Charlie, pois seus desenhos rodaram o mundo. Ou melhor, quase todo o mundo, pois mexer com religião ainda é tabu. Nos Estados Unidos, a maioria dos jornais não reproduziu os cartuns do Charlie, apesar de ter manifestado solidariedade desde a primeira hora. 

Se os petistas reclamam da “mídia reacionária”, não imaginam o que seria deixar a equipe do Charlie passar uma temporada no Brasil. O Charlie e seus congêneres pegam muitíssimo mais pesado. Fez bobagem? Falou besteira? Lá vem um cartun para desmontar qualquer um. Aliás, o próprio Charlie Hebdo foi criado após a extinção de uma outra publicação, que não respeitou nem o funeral do “intocável” De Gaulle.

O Charlie já havia sofrido um atentado e vivia sob ameaça permanente, mas não deixou de ridicularizar o fanatismo islâmico. Corajoso. Bravo. Heroico. Quantos já não se curvaram?

Se os cartunistas franceses são os guardiões dos valores republicanos mais profundos, os políticos decepcionam. E como! Para garantir os votos da comunidade muçulmana, eles fazem concessões, facilitando o comunitarismo. A laicidade tão cara ao francês corre risco. Fala-se muito da islamofobia. Fala-se pouco da islamofilia.

A questão do terrorismo islâmico interno é complexa. Atentados como esses alimentam o preconceito contra a comunidade árabe. Se já é difícil para um cristão branco conseguir algum emprego, o jovem filho de imigrantes da periferia fica ainda mais sem perspectiva. Abraçar a religião com fervor pode ser visto como salvação. Um círculo vicioso.

É notório que a rejeição ao “amálgama” foi unânime. Essa é a expressão que os franceses usam para a possível generalização associando terroristas e muçulmanos.  Nem a Marine Le Pen entrou nessa.

Qualquer um sabe que a enorme maioria da comunidade islâmica é composta de pessoas do bem, como qualquer um de nós. Ela também é uma grande vítima das suas ovelhas negras. Discutir se ela de alguma maneira faz parte da luta contra o radicalismo é um assunto polêmico.

Para fechar este post, retomo o desfecho dos eventos, com a morte dos terroristas. Se não fosse assim, estaria zombando do governo francês. Assim como no Brasil, onde as prisões são academias do crime, na França, elas são a universidade do terrorismo islâmico. Deixar esses animais na cadeia seria de extrema irresponsabilidade. Só não perguntem por que eles não se mataram depois dos atentados. Bem, já não se faz mais terroristas islâmicos como antigamente.



Foto: Continuando a série de fotos descompromissadas de Bruxelas editadas pelo Google, uma tomada do parque “Trois Fontaines” (precisamente em Vilvoorde), com destaque para seu restaurante, que serve de alternativa à cantina do trabalho.

Sunday, February 16, 2014

Alçapão

Fico perplexo com algumas bobagens que circulam pela Internet. Artigos falsos ou imagens manipuladas passam por milhões e muitos desses são bem intencionados. Ainda pior, são meus amigos no Facebook!

Poucas dicas são suficientes para poupar qualquer um do constrangimento de espalhar notícias falsas. Por exemplo, se encontrar uma matéria dizendo que a Dilma quer revogar a Lei da Gravidade, não repasse de imediato. Desconfie! Se a matéria for atribuída ao Globo, vá ao site do mesmo e confira. Senão, use o Google e busque “Dilma Revogação Lei da Gravidade”.

Redistribuir informações diretamente das páginas de fontes consagradas oferece menos riscos. Evite aqueles blogs quase desconhecidos ou textos copiados e colados no Facebook. Mesmo com todos os cuidados, o risco de retransmissão de algo ruim sempre existe.

Recentemente, também fui vítima de um golpe jornalístico. Nos primeiros dias de Sochi, a NBC publicou um “scoop”. Sua matéria alertava que, chegando-se à sede dos Jogos, todo celular era instantaneamente "hackeado”. Retransmiti a matéria pelo Twitter. Eu e milhares de pessoas.

Achei a notícia interessante, pois serve de alerta para o potencial de bisbilhotagem possibilitado pela tecnologia, sobretudo quando está nas mãos de um governo muito mais bandido do que aquele que patrocina a NSA. 

Os smartphones realmente podem ser violados dessa forma. Já foi o tempo em que para ter seu celular invadido era necessário baixar um aplicativo podre ou clicar num endereço suspeito. Basta receber um torpedo camarada e PUFF, já era! Se você for escolhido como alvo dos hackers, a invasão pode vir pelo wifi, bluetooth ou pela porta dos fundos

Ficou preocupado? Ótimo, era isso mesmo que eu queria. Siga os conselhos do seu consultor de TI preferido e não transforme seu aparelho num repositório de intimidades. 

Voltando aos Jogos. Alguns jornalistas mais sérios perceberam os erros e a manipulação escancarada da NBC. Nas horas seguintes, todos desmentiam - e eu também - o alçapão digital de Sochi. 

Entretanto, não devemos nos iludir: 1) A Rússia monitora tudo o que se passa em Sochi de uma forma muito mais brutal do que a NSA. 2) Usando a velha máxima dos computadores, celular seguro é celular desligado.


Foto: Outra cena de Amsterdam.

Thursday, January 9, 2014

A hora da caça

A explosão de violência no Maranhão é só uma face da migração da criminalidade do eixo Rio-São Paulo para o resto do país, especialmente para o Nordeste. Os índices relativos de homicídios das capitais nordestinas são dignos da Venezuela.

O quadro faz lembrar um capítulo da história da aventura humana, como conta Jared Diamond em "Armas, Germes e Aço".

Os homens primitivos espalharam-se pela Ásia e Europa a partir da África. Com as habilidades que os diferenciavam dos outros animais, tornaram-se exímios caçadores. Neste processo, as caças também evoluíam. Sobreviviam aquelas que tinham o reflexo da fuga, que não caíam nas armadilhas mais básicas e assim por diante. Ao longo de milênios, tal interação fez do homem um grande caçador e também permitiu a seleção dos animais mais espertos.

Em algum momento da história, nossos ancestrais entraram na Oceania e na América. Lá, os hábeis caçadores encontraram animais que jamais haviam convivido com o homem. Foi uma festa, pois caçá-los era muito fácil. Foram séculos de fartura e muito churrasco até a extinção completa dos grandes mamíferos dos dois continentes. A falta desses animais foi um dos fatores que condenaram ao atraso civilizações como as pré-colombianas e os aborígenes australianos, que não tinham animais de porte para puxar o arado, para o transporte e nem mesmo para uma alimentação correta.


Voltando ao século XXI. No Rio e em São Paulo, a polícia e os bandidos também evoluíram juntos. À cada ação de um lado, uma reação do outro lado. Após décadas jogando de caçador e caça, atingimos um certo equilíbrio. E o que acontece quando a bandidagem dessas cidades chega aos outros estados, onde encontra um corpo policial subdimensionado, despreparado e desequipado? A resposta é óbvia, a hora é da caça. Assim como é óbvio tudo que os governos devem fazer para reverter este quadro.

Nossos índices de violência são muito altos. Nem mesmo todo crescimento dos últimos anos não foi capaz de melhorá-los. Compreendo a visão humanista que norteia os partidos como PT e PSDB, mas clamo por uma ação mais enérgica. Sob o risco de que, amanhã, um espertalhão chegue ao Planalto prometendo apenas "colocar a ROTA na rua".


Foto: Última foto de San Diego, ainda no Balboa Park.

Saturday, December 14, 2013

Santos e humanos


Impressionado com a unanimidade em torno de Nelson Mandela? Difícil achar algum artigo fazendo críticas a este grande personagem do nosso tempo. Gostei muito de um artigo de Adam Roberts, republicado no Estadão. Começa assim: “Devemos lembrar do maior ícone da luta contra o apartheid na África do Sul como uma figura humana calorosa e poderosa, um homem político e pragmático, mas não como um santo”.

Mandela está longe de ser um santo. Vê-lo dessa forma seria uma espécie de fuga. Seria messianismo ou, como diz o Arnaldo Jabor, o Sebastianismo luso-brasileiro. Seria acreditar que as grandes mudanças dependem exclusivamente de um salvador. Um convite a se aceitar qualquer situação, por pior que seja, por que somente o salvador poderá resolvê-la.

Nada disso. Mandela cometeu inúmeros erros. No seu governo, houve inúmeros casos de corrupção, compadrio e outras coisas tão comuns por aqui. Há também o escandaloso descaso com a AIDS e a eterna acusação de peleguismo pelos negros mais radicais. Nada disso tira o seu grande mérito. É um ser humano como todos nós, que também erra e tem seus vícios, mas fica para a história como aquele que possibilitou o fim de uma das maiores vergonhas do planeta. O homem certo, na hora certa, no lugar certo.


Obama desceu do pedestal e também mostrou seu lado mais humano. Acho que não houve malícia naquela animada conversa entre ele e os líderes do Reino Unido e da Dinamarca. Aquele momento tão à vontade provocou uma reação também muito humana da Michelle. Infelizmente - ou felizmente - as câmeras registraram tudo. Parodiando o velho ditado: O marido da primeira-dama não basta ser honesto, precisa parecer honesto.


E quem precisa parecer um pouco mais honesto é o governo brasileiro. Não falo de nenhum escândalo recente de corrupção, falo da possibilidade de se adiar a obrigatoriedade de uso de freios ABS e airbags a partir de janeiro de 2014. O Brasil já está atrasado nesse quesito e essa medida propiciará que muitas vidas sejam salvas. Conforme a resolução de 2009, a indústria já está preparada para o fim dos carros sem freios ABS e airbags. A essa altura do campeonato, trocar muitas vidas humanas por alguns décimos de inflação é imoral. O governo poderia até fazer suas contas, mas sem contar para ninguém!


Foto: Para quem gosta da temática militar, a visita ao Midway é um dos programas de San Diego. 

Tuesday, October 22, 2013

Mané

Nossas caixas de entrada recebem cada vez mais mensagens com armadilhas. Até mesmo pessoas cautelosas já caíram em algumas ciladas. O castigo vai desde a entrada de um vírus até um desfalque considerável.

Acompanho a evolução da criminalidade digital há algum tempo, mas não tenho evidências concretas da eficácia de cada tipo de golpe aplicado na praça. Na última semana, um episódio matou minha curiosidade.

Recebi uma mensagem do Serge, um colega francês aposentado. Gente boníssima! Como não falava com ele há tempos, foi uma surpresa agradável. A mensagem era bem curta e terminava sugerindo que ele passava por dificuldades. Respondi de imediato, pedindo mais detalhes.

Minutos depois, ele respondeu com uma história horrível. Foi sequestrado durante uma visita ao Marrocos, sofreu violências junto com sua esposa e perdeu tudo o que tinha com ele. Deu detalhes da violência física e sexual imposta ao casal. Finalmente, pedia algum dinheiro para se organizar e voltar para França.

Aí você pergunta: Alguém cai num conto desses?

Vamos aos fatos. A conta G-Mail do Serge foi violada. Os invasores enviaram a mesma mensagem que recebi para todos seus 300 contatos. Três pessoas acreditaram e transferiram um total de 11 mil euros para os escroques. Pois é, 3 em 300, um índice de 1%.

Os três caras são uns manés? Não necessariamente. As mensagens estavam escritas em bom francês. Havia alguns indícios, mas nem todos estão cientes dos riscos. Nessas horas, a melhor coisa a fazer é checar com amigos comuns.

 O Serge é tão correto, que está reembolsando parte das perdas dos seus amigos, enquanto aciona os meios oficiais.



Lendo um artigo recente, aprendi mais uma. Vocês já devem ter recebido aquelas mensagens de alguém com uma herança a receber num país exótico, que pede um valor adiantado para acelerar a papelada. Se ajudar um "amigo" parece improvável, imaginem um ilustre desconhecido!

Até pouco tempo, esse tipo de golpe era usado apenas para surrupiar o dinheiro alheio. No entanto, há um número crescente de casos em que os bandidos realmente depositam parte do montante prometido. Pois eles não querem roubar, eles querem um "laranja" para esquentar o dinheiro. A vítima não perde nada, mas terá o ônus de provar que não faz parte da gangue.

Pior do que perder 1000 dólares é passar o resto da vida na cadeia. Isso sim é ser MANÉ!



Foto: Mais uma tomada do centro de Gante.

Sunday, July 14, 2013

Snowden

O aprofundamento da discussão sobre a privacidade e os limites da vigilância do Estado será uma grande contribuição do Caso Snowden. A imprensa está inundada de artigos criticando os EUA, defendendo a liberdade e reverenciando o ex-agente americano.

Até no Brasil, onde nunca se deu a mínima para o assunto, Snowden virou herói e Obama passou a encarnar o próprio Satã. Vi pouquíssimas matérias fazendo um contraponto, por isso recomendo a leitura do artigo do Mario Vargas Llosa.

Não gostaria de julgar o Snowden, até por que só estamos vendo a pontinha do iceberg. Num mundo cheio de segredos, nunca saberemos as suas reais motivações. Ele pode ser um herói de verdade ou o pior dos canalhas. Tanto faz.

O maior problema é a demonização dos EUA. Na prática, estamos fazendo o jogo que interessa aos países que realmente censuram, que mantêm exércitos de hackers ou que promovem o mal de forma deliberada. Com o argumento de "se os EUA fazem, nós também podemos", acabaram-se as esperanças de algum controle sobre o Big Brother. O legado de Snowden pode ser um mundo muito pior.

Um lembrete aos leitores brasileiros indignados com a bisbilhotice americana. Enquanto você está preocupado com o Snowden, tem alguém muito mais próximo fuçando as suas fotos, tentando entrar na sua conta bancária ou prestes a chantagear um membro da sua família.

A maior prova da ineficácia da super espionagem norte-americana é não ter antecipado o próprio Snowden. Portanto, cuidado. Para fins práticos, o grande problema do mundo virtual não é o Big Brother, mas os milhares de maltrapilhos que nos cercam.


Foto: A "Grande-Place" de Bruxelas num domingão festivo. A Praça é a principal da cidade e integra o Patrimônio da Unesco.

Monday, January 28, 2013

Saída


Não sou frequentador de casas noturnas, mas a crônica é oportuna.

Foi uma baladinha regada a rock e vinho há alguns anos. A casa noturna ficava no centro velho de Lyon, onde os prédios têm 300 anos ou mais. Daqueles que, na hora da venda, o corretor diz: "Não dou nem 250".

O problema era mais embaixo, pois a pista e palco ficavam no sub-solo. Pensamento coletivo: "Vamos às catacumbas". O corredor mal iluminado e estreito desembocava numa escada em curva com degraus irregulares. Pior que isso, só molhado. Bem, estava  molhado. Alguém na minha frente disse: "Se eu beber, não consigo mais sair daqui". Retruquei: "Me contento em conseguir sair sóbrio daqui".

Chegamos cedo lá embaixo. Havia apenas 30 pessoas. A minha preocupação crescia pois, uma hora depois, éramos 300 e aumentando. Falar em pânico seria exagero, estava tenso. E, felizmente, a tensão teve um fim. Quando alguns amigos começaram a reclamar do calor, alguém sugeriu: "Então vamos ficar mais perto da porta". Porta, que porta?!

O ceguinho aqui não tinha reparado. Numa das paredes, junto à pista e ao palco, havia um grande portal. Discreto como a porta de uma igreja. Dava direto para a rua de trás. Passava uma boiada por aquela saída. Agora sim, a minha noite começava.


Foto: O porto de Nice.

Saturday, November 20, 2010

Cadeirinha

Lamento pela longa ausência. Não posso dizer que estive embriagado com o lançamento do Beaujolais Nouveau 2010, pois estava em São Paulo, após tantos anos acompanhando a festa francesa em torno da bebida. Lembrando que a maioria dos franceses comemora o fato da bebida deixar o seu país ;-)

Entre idas e vindas, posso assegurar que estive em São Paulo no segundo turno das eleições, mas não no primeiro. Estive também quando o uso de cadeirinhas para as crianças se tornou compulsório na frota nacional, ou mais precisamente, quando da obrigatoriedade dos "sistemas de retenção para o transporte de crianças". Não dá para criticar iniciativas como essa. Qualquer melhoria de segurança é sempre bem recebida. Pena que os políticos que tomam este tipo de iniciativa, geralmente, estão pensando mais nos seus bolsos.

O lobby que une políticos e empresários em torno dessas oportunidades é evidente e igual em todo lugar. Na França, a cadeirinha não vingou, nem menos o saudoso kit de primeiros socorros. Em compensação, tive que comprar um belo colete amarelo de material bem reflexivo. Em caso de acidente e parada na estrada, o uso é obrigatório.

Deixando o mundo do automóvel, após ter visitado alguns amigos em Lyon, percebi que suas piscinas possuíam o mesmo tipo de cobertura, uma espécie de persiana que se enrola e desenrola sobre a superfície da piscina. Explicaram-me que há uma lei exigindo a tal cobertura, com o intuito de se minimizar o risco de afogamento de crianças. Os pais brasileiros certamente acham mais prático ficar de olho nas suas crianças.


Foto: Fecho as fotos de Viena (Áustria), com mais uma tomada do Belvedere.

Saturday, June 5, 2010

Você sabe que não está no paraíso quando... 2

Se o Big Mac é referência internacional de paridade de poder de compra, o meu indicador de segurança pública é a venda de cartuchos da Gilette. Há muito tempo, os cartuchos mais caros da marca não são acessíveis livremente nas gôndolas. Em alguns lugares, temos que solicitá-los para o caixa. Em outros, os cartuchos vêm com um dispositivo de segurança maior do que eles. Com a tecnologia atual, dá para se garantir a segurança com mais discrição.

O aspecto triste dessa observação é que em quase todo mundo é assim. Já visitei supermercados em inúmeros países. Cingapura foi o único lugar, onde encontrei os produtos da Gilette "leves e soltos", inclusive a linha Fusion. Bem, Cingapura a gente conhece. Tudo tem o seu preço. Mas que foi um barbear inesquecível, isso foi... ;-)


Foto: Ainda na Petite Venise de Colmar, Alsácia.

Thursday, June 3, 2010

Você sabe que não está no paraíso quando... 1

No final do século passado, numa das minhas primeiras visitas a Lyon, usei o metrô da cidade. Acostumado ao congênere parisiense, encontrei uma rede menor e bem menos frequentada. Ufa, que alívio! Entrei na estação e, de repente, estava dentro do trem. Não vi catraca nem bilheteria. Por alguns segundos, cheguei a pensar se era gratuito. A primeira viagem foi sem pagar mesmo. Depois, prestei mais atenção e descobri as máquinas de venda e validação dos bilhetes.

Infelizmente, metrô sem catracas virou algo inimaginável na França. Pouco tempo depois, todas estações estavam devidamente protegidas.

O bonde (tramway) não tem catraca, mas um esquema de fiscalização aleatório bastante presente. Cada vez que a turma de fiscais cerca o bonde, há uma boa dúzia de autuações. Sinal dos tempos!

No extremo oriente a preocupação é outra. Os metrôs são recentes e incorporam a melhor teconologia de transporte e de controle. O duro é convencer chineses e indianos a não cuspir no chão.



Fotos: Continuando a viagem pela Alsácia. A parte mais interessante de Colmar, a Petite Venise, com as casas típicas alsacianas ao longo do Rio Lauch. As duas fotos foram feitas no mesmo lugar.