Tuesday, September 28, 2010

Sarkoberlusconismo

Fiz um pit-stop no Brasil, mas não ficarei para as eleições. Mesmo antes da expatriação, costumava faltar. Para mim, começo de outubro sempre foi sinônimo de convenção mundial. Resta-me ir ao cartório eleitoral e pagar a multa. Prometo a vocês que estarei torcendo para que tenhamos um segundo turno nas eleições presidenciais. Aí, eu estarei de volta.

Mudando de assunto, indo do Brasil para a Europa, retomo um artigo muito bom do Estadão de domingo, que trata do populismo de Sarkozy e Berlusconi, líderes da guinada à direita do velho mundo. O artigo é uma entrevista do filósofo francês Pierre Musso concedida a Andrei Netto. Gostei da matéria, que nos ajuda a ligar muito dos fatos relatados neste blog. Eis alguns trechos:

“Sarkozy e Berlusconi tomam emprestado muito da linguagem da TV contemporânea. Como em um sitcom, nós seguimos as aventuras do herói político, suas relações com amigos e inimigos, com as mulheres, com os filhos.”

“A nova forma de fazer política se funda sob um modelo passional, emocional. Produzir eventos, sendo mestre da agenda da mídia, propondo temas – como os ciganos, a burca, a identidade nacional, o imposto sobre o sistema financeiro -, é mais importante que ter o controle da mídia.”

“O sarkoberlusconismo traz consigo uma espécie de cesarismo, no qual o tema segurança volta ao centro do debate público, para fazer do líder um salvador. Na neopolítica se governa pela fascinação e pelo medo.”

“A estratégia do sarkoberlusconismo é cavar um fosso usando símbolos. Na maior parte dos países do mundo, os fossos ideológicos, como o capitalismo e o socialismo, desapareceram. Novos fossos estão em construção em torno de valores e símbolos, por falta de sistemas políticos alternativos à esquerda, pela ausência de projetos políticos novos. Vivemos uma espécie de refeudalização, um retorno ao passado.”


O que é pior? Sarkoberlusconismo ou lulismo?



Foto: Em Viena, o belo palácio Belvedere (século XVIII), uma jóia do barroco. O destaque do seu museu é o inigualável acervo de obras de Gustav Klimt.

Sunday, September 26, 2010

Plantu

O cartunista do Le Monde passou pelo Brasil nos últimos dias. Jean Plantureux, mais conhecido como Plantu, tem alguns dos seus desenhos expostos no Sesc Vila Nova (SP) até 30 de outubro.

Tenho acompanhado a sua obra há alguns anos, afinal suas charges estão invariavelmente na capa do jornal. Se o seu foco principal é a política francesa, alguns temas são acessíveis aos brasileiros. Um deles é religião.

Plantu não poupa a sua ironia mesmo com assuntos que são considerados delicados a oeste do Atlântico. Cutucou Maomé com vara curta. Para surpresa geral, foi o desenho abaixo que despertou a maior polêmica da sua carreira, gerando milhares de protestos contra o Le Monde. A ira não era de franceses, mas de cristãos norte-americanos. Plantu foi ameaçado e dado como morto na Wikipedia.

Nota: O desenho foi feito depois da crise da reintegração dos bispos negacionistas ao Vaticano. Jesus distribui camisinhas na África. O bispo nega a existência da AIDS e o Papa...Coitado do Papa!


Foto: O Parlamento austríaco em Viena. O prédio em estilo clássico grego é no mínimo majestoso. A estátua a sua frente representa Palas Atena.

Saturday, September 25, 2010

Viena

Os próximos posts serão ilustrados com fotos da minha passagem por Viena em maio último. Não tive muita sorte com o tempo, o que me induziu a permanecer mais tempo dentro dos museus, castelos, teatros, restaurantes, etc. Chuva e vento forte fizeram com que três guarda-chuvas fossem inutilizados numa mesma manhã. Não desisti. Prossegui o passeio com um guarda-chuva danificado na mão esquerda (o quarto) e a máquina fotográfica na direita.

A suntuosidade dos edifícios deixados pela Casa dos Habsburgos, o patrimônio artístico, a programação cultural, a gastronomia (ah, as sobremesas!) fazem da cidade uma das melhores para se viver em todo o mundo. A capital austríaca é é realmente fantástica e tenho vontade de voltar. Antes, precisarei ficar dois a três quilos abaixo do meu peso.


Thursday, September 23, 2010

Pré-história

Basta ficar alguns dias fora do Brasil, que eu chego no meio de outro escândalo. E dos graves. Nada a ver com aqueles que quase imobilizam o governo francês. Fazendo uma analogia simplista: Na França, os escândalos de corrupção são eróticos. No Brasil, são pornográficos.

Esta quinta-feira foi dia de greve geral na França. Mais uma. Não perdi nada. Já no Brasil, vejo uma minoria cada vez mais indignada com a virtual vitória do PT, da Dilma e sua trupe. Não tive tempo de aprofundar a leitura sobre o esquemão da Casa Civil. Confesso que a minha expectativa com relação a Dilma não era muito grande.

Na semana passada, a imprensa pegou no pé do Sarkô. Ele deu uma de George Bush. Ao referir-se aos homens primitivos, que deixaram as célebres pinturas rupestres na caverna de Lascaux há 17 mil anos, chamou-os de Neandertais. Errou por alguns milhares de anos e, principalmente, por que os Neandertais não são homens. Os primeiros grupos de Homo sapiens sapiens que habitaram a região de Lascaux são conhecidos como homens de Cro-Magnon.

O papelão mesmo foi outro. A gruta está fechada há anos, pois a proliferação de fungos ameaça as pinturas, consideradas um patrimônio da humanidade. O acesso é extremamente controlado e as condições no interior de Lascaux são monitoradas por cientistas. No máximo oito pessoas de cada vez podem entrar na caverna e sempre com roupas especiais. Usando as suas prerrogativas presidenciais, Sarkô entrou com toda sua comitiva e foi o único que não usou a famigerada touquinha. Por essas e outras, mudaram o nome do Presidente para Sarkô-Magnon.

Em termos de escândalos políticos, a França está na pré-história.


Foto: Para fechar esta rodada de fotos na Provence, uma nova tomada do núcleo de Gordes, um pouco mais próxima que a anterior.

Saturday, September 18, 2010

Lapso

Nos vôos curtos que cruzam a França, a Air France oferce um serviço de bordo bastante modesto. Nada de refeições completas, apenas bebidas simples e um biscoito, salgado ou doce, a escolher. Na última sexta-feira, como previsto, a aeromoça dirigiu-se a mim e perguntou: "Sucré ou salé?"

Apesar de ter respondido à mesma pergunta dezenas de vezes, não é automático. Sempre penso alguns poucos segundos antes de pedir aquilo que mais quero no momento. E sempre pinta uma dúvida. Com respeito à Air France, talvez a escolha seja pelo biscoito menos ruim. Desta vez, diante das alternativas "sucré" ou "salé", respondi: Sacré!

A aeromoça não entendeu nada. Bloqueou por um instante. Antes que ela providenciasse uma hóstia ou matzá, eu corrigi a minha resposta. Ela prosseguiu seu trabalho e eu continuei rindo sozinho.

Para meu consolo, uma cena ainda mais estranha aconteceu diante da mesma aeromoça. Um cara (mais novo) colocava as suas duas malas no compartimento de bagagens. Como não havia muito espaço, colocou a primeira mala sobre quinta fileira de poltronas. Poucos segundos depois, colocou a segunda mala sobre a primeira fileira. Ao fechar o último bagageiro, fez uma cara apavorado e perguntou: "Onde deixei a outra mala?". A aeromoça estava atenta e indicou o bagageiro sobre a quinta fila. Como observador, fiquei impressionado com o lapso de memória em tão curto espaço de tempo.

Consolo ainda melhor foi a piada que um colega havia contado no dia anterior. Um cinquentão, preocupado com os pequenos lapsos de memória cotidianos vai ao médico. "Doutor, por várias vezes, esqueci de fechar o zíper depois de urinar". O médico respondeu: "Não se preocupe. O problema mesmo é quando você começar a esquecer de abrir o zíper antes de urinar".



Foto: Um close da Abadia de Sénanque. O símbolo da Provence não é mais o mesmo. O campo de lavanda anexo à mesma não existe mais. Ainda existe um grande campo bem próximo, mas não permite aquela foto de cartão postal tão famosa.

Monday, September 13, 2010

Sobre homens e deuses 2

O filme ‘Des hommes et des dieux’ deixa no ar a autoria do massacre de Tibhirine. Com elegância, entre o governo da Argélia e a milícia islâmica, não há heróis nem vilões. Infelizmente, as coisas nem sempre são tratadas desta maneira.

Não é preciso muito esforço para perceber que muitos dos grandes conflitos atuais da Humanidade têm uma das partes ligadas ao Islã: As guerras do Oriente, as insurreições africanas, as discussões européias sobre burcas e minaretes, o debate americano em torno da mesquita de Manhattan e assim por diante.

Diante de tantos fatos, qualquer desavisado pode cair na tentação de associá-los indevidamente. E, com certeza, muita gente usa essa forma de manipulação. Islamofobia pura.

No dia 5 de setembro, o Gustavo Chacra comentou em seu blog o livro ‘A World Without Islam’ de Graham Fuller. Recomendo a leitura do artigo. O livro mostra que, se por um capricho da história, o Islã não existisse, este mundo hipotético não seria muito diferente, sendo que os mesmos conflitos seriam travados entre outras religiões. Possivelmente, a rivalidade entre cristãos e muçulmanos poderia ser convertida num grande racha do mundo cristão, opondo os ortodoxos aos demais.

O livro é extremamente oportuno para os nossos dias. Ele reforça a velha máxima de que nunca existiu guerra de religiões. Os homens brigam por poder. A religião é a forma de manipulação preferida daqueles que o detém.

Fico por aqui. Meu exemplar de ‘A World Without Islam’ chega amanhã, se a Amazon.fr não falhar. Quem sabe, continuemos a conversa. Pessoalmente.


Foto: A última tomada de L'Isle-sur-la-Sorgue, na Provence. A cidade e suas praças espalham-se ao longo dos canais do Sorgue.

Friday, September 10, 2010

Sobre homens e deuses 1

O filme francês mais comentado do momento é ‘Des hommes et des dieux’, vencedor do Grand Prix do júri do último festival de Cannes, dirigido por Xavier Beauvois e estrelado por Lambert Wilson. Ele explora o assassinato de sete monges trapistas do Monastério de Tibhirine, ocorrido em 1996 na Argélia. Veja o clipe oficial e a ficha do IMDB.

Quem espera um filme sobre a vida monástica certamente vai se surpreender. Os religiosos, conscientes do risco oriundo da instabilidade crescente na Argélia, conversam muito entre si. O debate entre ficar e fugir é inteligente, belo e universal. Teria sido um ato de martírio? Bem, a resposta está no final do filme.

As imagens não ficam atrás. Embora tenha sido realizado no Marrocos, ele é ambientado numa área muito bela do Magreb (Marrocos, Argélia e Tunísia), nas proximidades da cadeia de montanhas Atlas. Nada de deserto, no filme tem muita neve. Na minha opinião, a sua melhor cena é a última ceia, embalada ao som de Tchaikovski. Infelizmente, ela não está no Youtube, senão compartilharia com vocês.

Saindo do filme e voltando ao tema que o inspirou, lembro que esse crime terrível jamais foi esclarecido. Segundo a versão oficial, os monges foram assassinados por um grupo islâmico armado. Posteriormente, surgiram duas outras hipóteses: 1) Os monges teriam sido eliminados pelo próprio exército da Argélia 2) Pelo serviço secreto do país, com o intuito de se culpar e desmoralizar a milícia islâmica.

A investigação ainda está aberta. Talvez jamais conheçamos a verdade, porém, hoje, acredita-se muito mais na hipótese manipulatória. Não teria sido a primeira nem a última vez que a História fora distorcida.


Foto: Ainda em L'Isle-sur-la-Sorgue, na Provence. Na foto, o rio Sorgue (na prática, um de seus canais). Aspecto comum das minhas duas passagens pela cidade: Levei um tempão para achar um lugar para estacionar. Assim como muitas cidades francesas, não é impossível, mas não é automático.

Tuesday, September 7, 2010

Espiral

Depois de um mês no Brasil, minha permanência recorde desde o final de 2006, estou de volta à França. Sem muitas mudanças por aqui e, para variar, uma greve geral.

Nesta terça-feira, muitos colegas nem foram ao trabalho. Ficaram em casa, participando de reuniões por telefone e Internet. O Le Monde também não foi às casas dos seus assinantes, distribuiu a versão PDF gratuitamente.

Muito se comenta sobre o trabalho dos pesquisadores franceses, que explicaram a trajetória da bola do famoso gol do Roberto Carlos contra a França em 2007. Não deixe de ver o vídeo. Se quiser, veja também o artigo ‘The spinning ball spiral’ do New Journal of Physics.

Na França, os amantes do futebol costumam se lembrar dos jogos contra o Brasil, especialmente aquele de 12/07/98. Um ano antes, num amistoso entre os dois países que terminou empatado, houve um momento histórico, através da cobrança de falta do nosso lateral.

O cronista do Le Monde, Franck Nouchi, fez uma analogia da incrível trajetória da bola com a política. Mais precisamente, com a decadente curva de popularidade de Sarkozy, contrastando com a possível ascensão do ainda indefinido Dominique Strauss-Kahn (PS), potencial candidato da esquerda. Diz ele: “DSK teria todo interesse em observar o gol do Roberto Carlos. Ele verá que podemos contornar uma barreira, engatando uma boa corrida de aproximação e batendo na bola com a parte exterior do pé esquerdo”. Digamos que seja uma metáfora futebolística um pouco melhor do que aquelas do nosso Presidente.


Foto: Outra tomada de L'Isle-sur-la-Sorgue, em dia de feira livre e de artesanato. A cidade é repleta de antiquários. Aos domingos, a feira domina a cidade, que atrai milhares de turistas e habitantes das cidades vizinhas.

Wednesday, September 1, 2010

A profecia

Na passagem pelo Brasil, pude conferir a campanha eleitoral. Mesmo fazendo força para evitá-lo, assisti até mesmo ao horário eleitoral gratuito na TV. Os meus comentários e apelos seriam desnecessários, pois os leitores deste blog não são uma boa amostra da população brasileira. Que pena! Se pudesse ao menos tirar um voto da Dilma, escreveria muito mais.

A eleição da nossa primeira presidente não surpreende. Fico mais assustado com a maioria esmagadora que a base governista fará no Senado e, provavelmente, na Câmara. Não sei se a Dilma tem intenção de fazer algo diferente, além de continuar o que Lula começou, mas ela não encontrará qualquer resistência do Legislativo. Que a nossa república democrática sobreviva!

Meus leitores também devem estar boquiabertos com o nível de algumas candidaturas, cristalizadas na figura do Tiririca. Possivelmente, receberá uma votação expressiva, podendo eleger consigo alguns deputados. O problema desse tipo de candidatura é que o seu efeito é o contrário do desejado. Acaba-se engordando a base governista, como aconteceu com o fenômeno Enéas de anos atrás.

A oposição brasileira está em frangalhos. Ou, talvez, tucanalhos. Pior do que a francesa. Na França, o PS sofre pela falta de um líder, mas possui um ideário bem definido e uma grande base eleitoral. Aqui, com raras exceções, o PSDB é motivo de chacota, o João Bobo do PT. Se continuar assim, a profecia dos 20 anos de PT no poder vai se realizar com facilidade.


Foto: A charmosa L'Isle-sur-la-Sorgue na Provence. Cidade de canais, antiquários e restaurantes.