Saturday, January 22, 2011

Dominó árabe

Enquanto a imprensa nacional cobria a tragédia provocada pelas chuvas no Rio, na França, um destaque da mesma proporção era dado à revolução tunisiana. A queda do ditador Ben Ali, fato inédito no mundo árabe, é muito positiva e há razões de sobra para celebrá-la.

Esperamos que a Tunísia encontre o seu caminho para um regime mais democrático. Entretanto, nada garante que esta conquista seja imediata. A derrubada de regimes autocráticos deixa um vácuo de poder e gera conflitos sangrentos entre grupos políticos locais.

A possibilidade de substituição do regime anterior por um outro hostil ao Ocidente também existe. O governo da França, por exemplo, foi desmoralizado por apoiar Ben Ali até seus últimos momentos. Como a Tunísia é um dos países mais "estáveis" da região, com bom nível educacional, tradição secular e intensa cooperação com a Europa, acredita-se fortemente num triunfo democrático.

Daqui para frente, o problema é a influência desta revolução nos países vizinhos. Pode ser o empurrãozinho que faltava para a queda em massa de ditadores de outros países, onde os movimentos islâmicos estão muito mais organizados, como Argélia e Egito. Aí sim, teríamos um quadro bem mais conturbado, que certamente interferirá no equilíbrio das regiões vizinhas (Oriente Médio, Sahel e África Central), para o bem ou para o mal.

E viva o Twitter, o Facebook e o Wikileaks pelo papel chave que tiveram na Tunísia!


Seguindo a recomendação do post anterior, ficarei ausente por alguns dias, me alimentando em cidades mais interessantes e mais econômicas que São Paulo. Até breve!




Foto: Uma outra tomada do centro de Cingapura, a partir do hotel Marina Sands. O céu cinzento e as tempestades de verão perduraram durante a minha passagem. Alguém já viu isso? Notem o estádio de futebol à direita. Será que podemos apresentar um desses à FIFA?

Sunday, January 16, 2011

"Seu garçom faça o favor"

A matéria do Estadão sobre o custo da comida em São Paulo ilustra um tema recorrente deste blog. Durante a minha expatriação, retornei a São Paulo algumas vezes. Frequentando o mesmo grupo de restaurantes e pedindo basicamente os mesmos pratos, constatei um aumento de cerca de 100% nesses quatro anos. Sim, a conta dobrou!

Tenho que organizar uma reunião internacional em São Paulo ao longo de 2011. O orçamento de hotéis e restaurantes convertido para euros ou dólares é um disparate. Melhor seria fazer o evento em outro lugar do planeta.

Escreveu o editor do Paladar: "Meu conselho, para quem tiver condições, é: comam no exterior". Tem toda razão. Pena que não dá para ir almoçar em Buenos Aires todo dia.

A matéria do Estadão aponta claramente o aumento dos custos dos restaurantes (alimentos, aluguéis e salários) como causa principal do fenômeno. Concordo que o fator custos tenha a sua contribuição. Porém, questiono, se não há também o fator de oportunidade (inflação de demanda), pelo fato de mais gente ter passado a frequentar os mesmos restaurantes. Quem sabe, uma combinação dos dois, aumento de custo e demanda.

Com restaurantes caros e restrição na oferta de cozinheiras e domésticas, a classe média mudará os seus hábitos. O mundo dos negócios também. A atratividade de São Paulo, bem como de outras cidades do Brasil, será impactada. Paris, Nova York e outras tantas cidades podem ser caras, mas têm seus diferenciais.

O setor de bares e restaurantes é mais importante do que parece. Não foi à toa que o governo francês abriu mão de parte dos tributos para manter o nível de emprego no setor e uma conta ligeiramente mais baixa para os clientes.

Talvez tenhamos que fazer alguma intervenção por aqui, seja para garantir o custo dos alimentos ou aumentar a competição no setor. Enfim, depois de quase quatro anos na França, essas idéias socialistas acabam passando pela minha cabeça. Acho que estou ficando com fome. Seu garçom faça o favor de me trazer depressa / Uma boa média que não seja requentada...


Foto: Fazendo uma pausa nas fotos da Borgonha, mostro uma meia dúzia de fotos tiradas em Cingapura em dezembro último. Acima, a vista da janela de onde estava hospedado, quando o dia começava a clarear. Bem, toda vez que vou para a Ásia, acordo muitíssimo cedo, até me adaptar ao fuso horário.

Wednesday, January 12, 2011

"E assim se passaram 10 anos"

Depois de passar a régua em 2010, relembrei do saudoso ano 2000. Para nós, informáticos, será sempre o inesquecível ano do "bug". Também foi o ano da bolha da Internet, além de tantos outros eventos curiosos. Por exemplo:

- A queda do Concorde (109 vítimas)
- O "naufrágio" do submarino russo (118 vítimas)
- A tumultuada de reeleição George Bush
- O repique da crise da vaca louca na Europa
- A qualificação da Grécia para entrada na zona do Euro
- O ataque ao USS Cole no Iêmen (17 vítimas) pela Al-Qaeda
- Reunião entre as Coréias, a primeira desde 1945, garantindo o Nobel da Paz daquele ano para Kim Dae-jung

O que aconteceu nos anos seguintes ainda está na memória dos leitores. Naquele ano, ninguém dava muita bola para a Al-Qaeda, a adesão de novos países ao Euro era muito festejada e a aproximação das Coréias anunciava a era de Aquário no extremo oriente.

Nessa retrospectiva, contudo, o que mais chamou a minha atenção foi a síntese da nostálgica Britannica sobre a situação americana à época: "The United States stormed into 2000 full of energy and confidence, its economy purring, its world leadership role unchallenged, and its two-century-old democratic experiment still vigorous. Incidence of crime, welfare dependency, and joblessness were down, and the stock market was soaring."

Definitivamente, alguma coisa mudou em dez anos.


Foto: Uma vila anônima do interior da Borgonha, no caminho para o Château de Bazoches.

Saturday, January 8, 2011

Espionando a Renault

Casos de espionagem corporativa raramente são notícias de primeira página. Afinal, uma empresa espionada ou desfalcada prefere proteger a sua reputação. Prefere mostrar que tem empregados honestos, bons sistemas de informações e controles internos confiáveis. Por essas e outras, a repercussão do caso Renault chama a atenção.

Um leitor desavisado, poderia pensar: Se fosse para espionar uma indústria automobilística, iria atrás da BMW e não da Renault! É fato que o grupo Renault-Nissan está com uma boa dianteira no campo dos carros elétricos, alvo dos espiões. Apesar da crise profunda por que passou, ele conseguiu alavancar a experiência da Nissan e está com perspectivas promissoras neste campo.

Seria a China a grande beneficiária da espionagem? Pode ser, pois a China não tem muitos escrúpulos para conquistar terreno no capitalismo mundial. Com certeza, eles espionam, assim como muitas empresas de outros países também o fazem. Porém, acredito que a China seja muito diferente da antiga URSS, que dependia quase que totalmente de meios escusos para alimentar seu progresso técnico.

Enfim, face à intimidade da Renault com a turma do Sarkozy, face ao delicado momento europeu e face à incapacidade de se lidar com a China, não consigo parar de pensar que o destaque para este caso tem caráter manipulatório. Digamos que seja um cabritinho expiatório.


Foto: Mais uma tomada do Château de Bazoches, na Borgonha.

Monday, January 3, 2011

BHL & Battisti

A última decisão do governo Lula foi a negação do pedido de extradição de Cesare Battisti feito pela Itália. Confesso que mal pude acompanhar o assunto. Percebi que muita gente queria o italiano fora do Brasil. O assunto é complexo.

Neste post, quero compartilhar a carta que Bernard-Henri Lévy (BHL), filósofo mais renomado da França na atualidade, enviou ao então presidente Lula, divulgada no seu blog nesta tarde. Já mencionei BHL inúmeras vezes neste blog. Ele pode não ter razão em tudo que escreve. Mas, quando defende uma causa em público, quase sempre está certo.


Ao Exmo. Senhor LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Presidente da República Federativa do Brasil

Prezado Presidente Lula

Tenho conhecimento que o debate sobre o caso Cesare Battisti, antigo militante dos Proletários Armados pelo Comunismo, acusado de atos de terrorismo na Itália nos anos setenta, causa indignação no seu país. Eu também sei que pelas leis das instituições brasileiras, a última palavra no seu ordenamento democrático, tendo em vista a divisão de opiniões, no seio da Suprema Corte, fazem que caiba ao Senhor, e apenas ao Senhor, o poder de decidir se esse velho militante, que se tornou um escritor de sucesso, deve ou não ser extraditado para a Itália.

Senhor Presidente, inicialmente gostaria de lhe dizer que ninguém mais do que eu tem horror ao terrorismo. E desejo deixar claro que a luta contra esse terrorismo, a luta contra o direito que alguns se atribuem, nas democracias, de fazer, eles próprios, a lei e de recorrer às armas para fazer com que suas vozes sejam ouvidas, é uma das constantes, talvez a constante de toda a minha vida de homem e de intelectual.

No entanto, se me dirijo a Vossa Excelência é exatamente porque não está provado que Cesare seja esse terrorista descrito por uma parte da imprensa italiana e, cujos crimes, se ele tivesse cometido, não mereceria nenhuma indulgência.

Ele foi condenado como tal, eu bem sei, por um Tribunal legalmente instituído, num país onde não imagino, em nenhum momento, colocar em dúvida o seu caráter democrático. Mas, até nas melhores democracias pode acontecer de – como no caso da França na Guerra da Argélia – encontrarmos fracassos e injustiças.

E o processo de Cesare Battisti, esse processo que o reconheceu culpado, com apenas 21 anos, pelas mortes de Santoro e Campagna levantam, nessa circunstância, ao menos três questões – as quais um homem imbuído de justiça e de direito, como Vossa Excelência, não pode ficar insensível.

O primeiro ponto de testemunhos e provas produzidos pela acusação e sobre a palavra daqueles que Batistti foi condenado são, essencialmente, testemunhos de arrependidos, quer dizer, de verdadeiros criminosos que trocaram, à época, suas próprias condenações pela denúncia premiada de alguns de seus camaradas. Cesare Battisti fugiu para o México, depois para a França, quando o arrependido Pietro Mutti imputou-lhe a totalidades dos crimes da organização, na qual eles militavam. Todos os observadores que tiveram conhecimento do caso não acreditam ser possível nem verossímil que um jovem de 20 anos tenha cometido tais crimes.

A segunda questão diz respeito ao principio da justiça italiana e ao fato que, contrariamente ao que se passa no vosso país e no meu, os condenados à revelia não têm, mesmo se forem capturados, se entregaram ou se forem extraditados, direito a um novo processo, no qual possam apresentar suas razões de defesa. Também, se Vossa Excelência decidir recusar a Cesare Battisti o status de refugiado e se deixar, então, que ocorra o procedimento de extradição, ele iria, assim que voltasse para a Itália, direto para a prisão perpétua (pois que há uma pena, sem apelação, na qual ele foi pronunciado num processo à revelia). E será o único condenado à prisão perpétua que jamais teve a possibilidade de encontrar seus juízes e de poder fisicamente, confrontar com seus acusadores e responder, em pessoa, cara a cara, sobre os crimes que lhe são imputados.

E pois, eu acrescento, finalmente, esse detalhe sobre o qual, o mínimo que se pode dizer é que não é apenas um detalhe: Cesare Battisti nega os crimes que lhe são imputados. Numerosos são os seus colegas escritores e numerosos são os juristas que, após o exame do processo, acreditam ser plausível sua inocência. De sorte que corremos o risco de ver terminar seus dias na prisão um homem cujo único crime seria, neste caso, ter acreditado, durante sua juventude, nas teorias da violência revolucionária.

Eu amo o Brasil, Senhor Presidente. Amo o exemplo que ele dá ao mundo de uma política fiel aos ideais progressistas e, ao mesmo tempo, aos princípios de equilíbrio e sabedoria. E eu ficaria consternado – nós somos no mundo numerosos que ficaríamos consternados – de ver “nosso” Lula se afastar de uma tradição de acolher os refugiados, que é um dos orgulhos de seu país.

Extraditar Battisti criaria um perigoso precedente. Não extraditá-lo mostraria ao mundo, que tem os olhos fixos sobre o Brasil e sobre Vossa Excelência, que existem princípios que não podem ser suplantados por Razões de Estado nem pela lógica dos Monstros sem emoção.

Eu peço a Vossa Excelência que aceite, Senhor Presidente, a expressão de minha simpatia, de minha admiração e de minha ardorosa esperança.

(Assinado) Bernard Henri Lévy.



Foto: Continuando na Borgonha, eis o Château de Bazoches (século XII). A fama do castelo deve-se ao fato de ter sido residência do Marechal Vauban no século XVII, militar que concebeu grande parte do sistema defensivo francês nos anos áureos do reinado de Luís XIV.