Saturday, February 26, 2011

E nós com isso?

Quando escrevi o post "dominó árabe", sabia da possibilidade de contágio das manifestações da Tunísia nos países vizinhos, mas tinha dúvidas. Era só possibilidade. A queda dos governos da Tunísia, Egito e Líbia (ops!) são fatos históricos consideráveis.

Os especialistas dividem-se quanto à proliferação dos movimentos populares. Uns acham que fica por aí mesmo. Outros, acreditam que até a poderosa Arábia Saudita, o "duplo seis" do dominó, pode tremer.

Esta onda de democracia provavelmente desperta simpatia de todo mundo, inclusive dos leitores deste blog. Quem não gosta de ver ditadores caindo em série? Mas, nem tudo que é bom para os árabes é bom para o resto do mundo.

A imprensa está explorando bem a probabilidade de surgirem novos Irãs nessa região do planeta, do Marrocos ao Golfo Pérsico. O aparecimento de regimes hostis ao Ocidente ainda é um resultado menos importante do que um novo choque do petróleo, algo com impacto direto no nosso tão sensível bolso.

A escalada dos preços do petróleo pode trazer muitas notícias ruins para as combalidas economias da Europa e dos Estados Unidos. Até a China, que empurra a economia brasileira, seria muito afetada. E o Brasil, que já está apertando o cinto para corrigir a irresponsabilidade fiscal de 2010, também será convidado a participar dessa crise.

Enfim, é muito bacana ver os ditadores árabes caindo em série, mas, parodiando Ferreira Gullar, não dá para ser feliz e ter razão.


Foto: Alguns prédios da Abadia de Fontenay datam da sua fundação no século XII, como a sua igreja. Na foto, a vista lateral da mesma.


Saturday, February 19, 2011

Ballmer & Obama

A imprensa especializada questionou: "Por que Steve Ballmer, da Microsoft, não foi convidado para encontro com Obama?" Aí vão minhas dez respostas:

1) Por que Ballmer mandou um micro com Windows 7 e Office 2010 para a Casa Branca e já deu pau. Obama está louco da vida.

2) Por que a Casa Branca tem um plano para adoção de Linux em toda máquina pública norte-americana e não quer constrangê-lo.

3) Por que todos os convidados têm iPhone e Ballmer ficaria constrangido em aparecer com um telefone finlandês.

4) Por que a Microsoft teria dado maior apoio aos republicanos.

5) Por que é difícil convencer o Steve Ballmer de que ele não seria a pessoa mais importante no jantar.

6) Por que os flashes refletidos pela cabeça do Ballmer ofuscariam completamente o Obama.

7) Por que foi tudo uma armação do Larry Ellisson, outro ego a altura do Ballmer.

8) Por que a Microsoft já é vista como uma empresa tradicional. Será convidada para o jantar com a IBM, HP e Dell.

9) Por que Ballmer descobriu que, no jantar, usariam iPads como "sousplats".

10) Por que o clubinho do Vale do Silício já existe há tempos e o convidado é o Obama e não o inverso!



Foto: Iniciando uma série de fotos da Abadia de Fontenay, um dos meus últimos passeios na França, em outubro último.

Sunday, February 13, 2011

Nokia. Tudo ou nada!

Nos últimos dias, troquei diversos tweets sobre o acordo Nokia-Microsoft. Vou usar este meu espaço para esclarecer a minha opinião.

Em primeiro lugar, toda discussão em torno da Nokia é símbolo dos nossos tempos. Há pouquíssimo tempo, o grupo finlandês era referência mundial de gestão e inovação. Conquistaram 40% do mercado de celulares, desbancando gigantes como a Motorola, Sony, Ericsson e tantos outros.

Dois outsiders entraram no jogo e mudaram tudo. A Apple, com o iPhone, cujo sucesso dispensa comentários. E, ainda mais surpreendente, o Google, com a escalada do seu sistema operacional, o Android, que assumiu recentemente a liderança do mercado.

Tarde demais para reagir, o sistema operacional da Nokia, o Symbian, parece mesmo virtualmente morto. Com o seu market-share sendo comido todos os dias, resta à Nokia a triste opção de aderir aos sistemas existentes. Como a Apple não está disposta a compartilhar o seu, na verdade, as alternativas são duas: O líder Android, adotado pela maioria dos perseguidores da Nokia na liderança do mercado, e a promessa da Microsoft, o Windows Phone, com uma penetração de mercado muito aquém de marginal.

Dar tiro no pé ou na cabeça? Optar pelo Android é bater de frente com Samsung e Motorola. A Nokia pode não morrer, mas já entraria em desvantagem num terreno muito comoditizado. Precisaria de alguns anos para ajustar a sua máquina para encontrar vantagens competitivas em relação aos demais e tentar abocanhar um pedaço dos saudosos 40% do mercado. Enfim, seria jogar pelo empate. Seria uma opção para não morrer.

A alternativa Windows é muito mais arriscada, até por que a sua base de clientes é quase nula. Porém, a experiência de ambos, Microsoft e Nokia, pode gerar um produto diferente e, por que não dizer, melhor do que o Android. Nesse caso, a Nokia estaria de novo a frente dos seus concorrentes. Claro que é uma aposta de risco. É tudo ou nada.

Apenas para clarificar, sei que existem outros players nesse mercado: O moribundo Palm (HP) e o Blackberry (RIM). O Palm morreu mas esqueceram de avisar a HP. Dizem por aí que a RIM já estuda a sua adesão ao Android.

Meu Deus! Este post parece um cemitério da tecnologia...


Foto: Última foto de Cingapura, a famosa piscina dos jardins suspensos do Marina Sands.

Monday, February 7, 2011

Céline?

Quem digitar "Céline" no Google encontrará menções e fotos da popular cantora canadense Céline Dion. No mundo virtual, a artista coloca um dos maiores nomes da literatura francesa, Louis-Ferdinand Céline, na obscuridade. Ele faz por merecer.

Na França, acompanhei as discussões sobre as homenagens ao cinquentenário da morte de Céline. Após intensa mobilização de Serge Klarsfeld, o Ministro da Cultura Frédéric Miterrand cancelou o evento oficial. Céline pode ter sido um grande escritor, mas foi um notório colaboracionista e fervoroso antissemita, contrapondo os valores fundamentais da nação francesa.

Mexer nesse assunto é colocar o dedo na ferida da França, mas bem que se trata de uma questão universal. Certamente, encontraremos paralelos em outros lugares do mundo. O filósofo Bernard-Henri Levy, por exemplo, preferia manter o evento oficial. Segundo ele, é preciso mostrar o mistério que faz de uma pessoa um grande escritor e um perfeito canalha ao mesmo tempo.

Outros intelectuais franceses se apegaram às questões semânticas. Afinal, estamos falando de comemoração ou celebração? Luc Ferry, filósofo já citado neste blog, prefere combater ambas as formas e acabar com essa mania de olhar para trás. Diz ele: Podemos ler e descobrir Céline, mas, como diz o Evangelho "Deixai os mortos enterrarem os seus mortos".

Serge Klarsfeld, representante dos descendentes dos judeus deportados, foi dado como grande vitorioso do episódio. Vale ressaltar que o assunto não era unanimidade na comunidade judaica, que talvez preferisse menos barulho. Afinal, Céline não é nem Victor Hugo nem Molière.


Foto: Uma outra tomada do Marina Sands, em Cingapura.

Friday, February 4, 2011

Vacas gordas

Voltei há poucos dias e demorei mais do que imaginava para escrever um novo post. Em compensação, o post anterior foi tão terrivelmente preciso, que merecia mesmo ficar em destaque por tantos dias.

Esquecendo o "dominó árabe", voltemos ao Brasil e a França, que estão envolvidos numa disputa diplomática. Sarkozy assumiu a presidência do G20 com promessas de regularização dos mercados financeiros e agrícolas. Está na pauta do presidente francês a tributação de todas as transações financeiras internacionais. O dinheiro arrecadado financiaria os países mais pobres. Ele fala numa nova ordem monetária e combate aos mitológicos especuladores.

O presidente também acredita que a alta dos alimentos pode aumentar a fome no mundo, daí a importância da regulação dos mercados agrícolas, também sujeitos às ações dos misteriosos especuladores.

Sarkozy ainda quer que o modelo francês de proteção social inspire o mundo inteiro. O discurso é bonito e surpreendente para um homem de direita. E com uma direita dessas, quem precisa de esquerda?

Isso tudo é jogo para a torcida. Apesar da sua baixíssima popularidade, lances mágicos desse tipo deixam a oposição perdida e podem ressuscitá-lo nas urnas em 2012. O provável candidato da oposição, Dominique Strauss-Kahn, na melhor das hipóteses, proporia a mesma coisa.

A questão agrícola é complexa. Efetivamente, a alta dos preços dos alimentos puxada pelo consumo chinês é uma ameaça à estabilidade das nações mais pobres. Sabemos que Sarkozy não está muito preocupado com a Tanzânia ou o Peru, mas com as próprias tribos gaulesas, cada vez mais iradas.

A equipe da Dilma já mandou o recado: Por que quando as cotações estão em baixa ninguém fala em regulação de mercados?

O Brasil apoia o combate à especulação, mas não o controle de preços. Do jeito que andam as grandes negociações diplomáticas internacionais, o Brasil não precisa se preocupar. Quando sair alguma regulação, os preços estarão deprimidos, seja quem for o presidente do G20 ou da França. Tempos de vacas gordas e vacas magras se alternam desde os tempos bíblicos.



Foto: Desde a minha última estada em Cingapura, a maior novidade foi a inauguração do complexo do Marina Sands. Um pedaço de Las Vegas na bem comportada Cingapura. O destaque é o "navio" que fica na cobertura das três torres.