Sunday, October 30, 2011

Paz na Terra

A semana passada foi dominada pelas difíceis negociações em torno do Euro. Se a união monetária é uma ousada etapa dentro do projeto europeu, ninguém duvida de que o grande valor deste esforço de integração é a PAZ. Parece banal, mas olhando-se para o passado, não encontramos muitos períodos em que as principais nações europeias não estivessem guerreando entre si.

Falando de guerra e paz, o novo livro de Steven Pinker, "The Better Angels of Our Nature", tem sido muito comentado. O livro mostra como a violência vem caindo ao longo dos séculos, contrapondo a percepção de que o século XX, com todas as suas barbáries, tenha sido especialmente trágico.

Antes de mais nada, afirmo que ainda não li o livro. Mesmo assim, conforme os bons artigos na imprensa internacional, posso dizer que concordo com a tese do autor. Por outro lado, recomendo certos cuidados na interpretação dessa nossa longa marcha rumo à civilidade.

O autor enfatiza o seu pensamento estatístico ao analisar a História. Isso significa - nas minhas palavras - que qualquer guerrinha com alguns poucos milhões de vítimas não vai mudar a sua tese. Matematicamente, concordo. Ou seja, a mega tendência de redução da violência não é nenhuma garantia de paz.

Ilustrando ainda melhor. Há 100 anos, estávamos às vésperas das duas grandes guerras, que fizeram juntas 70 milhões de vítimas, segundo a tabela de catástrofes humanitárias do autor.  Muito provavelmente, as suas conclusões seriam as mesmas se estivéssemos hoje em 1911. Eu sempre defendi o pensamento estatístico, mas vá ser calculista assim na...

Falando sobre o seu método. No século VIII, houve uma grande disputa de poder na China, que culminou com uma gigantesca rebelião e matança. O saldo da revolta de "An Lushan" foi de 36 milhões de mortos.  À época, a população humana estava na casa dos 200 milhões. Então Pinker corrige o número de vítimas de 36 para 429 milhões, fazendo a equivalência com a população humana no século XX, e transformando o evento na maior carnificina da História.

Na minha primeira leitura das críticas sobre o livro, esta relativização do número de vítimas chamou a atenção - confesso que fui direto aos números, depois li os textos em si. Muitos comentaristas também mostraram-se surpresos, mesmo sem discordar. Possivelmente, concordaria com a tese do autor mesmo sem a tal proporcionalização.

Pensando com meus botões, pergunto se não seria o contrário. Por que não dar um peso ainda maior para as matanças mais recentes, na medida que nos distanciamos do nosso passado selvagem e tribal. Se, ao longo da História, o mundo que ficou mais civilizado, pois desenvolveu o comércio, a diplomacia e a educação, não seria uma guerra recente mais vergonhosa do que uma remota?

Enfim, se a matemática das vidas humanas pode ser discutível, sob uma perspectiva histórica o autor está certíssimo. Mesmo que nada mude a tendência de pacificação da humanidade, em nenhum momento devemos abrir mão da nossa vigilância a fim de se evitar novas tragédias.

Não sei se o autor comentou, mas a sociedade conectada é mais uma grande ajuda para um mundo que zela pelo respeito aos direitos humanos e, portanto, caminha para a tão sonhada civilidade. E que venha ao mundo nosso sétimo bilionésimo irmão!


Foto: Em julho, estive mais uma vez em La Rochelle e Île de Ré (foto), na região de Poitou-Charentes. O tempo decepcionou para julho. As fotos acompanham os próximos posts.

Outro post interessante deste blog: É o amor!

Sunday, October 23, 2011

Rugby - Epílogo

Não consigo deixar de pensar na Copa do Mundo de Rugby 2011, organizada pela Nova Zelândia, sob uma perspectiva franco-futebolística:

Na fase classificatória, a campanha da França passou por uma zebra, na derrota para Tonga, e ainda por um chocolate levado da Nova  Zelândia.  Depois de lavar muita roupa suja na concentração, comissão técnica e jogadores voltaram para a fase eliminatória com mais raça e entrosamento. Amarraram os jogos e apelaram para um rugby de resultados. Os jogos contra a Inglaterra e País de Gales foram feios, mas a tática funcionou.

Na semifinal, contaram com o apito amigo. Este último mudou de lado na grande final. Perder - de novo - para a franca favorita Nova Zelândia, por apenas 8 X 7 não é vergonha. Enfim, a França proclamou-se a campeã moral.

Próximas Copas: 2015 Inglaterra e 2019 Japão.

Thursday, October 20, 2011

A saúde de Carlita

Ao longo dos anos vividos na França, colecionei alguns furos do sistema de saúde francês testemunhados por vários colegas. Poderia escrever um punhado de posts macabros. De fato, o sistema não é perfeito, é “apenas” mais justo e igualitário. Talvez, um dos melhores do mundo.

Muitos brasileiros teimam em compará-lo com os poucos destaques da saúde nacional (Einstein, Fleury, entre outros). Teríamos que incluir toda a rede pública do país nesta comparação. Aí, a nossa desvantagem seria evidente.

Ao contrário do que se pensa, uma grande parte do sistema de saúde francês é privada. São as chamadas clínicas, que dão mais capilaridade e especialização à rede de hospitais públicos. Algumas características dos hospitais públicos: Triagem rigorosa (prioridade às situações mais graves), simplicidade (quartos individuais são raros) e medicina de altíssimo nível.

Existem algumas clínicas bem menos austeras do que os hospitais públicos, mas totalmente integradas ao sistema. Ou seja, mesmo optando-se por uma clínica, o governo paga a sua conta, o seu médico, os seus remédios, etc. No final, 80% dos gastos totais com saúde da França são reembolsados pelo Tio Nicolas. Os demais 20% ficam por conta dos extras, excedentes de honorários de clínicas e médicos, cirurgias não prioritárias e estéticas, etc.

Num sistema que busca a igualdade, até mesmo a opção de Carla Bruni por uma clínica privada, na ocasião da sua maternidade, causou desconforto. O diretor da clínica escolhida veio a público esclarecer que não dispensou qualquer tratamento privilegiado, salvo o dispositivo de segurança pessoal da esposa do Presidente. Afinal, como cidadã, grande parte das despesas do seu parto também serão reembolsados. Especula-se que tenha escolhido um médico particular, daqueles raríssimos não conveniados com o governo.

Num sistema bancado pelo Estado, poderia-se esperar um certo abuso, uma certa inflação do custo das internações e consultas. Pois é o contrário. As consultas médicas raramente passam dos 200 reais, bem longe da realidade brasileira. O mesmo se sucede com as despesas hospitalares em geral.

Enfim, esse contraste deixa evidente que o sistema brasileiro está viciado. Melhor corrigir antes que chegamos ao desespero norte-americano.


Foto: Última foto de Saint-Antoine l’Abbaye, a sua rua principal, que termina na pracinha mostrada no post de 9/10 (“Quinzena Francesa”).

Saturday, October 15, 2011

Novelão e cinemão

As primárias do Partido Socialista têm monopolizado a mídia francesa. A superexposição é uma faca de dois gumes. Conversei com alguns colegas simpatizantes do PS, eles confessam que estão incomodados com o fenômeno. Não aguentam mais o embate entre os líderes socialistas, que passou por debates na TV, ataques, intrigas e tudo que uma campanha política tem de pior.

Pelo menos a disputa interna acaba neste domingo, 16 de outubro, dia do segundo turno das eleições internas do partido. François Hollande ou Martine Aubry será o candidato do PS nas eleições de 2012. Os eliminados no primeiro turno (Manuel Valls, Jean-Michel Baylet, Ségolène Royal e Arnaud Montebourg) declararam apoio a François Hollande.  

Longe de querer dar palpite no país dos outros, torço apenas para que o partido esteja unido e preparado para o confronto com Sarkozy em torno de ideias e projetos para a França e Europa. Afinal, o continente enfrenta um momento difícil e não pode abrir mão da co-liderança da França para tentar solucionar os seus problemas.

Além de assistir ao novelão do PS, aproveitei as últimas duas semanas na França para ver quatro filmes recomendados, que chegam aos cinemas brasileiros apenas em 2012. Antes disso, só em mostras e festivais.

"The Artist" -  Melhor interpretação para Jean Dujardin (Cannes, 2011). Na época do cinema 3D, um filme em P&B e mudo pode chocar. O filme é bem razoável e, finalmente, Dujardin fez algo acima da média. Vale a pena assistir, por ser diferente.

"Habemus Papam" - Comédia italiana de Nanni Moretti. Confirmado para a Mostra de Cinema de SP. É uma comédia bem leve sobre um Papa recém eleito em crise existencial. A situação como um todo é bem original, mas o enredo não surpreende. Meio previsível.

"Drive" - Melhor direção a Nicolas Winding Refn (Cannes, 2011). Apareceu no Festival do Rio e, segundo alguns tweets, não vem para a Mostra de SP. O enredo parece bobo, um cara enfrenta sozinho uma gangue de mafiosos. Mas o filme é ótimo. Com uma ou outra cena muito violenta, o diretor consegue manter o suspense e a nossa expectativa. Valoriza as cenas de ação e até o elenco mediano parece ser formado por estrelas. Tem uma trilha sonora excelente. Quando o filme termina e acendem-se as luzes, dá para sentir as pessoas expressando algo como "uau". Imperdível. Veja o clípe

"De bon matin" - Que eu saiba não foi premiado, mas foi aclamado pela imprensa francesa. Ambientado no mundo corporativo, fala sobre o estresse e o assédio moral. Interpretações excelentes, mas no jeitão tradicional do cinema francês. Só vá se gostar do tema.


PS 1 - Assisti a um desses filmes numa rede independente. Normalmente, vou aos cinemas da rede UGC, uma espécie de Cinemark francês. No "Le Balzac", numa travessa da Champs Élysées, o dono do cinema, Jean-Jacques Schpoliansky, faz seus comentários antes do filme, enaltecendo a sua luta para manter o cinema independente, que privilegia os filmes de autor. O cinema estava em ótimo estado. Veja o próprio Jean-Jacques no vídeo. O "Le Balzac" também faz caixa retransmitindo as óperas de Paris a 25 euros o lugar. Não é a sensação de estar na Ópera Garnier ou na Ópera da Bastilha, mas com 25 euros não dá para fazer muita coisa.


PS 2 - A França ganhou do País de Gales e está na final da Copa do Mundo de Rugby. Amanhã, no mesmo dia das primárias do PS, ela conhecerá o seu adversário, Nova Zelândia ou Austrália. A França participou das finais das Copas de 1987 e 1999, sendo batida respectivamente pela Nova Zelândia e pela Austrália.  


Foto: Havia algo estranho naquele domingo em Saint-Antoine l’Abbaye (Isère). Eu sabia que era feriado religioso, mas cadê todo mundo? Não tardou para que chegasse a cidade inteira em procissão. Acima e abaixo, a sua igreja em dois momentos.


Sunday, October 9, 2011

Rugby 2011


Errei feio no bolão da Copa do Mundo de Rugby 2011. Entre os quatro semifinalistas, só acertei o dono da casa, a Nova Zelândia. A propósito, organizar a Copa custou tão caro aos cofres do pequeno e próspero país, que já se arrependeram. Conhecem algo parecido?

Esta é a sétima Copa do Mundo de Rugby. Assim como no futebol, os títulos parecem se concentrar em poucos países. A semifinal Austrália X Nova Zelândia, um clássico da Oceania e do mundo, reúne 3 dos 6 títulos mundiais já conquistados.

A outra semifinal é França X País de Gales, sem nenhum título na bagagem, mas prometendo um jogão. Vale lembrar que a França tem um rugby de ótimo nível. O esporte é popular, bem administrado e bem menos sujeito às ingerências e improbidades ludopédicas. Os “les bleus” podem chegar à final.

Para quem não sabe, as seleções nacionais de rugby usam e abusam dos apelidos:

Austrália - Wallabies
Nova Zelândia – All Blacks
França – Les Bleus
África do Sul – Springboks

Imaginei que o atual campeão, a África do Sul, chegasse mais longe. De qualquer modo, perder para a Austrália não é uma surpresa.

Falando dos Springboks, o Le Monde fez uma grande matéria sobre o destino dos jogadores que conquistaram a Copa de 1995, eternizada em Invictus. Vários deles contraíram doenças muito graves. Embora não haja sustentação científica, as próprias declarações dos ex-jogadores atestam que aquele título teve uma grande mãozinha de estimulantes de todos os tipos.

No vídeo acima, o “haka”, dança típica maori, adotada pela Nova Zelândia na abertura dos seus jogos. Ultimamente, não bota medo em ninguém, mas jogando em casa, os All Blacks são favoritos.

Quinzena francesa

Duas semanas na França: Uma em Lyon e outra em Paris. Tempo para trabalhar, rever os amigos e me atualizar sobre as coisas da França e da Europa. Mesmo acompanhando do Brasil, não é a mesma coisa. Quando estou aqui, me conecto plenamente com o país.

É bem verdade que a semana foi marcada pela perda de Steve Jobs, um evento que transcende aos EUA. São poucos os americanos tão admirados pelos franceses e Jobs era uma dessas exceções. Talvez, seu expoente.

Na política, valem meus comentários anteriores. Para o público interno, Sarkô continua buscando a máxima discrição, a invisibilidade. Quer fazer a diferença no exterior. Ganhou pontos com a Líbia e busca outras vitórias. O filho da Carla Bruni deve coroar a nova fase deste venerável homem de família. Enquanto isso, do outro lado do espectro político, trava-se uma feroz disputa para quem irá desafiá-lo no próximo ano.

Apesar da relativa estagnação e das perspectivas ruins, vi muita coisa funcionando bem por aqui desde a minha volta definitiva para o Brasil. A Economia é puxada pelo setor público e tem um monte de coisas acontecendo: Reforma e expansão do metrô de Paris, novas linhas de grande velocidade, novos museus, etc.

Nos esportes, a semana foi muito boa para a França. Na Copa Mundial de Rugby, ela eliminou a Inglaterra e se qualificou para a semifinal contra o País de Gales. No futebol, a classificação para a Eurocopa está na mão. No próximo post, eu falo mais sobre o rugby.


Foto: Mais uma foto em Saint-Antoine l’Abbaye, em Isère. A pracinha principal ao lado da sua igreja, local de peregrinação para os devotos de Santo Antão.