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Wednesday, April 7, 2021

A trágica sina de uma pátria malandra


 

O recente episódio da vacinação clandestina de políticos e empresários mineiros é muito emblemático. A malandragem brasileira talvez tenha ido longe demais.

Em quase todo o mundo, a guerra contra a Covid-19 exigiu que os Estados assumissem a distribuição das vacinas, definindo critérios para estabelecer a ordem em que seus cidadãos recebem as suas doses. Isso vale até mesmo para países sem tradição de grandes campanhas de vacinação universal. Pois é, o Brasil, uma referência no assunto, virou motivo de chacota.

A discussão sobre a abertura de frentes de vacinação paralelas não vingou em quase nenhum país. No Brasil, a expectativa pelo fura fila é enorme. Entretanto, pior do que discuti-lo é partir para o ato, como no caso da ação clandestina de Belo Horizonte.

A essa altura, todo mundo sabe do ocorrido. Os malandros que passaram a perna no esforço nacional de vacinação foram enganados por uma outra trapaceira, que não era enfermeira e nem aplicava vacinas. Os malandros se dão bem até encontrarem malandros melhores.

Todos os leitores têm suas histórias para contar sobre a nossa malandragem patológica, que possui ligações umbilicais com a corrupção na política e a criminalidade comum. Apenas para exemplificar, há poucos meses, num mesmo final de semana, senti essa delinquência nacional de perto:

1) Normalmente, uso aplicativos para comprar refeições (delivery). Nesse dia, decidi contatar o restaurante, que enviou seu motoqueiro com a maquininha. Fui ao seu encontro para pegar a encomenda e pagar com o cartão. Encurtando a história: o motoboy usou a sua própria maquininha, passou meu cartão e fugiu. Enganou a mim e ao restaurante de uma vez só.

2) No mesmo dia, minha esposa mostrou uma daquelas falsas campanhas concebidas para o sequestro da conta Whatsapp. Apesar da bela peça publicitária, ela estava atenta. Quando recebeu a mensagem com o tão desejado código do Whatsapp, a ficha caiu.

3) No dia seguinte, abasteci o carro no posto de sempre. Quando o tanque já estava pela metade, estranhei os frentistas. O posto guardou as cores verde e amarela, embora não fosse mais da Petrobrás. Mudaram a bandeira e ficaram na moita atraindo os incautos.

E assim vai. São inúmeros eventos sucessivos. Para evitar ser surrupiado ou sofrer algum golpe, melhor não se distrair por um segundo. O Brasil não é para amadores. Essa associação de corrupção, criminalidade e malandragem faz com que muitos dos nossos amigos lá fora desistam de voltar.

Enfim, gostaria de conhecer as respostas para este mistério brasileiro. Talvez aqueles que acreditam na roubalheira generalizada, até por fazer parte dela, sentem-se no direito de explorar o próximo. Afinal, ladrão que rouba ladrão... É a trágica sina de uma pátria malandra.

 

Foto: Uma outra tomada da Plaza Mayor, em Madrid. O inverno de 2020 foi bem camarada.

Thursday, January 9, 2014

A hora da caça

A explosão de violência no Maranhão é só uma face da migração da criminalidade do eixo Rio-São Paulo para o resto do país, especialmente para o Nordeste. Os índices relativos de homicídios das capitais nordestinas são dignos da Venezuela.

O quadro faz lembrar um capítulo da história da aventura humana, como conta Jared Diamond em "Armas, Germes e Aço".

Os homens primitivos espalharam-se pela Ásia e Europa a partir da África. Com as habilidades que os diferenciavam dos outros animais, tornaram-se exímios caçadores. Neste processo, as caças também evoluíam. Sobreviviam aquelas que tinham o reflexo da fuga, que não caíam nas armadilhas mais básicas e assim por diante. Ao longo de milênios, tal interação fez do homem um grande caçador e também permitiu a seleção dos animais mais espertos.

Em algum momento da história, nossos ancestrais entraram na Oceania e na América. Lá, os hábeis caçadores encontraram animais que jamais haviam convivido com o homem. Foi uma festa, pois caçá-los era muito fácil. Foram séculos de fartura e muito churrasco até a extinção completa dos grandes mamíferos dos dois continentes. A falta desses animais foi um dos fatores que condenaram ao atraso civilizações como as pré-colombianas e os aborígenes australianos, que não tinham animais de porte para puxar o arado, para o transporte e nem mesmo para uma alimentação correta.


Voltando ao século XXI. No Rio e em São Paulo, a polícia e os bandidos também evoluíram juntos. À cada ação de um lado, uma reação do outro lado. Após décadas jogando de caçador e caça, atingimos um certo equilíbrio. E o que acontece quando a bandidagem dessas cidades chega aos outros estados, onde encontra um corpo policial subdimensionado, despreparado e desequipado? A resposta é óbvia, a hora é da caça. Assim como é óbvio tudo que os governos devem fazer para reverter este quadro.

Nossos índices de violência são muito altos. Nem mesmo todo crescimento dos últimos anos não foi capaz de melhorá-los. Compreendo a visão humanista que norteia os partidos como PT e PSDB, mas clamo por uma ação mais enérgica. Sob o risco de que, amanhã, um espertalhão chegue ao Planalto prometendo apenas "colocar a ROTA na rua".


Foto: Última foto de San Diego, ainda no Balboa Park.

Saturday, August 17, 2013

Poltergeist

Alguns artigos estrangeiros celebram a queda da criminalidade no primeiro mundo. Bem, só podia ser lá fora, é óbvio! O mais interessante é que até mesmo a profunda crise não modifica a tendência. Segundo especialistas, o fenômeno deve-se a uma série de fatores como a vigilância onipresente, o envelhecimento da população, a eficácia das modernas técnicas de investigação, etc. Enfim, sob tais condições, o crime não compensa.

Já no terceiro mundo, o crime continua compensando. E muito. Em maio, escrevi o post "o crime da semana", sobre os eventos bárbaros que continuam nos chocar frequentemente. Convido você à sua releitura. Como será o próximo crime da semana?

Numa perspectiva histórica, Rio e São Paulo reduziram fortemente seus índices de criminalidade, mas ainda estão num patamar inaceitável. Em termos relativos, São Paulo é a capital menos violenta do Brasil. Nossos irmãos nordestinos, contudo, rivalizam com países em plena guerra civil. Suas taxas de homicídios são piores do que as iraquianas.

Uma das explicações mais comuns é que a bandidagem prosperou no Sudeste e invadiu o Norte e Nordeste, onde encontrou mais pobreza e uma polícia ainda mais despreparada. Atenção, eu disse "ainda mais"! Terreno perfeito para a explosão da violência. Se nós, paulistanos e cariocas, não admiramos nossas polícias, imaginem os outros!

Sonhamos com uma polícia preparada e competente, que investigue e solucione todos os crimes, independentemente das vítimas, seja um colunável ou o Amarildo. Sabemos que hoje é impossível. Desta forma, penso que quando se trata do "crime da semana", quando os holofotes da mídia estão sobre as 'otoridades', eles não deveriam falhar. É a chance de mostrar que a 'corporação' tem um pingo de seriedade.

A título de exemplaridade, para motivar os seus quadros e inspirar a confiança da população, esses crimes deveriam ser resolvidos. Que tragam especialistas de fora e usem os recursos mais modernos que a tecnologia proporciona!

Infelizmente, as polícias do Rio e São Paulo perdem essa oportunidade. Brindam-nos com histórias pouco críveis. Exemplos? No Rio, tivemos o poltergeist do Amarildo, quando vários dispositivos eletrônicos falharam simultaneamente. Em São Paulo, a história policial já nos trouxe personagens fantásticos como o Homem Invisível na Rua Cuba, o Homem Aranha no sequestro do Sílvio Santos e, mais recentemente, o malvado Chuckie, matador de famílias.


Foto: Um convento no centro de Bruges. Tranquilidade pura.

Saturday, May 11, 2013

O crime da semana


Há tempos, queria fazer um post sobre criminalidade. Já falei bastante sobre crimes do colarinho branco no Brasil e na França. Porém, nunca escrevi sobre nossos homicidas comuns, aqueles que ceifam a vida de mais de 40 mil conterrâneos a cada ano. Então, vamos lá.

Já nos acostumamos ao "crime da semana". Invariavelmente, temos um evento semanal, que recebe todas as atenções, pois, de alguma forma, ultrapassa a linha vermelha. Esse limite parece residir em dois aspectos, brutalidade e localização. O conceito de brutalidade é evidente. O aspecto geográfico é menos óbvio e mais cruel. Quanto mais perto das áreas nobres, mais grave.

Excepcionalmente, importamos algum crime, que nos faz esquecer do nosso "crime da semana". E, ainda pior, dos outros 40 mil assassinatos que acontecem no Brasil.

Mesmo tendo passado por um histórico período de prosperidade, não houve qualquer progresso nos índices de violência brasileiros. Houve variações internas: melhorou no sudeste e piorou no nordeste. Para mim, é muito claro que a criminalidade não está associada à pobreza em si. Talvez, à sensação de desigualdade, e, com certeza, à falência do sistema policial, judiciário e prisional.

Na onda do "crime da semana", às vezes, nossa sociedade acena com medidas cosméticas. Só bobagens. Até quando? Por que não resolver a questão da segurança pública? Por que tolerar índices de homicídios tão altos?

Acredito que muitos políticos já fizeram a conta e concluíram que não vale à pena abraçar essa causa (e ainda ser taxado de reacionário!). O "crime da semana" não é suficiente para mobilizar a sociedade, ou seja, o grupo de pessoas tocadas diretamente pelas dezenas de eventos anuais não forma uma massa crítica para tal mobilização.

Ainda existem outros 40 mil assassinatos que acontecem nas favelas, morros e área menos favorecidas. But, who cares? Se, algum dia, o Brasil for um país realmente desenvolvido, talvez nossa geração seja vista como genocida.


Foto: A rua junto ao muro de Saint-Paul de Vence