Thursday, February 25, 2010

PIGS

Provavelmente, as imagens das manifestações na Grécia já tenham chegado ao Brasil. São protestos contra o rigoroso aperto orçamentário imposto pela União Européia (UE) ao país, a beira de uma convulsão social.

Também estão na imprensa européia, as histórias de um país totalmente entregue à corrupção, colocando-se em dúvidas a sua própria adesão à UE. Para quem é do tipo corajoso, as férias de verão nas ilhas gregas estarão um pouco mais em conta em 2010.

Os problemas da UE não terminam por aí. O grupo dos "PIGS" (Portugal, Itália, Grécia e Espanha) é fonte de preocupação constante e ameaça o futuro da UE. Esses países aproveitaram-se muito bem dos primeiros anos da Eurolândia, mas agora estão em franca recessão. A Espanha tem 4 milhões de desempregados e uma senhora bolha imobiliária.

Vale notar que a economia está dando sinais de retomada, porém insuficiente para resolver o problema. Aqui entre nós, muitos outros países da UE estão no mesmo barco.

Como se diz na Europa, a disciplinada e forte Alemanha carrega todo mundo nas costas. O verdadeiro castigo da Alemanha não foi a sua destruição ao final da Segunda Guerra. Eles terão de trabalhar para sustentar os PIGS e o resto da Europa para sempre. "Arbeit macht frei".


Foto: Uma última tomada do Château de Pierreclos, na Borgonha.

Monday, February 22, 2010

Coyote

A França vai seguir o exemplo de outros países, rendendo-se à indústria das multas. O governo acaba de anunciar a multiplicação dos radares. Nas estradas principais, o limite de 130 km/h parece-me razoável. O problema é que no perímetro urbano o limite é de 50 km/h. Isso é um exagero!

A penetração dos GPS é muito grande no mercado francês. O aparelho é quase indispensável para quem queira explorar a grande e bem conservada malha viária européia. Entretanto, os GPS não são muito bons na localização dos radares, pois não possuem atualização em tempo real. Assim como no Brasil, os antirradares são proibidos.

Uma empresa francesa (Coyote) finalmente resolveu o grande problema do motorista francês, através de um pequeno dispositivo que usa tecnologia GPS, mas sem os mapas. Quando um dos seus usuários passa por um radar, ele aperta um botão e o aparelho informa a sua posição para uma central, que mapeia continuamente a posição de todos os clientes da Coyote. Sempre que se aproximarem de um radar, receberão um alerta. Sistema simples, legal, atualizável em tempo real e símbolo dos novos tempos de colaboração.

O sucesso é tamanho que alguns dos principais fabricantes de GPS (e.g. Tomtom) estão incorporando este serviço nos GPS tradicionais. Com certeza, o modelo da Coyote vai se espalhar pelo mundo. Pelo menos, a Lei de Gérson se espalhou.


Foto: Outra tomada do Château de Pierreclos, ao sul da Borgonha.

Wednesday, February 17, 2010

Viva o H1N1!

Essa vai ficar para o próximo livro da série Freakonomics. As estatísticas hospitalares francesas dos últimos meses são uma grata surpresa. Constata-se uma redução brutal nas internações devido a inúmeras doenças infecciosas, como gastroenterites. Ainda sem comprovação científica, tudo indica que a resposta é ainda mais surpreendente (para os franceses, mas não para os brasileiros).

O excesso de preocupação com a Gripe A levou a uma revolução nos hábitos higiênicos na terra de Pasteur. As pessoas lavam as mãos com mais frequência e tomam mais cuidado na hora de espirrar. Até mesmo aquele gel de álcool tem sido muito vendido por aqui.

Evidentemente, esses novos hábitos não surpreenderam apenas o desprestigiado vírus da gripe A, mas também aqueles milhões de coliformes fecais que ficam passando de mão em mão até encontrarem as suas vítimas. Viva o H1N1!


Foto: Fotos do Château de Pierreclos, ao sul da Borgonha, um dos mais próximos de Lyon. No site, vocês poderão ver que em torno do castelo há muita atividade, da vinícola até a realização de eventos. Durante a minha visita, mobilizavam-se para preparar uma cerimônia de casamento.


Sunday, February 14, 2010

Sobre esses objetos voadores identificados

Há dez 10 anos, o acidente do Concorde da Air France nos arredores do aeroporto Charles de Gaulle era notícia. O avião símbolo da cooperação européia e inspirador do consórcio Airbus saía de cena. Neste mês de fevereiro, o assunto volta à tona, pois o julgamento do caso está começando.

A maior surpresa do episódio é que quem está no banco dos réus é a americana Continental Airlines. Uma peça que caiu de um dos seus aviões teria sido a causa do acidente que vitimou 113 pessoas. A história não é muito convincente, mas é o argumento da promotoria. A Air France também reivindica indenizações. O resultado será conhecido daqui a quatro meses.

Enquanto a confirmação da venda dos Rafales para o Brasil (e para nenhum outro país) não sai, a vida da aeronáutica européia continua difícil. O A380 foi um projeto caro, mas pelo menos saiu. O caso do avião de transporte militar A400 é outro tormento. O atraso de quatro anos e o custo adicional de 11 bilhões de euros estão pesando nas contas da EADS (matriz da Airbus). Depois de tanto esforço, a empresa ameaça abandonar o projeto se as nações européias não mostrarem um maior comprometimento ($$$) com a iniciativa. Sarkô e Merkel puseram a mão no bolso, mas não tinha muita coisa.

Para quem quiser saber mais, a TV francesa apresentou um ótimo debate sobre os assuntos tratados acima em janeiro último. Vejam em http://tinyurl.com/yhay97y O programa também explora se a China será ou não uma ameaça para aviação civil e militar européia. Segundo eles, é coisa para mais de 30 anos. Veremos.

Gong Xi Fa Cai!


Fotos: Acima, mais uma foto de Roussillon, na Provence. Abaixo, o destaque para o restaurante do hotel em que estive hospedado, dominando a paisagem. Foi mais um típico hotel francês, onde tudo gira em torno da cozinha. E como em outras oportunidades, a gente volta para casa com muito aprendizado e uns quilos a mais.


Saturday, February 13, 2010

Carnaval em branco


Na França, o Carnaval vai passar em branco. Continua nevando. Nesses três anos, foi sem dúvidas o inverno mais rigoroso. Não pelos picos de baixas temperaturas, mas pelas nevascas e pela longa ausência do sol. Enfim, tive de enfiar o pé na neve para sair de casa durante algumas semanas.

Se não tem Carnaval, pelo menos tem férias. Fevereiro é o mês das "férias de esqui". São duas semanas de repouso para pais e filhos. E como quase todo mundo vai para os Alpes, o país teve que se organizar. As férias de fevereiro e abril são escalonadas. A França é dividida em três regiões e, a cada semana, uma entra em férias.

As estradas que levam às estações de esqui são estreitas, pois contornam as montanhas. Assim, a viagem não é tão diferente daquelas que os paulistanos tanto conhecem, quando vão às praias nos feriados prolongados.

Graças ao inverno rigoroso, as estradas estão ainda mais difíceis, com neve e as perigosíssimas placas de gelo. Os estoques públicos de sal acabaram (usado para evitar a formação das placas sobre as estradas). Estão misturando areia no sal! Talvez seja uma oportunidade para quem esteja louco para deslizar sobre a neve. Pode começar a fazê-lo dentro do carro, bem antes de chegar à estação. Bon courage!


Foto: Na Provence, a ponte romana Julien, do ano 3 AC. Ela faz parte da antiga Via Domitia que ligava Narbonne a Turim. Até 2005, ainda passavam carros sobre ela! Ou seja, mais de 2000 anos de exploração.




Tuesday, February 9, 2010

O quinto

A previsão de que o Brasil será a quinta economia do planeta pegou de vez. Tem muita gente repetindo. Não é preciso de um conhecimento matemático profundo para se chegar a esta brilhante conclusão. Trata-se de uma simples projeção.

Eu também torço para que o Brasil seja a quinta potência do planeta. E por que não a quarta, a terceira, a segunda ou a primeira? Tenho certeza que o Brasil chegará lá, só não sei quando.

2020? Impossível. 2030? Muito difícil. 2040? 2050? Bem, a partir daí, a coisa começa a ser mais razoável. Por trás das hipóteses mais otimistas, o Brasil continua crescendo continuamente num ritmo acelerado. Já os países europeus estagnariam ou teriam crescimento muito modesto. Claro que é possível, mas é um cenário extremo. Todos os ciclos de crescimento brasileiros - pelo menos, aqueles que eu vivenciei - foram travados pelas deficiências de infraestrutura, repique inflacionário, câmbio, descontrole fiscal, etc.

Por outro lado, os países nórdicos não estão muito preocupados com o ranking do PIB. A Coréia está preocupada em ser a sexta potência? Também não. A gente sabe que o problema do Brasil não é o tamanho do PIB, mas a sua distribuição. Quando vejo o governo festejando a projeção um pouco ufanista, parece que voltamos no tempo. Naqueles tempos em que o lema era fazer o bolo crescer, para depois dividí-lo. Quem diria, hein?


Foto: Uma outra tomada do centro de Roussillon, na Provence.

Saturday, February 6, 2010

Bons ventos

No subúrbio parisiense de Drancy, uma situação inusitada. O Imam da grande comunidade islâmica apela frequentemente por proteção policial. A ameaça vem dos próprios muçulmanos. Hassen Chalghoumi tem 36 anos e representa o melhor do Islã.

Vejamos alguns dos pontos que provocam a ira de uma minoria entre os seus próprios correligionários:

- Apoia o banimento da burca
- Defende do diálogo do Islã com outras religiões
- Quando das manifestações contra Israel, durante a campanha de Gaza, denunciou o tom das críticas, que denotavam um certo antissemitismo
- Manifesta solidariedade com a comunidade judaica pela Shoah (Holocausto)
- Propôs um conselho islâmico para formar um grupo de princípios (fatwa) para orientar a adequação do muçulmano à vida republicana

O leitor deste blog deve se perguntar: Como esse cara ainda está vivo? Eu também não sei! A verdade é que a comunidade de Drancy está mais pacífica e com muito menos incidentes de intolerância. Infelizmente, Hassen é uma exceção.

Citando Bernard-Henry Lévy, um dos intelectuais mais renomados da França: "A contradição principal dos nossos tempos, a verdadeira guerra de civilização, não é o conflito entre o Ocidente e o Islã, mas entre o Islã e o Islã; no seio do Islã, a luta de morte entre o Islã democrático e o Islã integrista. E eu adiciono sobretudo que esta luta não é uma questão religiosa, mas política."

Um outro filósofo havia comentado o assunto de uma forma diferente. Assim como as sociedades de herança cristã passaram por um processo de secularização, chega a vez das sociedades islâmicas. Elas resistem, e muito. Todo esse conjunto de conflitos que se espalham pelo mundo representariam o canto do cisne do Islã. (Mas como canta esse cisne!)


Foto: Acima, o núcleo urbano de Roussillon, base da minha estada na Provence em outubro último. A tonalidade vermelha domina o casario. Do amarelo ao vermelho, todas as casas são pintadas com tintas feitas do ocre local. Abaixo, a fonte do ocre, a menos de 1km do centro.




Wednesday, February 3, 2010

Pactos diabólicos - Epílogo

Esta sequência de posts foi inspirada no líder religioso norte-americano Pat Robertson, que ganhou quinze minutos de fama fora dos EUA, após as suas declarações sobre a tragédia haitiana. Os leitores deste blog certamente acham que se trata de um simples fanático. Eu diria que é bem pior do que isso.

Pat falou para sua torcida. São muitos milhões de americanos: Brancos, geralmente protestantes praticantes, geralmente eleitores do Partido Republicano. Eu digo geralmente, pois ele tem feito grandes esforços para aumentar a sua base. Lembro que ele já foi candidato à presidência dos EUA.

Pessoalmente, Pat não odeia apenas os negros do Haiti, mas todos os negros. E também os judeus, os muçulmanos, os homossexuais e os direitos da mulher moderna. Ele também odeia as outras correntes protestantes (ele é batista) e os católicos. Ao mesmo tempo, possui uma facilidade inigualável de fazer alianças com qualquer um desses grupos para atingir os seus objetivos. Ele faz pactos.

Apesar da profunda rejeição aos católicos papistas, Pat encontrou no Vaticano um grande aliado para o mais mortal dos seus inimigos: O direito ao aborto. Afinal, o Papa ainda desfruta de uma certa credibilidade, e gosta de sair por aí defendendo o ideário da extrema direita. Mesmo com todo esforço que Pat empreende para fazer uma frente cristã nos EUA, são os próprios protestantes que o sustentam.

O séquito de Pat mais ladra do que morde. Entretanto, esses cristãos radicais já fizeram inúmeros atentados a clínicas e médicos que fazem aborto. Também dão muito trabalho à Justiça americana, entrando com uma avalanche de processos contra os direitos dos homossexuais e das mulheres. Que a Suprema Corte seja louvada!

A aliança inusitada de Pat com Israel é mal compreendida até mesmo entre os judeus. Ele é um antissemita ferrenho, mas um grande aliado de Israel. Aliado de boca e de bolso. Seus motivos vão desde a existência de um inimigo comum (o Islã radical) até aspectos religiosos (vide Apocalipse), que prefiro não explorar em respeito aos leitores.

Enfim, quem é Pat Robertson para falar sobre o pacto com o Diabo?


Foto: Outro castelo importante na região de Salon-de-Provence, o Château de La Barben origina-se de uma fortaleza de quase mil anos. A sua transformação em castelo clássico deu-se no século XVII. O castelo passou 500 anos nas mãos da mesma família (Forbin). Hoje, desenvolve função hoteleira.