Friday, June 22, 2012

Euro 2012

Pelo bem do esporte, nos torneios europeus, é melhor se evitar quaisquer metáforas históricas ou abstrações que fujam da prática desportiva. Depois de tanto sangue derramado, nada como a competição saudável para confraternizar e semear a paz.

A imprensa europeia costuma resistir às piadas fáceis nesses tempos de Euro 2012 - a Copa do Mundo sem o Brasil e a Argentina. Ou melhor, resistia. A partida desta noite (quartas de final) entre Grécia e Alemanha está tirando a imprensa da linha.

As graves circunstâncias econômicas que abalam o continente opõem claramente os dois países. Dizem por aí: “Se a Alemanha quer tirar a Grécia do Euro, a Grécia pode tirar a Alemanha da Euro”.

Para um país economicamente arrasado, a partida desta noite é simbólica. Um comentarista grego prefere lembrar a Batalha de Creta (1941). Os nazistas tomaram a ilha grega, mas com o custo de mais de 3200 mortos. O futebol grego não é grande coisa, mas com este espírito heroico, o jogo promete.

Estou acompanhando a Euro 2012 na Europa, onde os jogos são transmitidos à noite. Nesta semana, estive num importante evento de informática. O coquetel / jantar de abertura foi simultâneo às partidas França X Suécia e Inglaterra X Ucrânia.

Alguém já disse que o europeu não é tão ligado no futebol quanto o brasileiro? A organização do evento trouxe duas TVs de grande formato, que ficaram em dois cantos do imenso salão. Quando os jogos começaram, metade do público dividiu-se entre ambos.

Entre tantas nacionalidades, inclusive coadjuvantes ucranianos e suecos, como era de se esperar, os ingleses foram os mais ruidosos. Não só torciam pela Inglaterra, como se manifestavam contra a França, mesmo estando em Paris. Os franceses estavam excessivamente intimidados pela derrota perante a medíocre Suécia. O Le Monde diz tudo: “La débâcle de Kiev”.

Aproveitei boa parte do jogo para comer e conversar com uma panelinha de brasileiros da Brasscom e Softex, que promoviam a nossa informática aqui na Europa. Mais comia do que conversava. Afinal, eu fui lá para comer, conversar ou assistir ao jogo?


Foto: Centro de Chicago.

Sunday, June 10, 2012

Airframe

 
"Armadilha Aérea" (1996) não é dos livros mais conhecidos do finado Michael Crichton, mas tem uma trama envolvente e extremamente realista. A investigação de um acidente aéreo mistura a tecnologia, os interesses corporativos, as relações com a China, a ação dos sindicatos, a cobertura da imprensa e a natureza dos acidentes. Sim, a verdadeira natureza dos grandes acidentes, quando acumulam-se falhas técnicas e erros humanos. 

Ainda recomendo a leitura do livro e não quero estragar a surpresa do leitor, pois é só nas últimas páginas, que a "significativa contribuição" do piloto para o acidente é revelada. 

O acidente fictício de Crichton foi menos trágico do que aquele do vôo Rio-Paris (AF 447). Na vida real, não houve sobreviventes e restaram poucos destroços para análise. Na vida real, nada se compara ao drama dos parentes das vítimas. Em comum, a investigação pelas autoridades, a cobertura da imprensa, os interesses dos fabricantes, da companhia aérea e da seguradora.

As falhas na medição de velocidade do Airbus são conhecidas. Também sabemos que já não se fazem mais pilotos como antigamente. Entretanto, tudo isso não convence. É aí que aparece o furo da TV americana: No momento do incidente, quando a experiência do piloto era essencial, o comandante Marc Dubois não estaria na cabine, mas com sua amante, uma comissária da companhia. 

Talvez, o detalhe jamais seja provado. As autoridades francesas já anteciparam que o relatório final não inclui a intimidade dos funcionários. Entretanto, é justamente esse tipo de detalhe que deixa tudo mais consistente. É a famigerada sequência de erros que transformam um incidente num grave acidente. 

Pelo fato de ser passageiro habitual da companhia, fiquei muito chocado à época da queda do avião. A inexistência de uma explicação convincente incomodava. A ideia de um piloto tarado pode deixar muita gente indignada, mas explica. Afinal, faltava justamente alguma coisa mais humana para compreendê-lo. Mais humana do que uma sonda Pitot.


Foto: Acima e abaixo, a residência e estúdio de Frank Lloyd Wright em Oak Park, Chicago. Projeto de 1909. O tour pelas casas do arquiteto em Oak Park sai de lá.



Wednesday, May 30, 2012

Geography for dummies

Há poucos anos, a Turquia implorava para entrar na União Europeia. Queria seguir os passos de outros países do velho mundo, que desfrutavam de certa prosperidade (PIGS). Entrar na Zona do Euro seria o máximo!

O ex-presidente Sarkozy, no entanto, estava determinado a barrar os planos turcos. Muito antes do agravamento da crise, ele disse: "A Turquia não entra na União Europeia, por que não é um país europeu".

A Turquia agradece à geografia de conveniência do Sarkozy. O país se salvou das ingerências de Bruxelas e a sua arquirrival Grécia está em plena desintegração. Se não fossem as divergências em torno do genocídio armênio, o ex-presidente seria um ídolo na Turquia.

Nesta semana, Angela Merkel mostrou que geografia não é seu forte. Numa sala de aula, ela foi convidada a mostrar a cidade de Hamburgo num mapa mundi. Seu raciocínio foi lógico, localizaria primeiro Berlim e, depois, a sua cidade natal. O problema é que ela procurou por Berlim na Rússia. Alertada pela professora, exclamou: "O que? A Rússia? Tão perto?". Os alunos gargalhavam.

Decepcionante. Seria estresse? Ignorância? Ato falho? Difícil de se explicar. Se no seu mapa mental, Berlim está dentro da Rússia, onde estaria a adorada Grécia? Talvez, no Irã.

Quando se fala de geografia, é claro que ninguém supera George W. Bush. Entre algumas das suas célebres citações:

"Do you have blacks, too? (2001, para FHC)
"Border relations between Canada and Mexico have never been better" (2001)
"Wow! Brazil is big!" (2005, para Lula) 


Fotos: Acima e abaixo, a famosa Robie House de Hyde Park, na periferia de Chicago. A casa de 1909 é considerada símbolo da escola arquitetônica liderada por Frank Lloyd Wright, primeiro estilo genuinamente americano.



Sunday, May 20, 2012

Die Meister, Die Besten


Cada vez mais, estamos ligados na Liga dos Campeões.
Vi muita gente dando uma escapadinha do trabalho para ver as suas semifinais, quando da eliminação dos times espanhois.


A Liga tem sido o sonho dos tempos europeus, assim como a Libertadores por aqui. No campeonato europeu, sobra organização, dinheiro e um grupo de talentosos jogadores comprados do mundo inteiro. É por tamanha concentração de craques, que o torneio só perde em prestígio para a Copa do Mundo.

Quando posso assistir a um jogo deste super campeonato da UEFA, faço a questão de fazê-lo desde o começo, para não perder a vinheta de abertura. O hino da Liga arrepia torcedores e jogadores .

A música de Tony Britten, inspirada em Handel, está ali para reverenciar os maiores craques do planeta. Sua letra diz (alemão, francês e inglês): "Die Meister / Die Besten / Les grandes équipes / Os campeões".

Muito dinheiro. Muitos craques. Muita organização. Hino maravilhoso. E o futebol? Bem, vamos com calma, por que nada é perfeito. Há controvérsias.

Quando eu era mais jovem, jogar como o Chelsea, num esquema defensivo 4-5-1, era visto como antifutebol. Não é nem apostar no contra-ataque, é um esquema covarde mesmo, contando com o acaso, com o erro alheio. Tem dado certo.

O futebol mudou muito nos últimos anos. Os esquemas defensivos superam os ofensivos, os jogadores são os mais exigidos fisicamente, uma guerra de talentos virou guerra de nervos e até o Brasil joga "feio". Enfim, considerando-se esta nova realidade, o Barcelona é que joga o antifutebol. 



Foto: Acima, a casa Arthur Heurtley, projeto de Frank Lloyd Wright, de 1902. Dá para entendre o arrojo do arquiteto pelo estilo que dominava Oak Park à sua época, como mostra a foto abaixo.




Saturday, May 12, 2012

Compensação


Fiquem tranquilos, pois já compensei as emissões de carbono associadas à leitura deste post (e dos próximos), através da Action Carbone, da Fundação Good Planet. Agora, vocês podem ler mais relaxados ;-)

Muita gente anda compensando as suas emissões de carbono ou equivalente por aí. Tem várias ONGs sérias envolvidas no processo. Se todo mundo fizer o mesmo, salvamos o Planeta?

Obviamente, não. Mesmo considerando que todos os agentes envolvidos sejam honestos.

"Plantar árvores para compensar as emissões de gases de efeito estufa e não tomar ações concretas para reduzí-las na fonte é como pedir um refrigerante light para acompanhar um duplo cheese bacon" (Joel Makower)

Fico especialmente irritado quando uma empresa apresenta-se como "verde" graças ao seu programa de compensação através de reflorestamento. Enganação.

1 - O reflorestamento é um atenuante louvável, mas não pode compensar processos obsoletos, poluidores ou ineficientes. Cabe a todos nós revê-los, buscar caminhos alternativos e mais eficientes para reduzir a emissão de gases de efeito estufa.

2 - O mundo está trabalhando há anos com o conceito de sustentabilidade, que envolve muito mais do que as emissões de carbono. O Pacto do Milênio da ONU é uma boa referência para o assunto.

Enfim, da próxima vez que um fornecedor apresentar-se como "verde", por causa do bosque plantado por ele, ria!


Veja também: Saco! (13/10/2009)


Foto: Acima e abaixo, o Unity Temple (1908) de Frank Lloyd Wright, em Oak Park, nos arredores de Chicago. O arquiteto frequentava a Congregação Universalista e ainda habitava em Oak Park. Este arrojado projeto colocou FLW definitivamente no topo da arquitetura mundial do começo do século XX.



Saturday, May 5, 2012

Choque

França, 2 de maio de 2012. Ao entrar no no escritório da Rhodia em Aubervilliers, periferia de Paris, um colega foi vítima de furto, daqueles bem conhecidos no Brasil: Quebra-se o vidro e leva-se a bolsa. Nenhum dano pessoal, apenas o choque.

Diante de uma situação tão incomum, a administração do prédio, sede de P&D e Informática emitiu um alerta. Entre outras recomendações:

- Travar as portas do carro enquanto dirigir;
- Não deixar bolsas ou objetos de valor visíveis no seu veículo;
- Não deixar a chave no contato mesmo que sair do veículo por um instante;
- Não deixar os documentos no carro.

Para os brasileiros, tais orientações parecem piada, afinal convivemos com a insegurança pública há muitos anos. Se esse tipo de orientação é cada vez mais frequente na França e na Europa, vale ainda algumas ressalvas:

- Foi um furto e não um assalto. Os episódios com armas de fogo são raríssimos.
- Aubervilliers é uma área periférica. Conhecido como subúrbio ruim de Paris, palco de rebeliões e carros queimados, aguardou por muitos anos a definição da sede dos Jogos Olímpicos. A reurbanização da área estaria associada aos Jogos. Com a derrota para Londres, o projeto atrasou. Hoje, o bairro está em plena transformação.
- As poucas ocorrências merecem a devida atenção. Envolvimento de todos e da Polícia garantem que a banalização da violência pela sociedade ainda esteja muito distante.

Com os quatro anos de França, tenho uma coleção de casos de falcatruas e pequenas violências para contar. Algumas delas testemunhadas por brasileiros. Mesmo com a chamada decadência europeia, viver no "rico" Brasil continua muitíssimo mais perigoso.


Foto: Na tomada do lago Michigan, destaque para a Willis Tower (ex-Sears), que ainda é o mais alto dos EUA.

Sunday, April 22, 2012

Picolé de escargot

Comecei a escrever neste blog (e no antigo fotolog) na ocasião da minha mudança para a França, pouco antes do Sarkô assumir o primeiro mandato. Ao longo desses anos, mostrei o que o Presidente tinha de pior. Excepcionalmente, reconheci algumas qualidades.

Apesar de tanto ter insistido na rejeição popular ao Presidente, confesso que sempre acreditei na sua capacidade de virar o jogo e conquistar a reeleição. Nem sempre pelos seus méritos, mas pelos deméritos dos concorrentes.

O único nome que escapava desta incompetência generalizada era DSK, cujo destino é bem conhecido de todos. Se François Hollande (FH) estivesse no Brasil, não seria chamado de "picolé de chuchu", pois este apelido já tem dono. Talvez, "picolé de escargot". Alguns jornalistas da imprensa anglo-saxônica o chamam de "Mr. Normal". Não sei se alguém que proponha um aumento de imposto de renda para 75% possa ser considerado normal.

Plantu lembrou uma velha piada, comparando FH com o maior socialista da História, Cristóvão Colombo: Quando partiu, não sabia para onde ia. Quando chegou, não sabia onde estava. E tudo isso com o dinheiro dos outros!

Agora só um milagre tira a vitória de Hollande no segundo turno. Não foi FH que venceu. Foi Nicolas Sarkozy que perdeu. Perdeu pela imagem de esnobe e elitista que construiu. Pelas reformas prometidas, que deixou de fazer. Pela duvidosa liderança da União Europeia exercida junto com a Alemanha. Pela situação em que deixa o país.

Antes de tudo, a França enfrenta uma crise de sociedade. Há uma dúvida profunda sobre o modelo do país, este Estado tão generoso inserido num capitalismo competitivo, dominado pelos "mercados". E, como se não bastasse, a integração interna (imigrantes) e externa (Europa) são dois problemas cruciais para o futuro deste país. Enfim, não eleger Sarkô é dar uma chance para os ventos da mudança. A virtual eleição de Hollande no segundo turno é acreditar na exceção francesa.


Foto: Um dos cartões postais do Navy Pier (Chicago), a escultura "Crack the Whip" de  Jo Saylors.