Sunday, November 22, 2009

O pestinha

Vai para o Panteão ou não vai? Entre políticos e intelectuais, a discussão do momento é se os restos mortais do grande escritor e filósofo Albert Camus devem ser transferidos para o Panteão. Lá, poderão ficar ao lado de Victor Hugo, Alexandre Dumas e Emile Zola, entre vários heróis e expoentes da cultura francesa.

A obra de Camus é incontestável: O mito de Sísifo, A peste, O estrangeiro, A queda e tantos outros. Pensando bem, por que Camus e não seu desafeto Sartre? Por que Descartes e Balzac não estão no grande templo republicano parisiense?

A decisão é puramente política. No caso, o pestinha Sarkô quer criar um fato político. Camus é um "pied noir", ou seja, um argelino descendente de franceses e repatriado à França. A Argélia é uma mácula na história da França, algo que foi mal resolvido e ainda desperta muito ressentimento. Sarkô, com popularidade em baixa, precisa de bondades para serem capitalizadas.

A obra de Camus é universal e merece esta honraria. Estar no Panteão é a maior das homenagens póstumas da França. Apesar de sua família ter acordado com a homenagem, tenho minhas dúvidas se ele mesmo aceitaria participar desta encenação.


Foto: Outra tomada das belíssimas falésias de Etretat.

Thursday, November 19, 2009

Entre taças e copas

Com a classificação para a Copa garantida, o povo foi às ruas comemorar. Fizeram muita bagunça. Evidentemente, estou falando sobre a classificação da Argélia.

A imprensa cobria a seleção da França, mas o povo estava preocupado com a Argélia. Aqui é assim mesmo, a França tem que rezar para não cruzar com Argélia, Tunísia ou Marrocos, para não ver a Marselhesa sendo vaiada em casa.

Eu não acompanhei a campanha de classificação da Argélia nem do Brasil. Só a da França. As imensas dificuldades desta seleção não significam que o time que tirou o Brasil da última Copa não possa aprontar de novo. Trata-se de uma equipe muito instável. Thierry Henry, num dia de muita inspiração, pode desequilibrar qualquer jogo, com ou sem mão na bola.

Ouvi barulhos e fogos quando acabou o jogo da Argélia. Não houve nada de especial após o jogo da França. O silêncio noturno só foi interrompido à meia-noite, quando os fogos de artifício em Lyon anunciavam a chegada do Beaujolais Nouveau 2009. A safra 2009 saiu bem acima da média. Agora resta saber se os japoneses e americanos vão comprar os mesmos volumes do passado. Na foto, o rótulo da garrafa que eu acabei de trazer do supermercado. Santé!

Wednesday, November 18, 2009

Sushina

Os restaurantes japoneses estão em todos os lugares. São Paulo tem o privilégio de contar com uma vasta comunidade de origem nipônica. Sorte! Pois entre as centenas de restaurantes, existem alguns excepcionais. Já na França, a história é diferente.

A oferta de comida oriental sempre foi bem mais variada por aqui. Até pouco tempo, havia uma distribuição equilibrada de japoneses, chineses, vietnamitas, coreanos, tailandeses, cambojanos, etc. Era assim até a vigilância sanitária apertar o cerco. Um sem número de restaurantes foram fechados e quase todos japoneses se salvaram.

Para os antigos proprietários, a solução foi reabrir seus estabelecimentos adotando a prestigiada gastronomia japonesa. Eles aprenderam a lição. A cozinha está mais limpa. O cenário é bem japonês, mas os funcionários são todos "made in China".


Foto: Típica cidade normanda, Avranches guarda os manuscritos da Abadia do Monte Saint Michel. A foto foi tirada do museu que abriga estes documentos, de onde também se avista o monte.

Saturday, November 14, 2009

Corridinha invernal

Correr quando a temperatura esta próxima de zero graus não é tão difícil. O difícil é tomar coragem para tal! Como as roupas térmicas estão cada vez melhores e, por que não dizer, mais baratas, o maior risco é passar calor e não "morrer de frio".

Para cada condição climática há uma combinação correta de agasalhos. No caso mais extremo, três peças: Uma primeira pele, o agasalho em si e um blusão corta-vento. Enfim, dá para se enfrentar -15 a -20 graus, mantendo-se toda a mobilidade e conforto para uma boa corridinha.

Até o começo de outubro, consegui correr de calção e camiseta, como fazia no Brasil durante o ano inteiro. A partir do final de outubro, o jeito foi mudar o guarda-roupa esportivo. Uma das marcas mais conceituadas é a Odlo. Mas, quem quiser gastar (muito) menos, tem uma linha bem razoável na Decathlon.

A outra pequena inconveniência das corridas de inverno é que há mais peças para serem lavadas depois da atividade esportiva. Claro, isso é frescura de brasileiro. Os franceses não têm esta preocupação.


Foto: O Monte Saint-Michel visto da estrada. A abadia é o principal ponto de atração francês fora da região parisiense (mais de 3 milhões de visitantes anuais). O rochedo é local de peregrinação cristã desde o século VIII e a abadia começou a ser construída no século X. Notem que Saint-Michel em português é São Miguel Arcanjo.

Site oficial: http://mont-saint-michel.monuments-nationaux.fr/

Thursday, November 12, 2009

Sarkô e as suas negas

O Presidente não dá mesmo sorte com as afrodescendentes. Marie NDiaye, ganhadora do Prix Goncourt 2009, o mais importante da literatura francesa, expressou o seu descontentamento com a França dos dias de hoje. Após receber o prêmio, disse que a posse de Sarkô foi um dos fatores que mais pesaram na sua decisão de se mudar para Berlim.

Para completar, um político ligado a Sarkô sugeriu que artistas com tal honraria tivessem uma certa reserva perante o público. Marie estava até pensando em recolocar as suas declarações, mas depois dessa, todo mundo virou-se contra o político e seu partido. Considerando-se a importância do Goncourt, Sarkô vai ter que engolir!

Marie NDiaye foi apenas um episódio. Pior mesmo é a Ministra dos Esportes Rama Yade. Ao longo dos primeiros anos da gestão de Sarkô, ela mostrou que não se curvaria a todas as demandas do Presidente e do Primeiro Ministro. Quase no limite da insubordinação, o comportamento só multiplicou a sua popularidade. Hoje, ela é a número um no quesito. Sarkô não tem muito a fazer. Uma possível demissão a transformaria numa heroína.


Foto: Arromanches, cidade famosa pelos dois portos artificiais construídos a partir do Dia D (Mulberry Harbours). Os restos das estruturas metálicas ainda estão na praia e são a grande atração.

Sunday, November 8, 2009

Pink Waterman

No meu recente post sobre igualdade, tomei cuidado para ficar só nas minorias étnicas e não comparar os papéis dos homens e das mulheres na sociedade. Até por que, como disse uma ministra francesa, as mulheres não são minoria. Pelo contrário, são maioria!

As mulheres são maioria nas funções menos qualificadas e no emprego temporário. Mesmo com um nível de educação médio superior ao masculino, quando se trata das funções mais nobres, a sua presença diminui. E com salários menores.

O problema é complexo. A França já possui várias leis protegendo as mulheres. Talvez, o excesso de proteção seja um tiro no próprio pé. Um exemplo: As mulheres com filhos podem ficar em casa todas as quartas-feiras, pois eles não têm aulas. 20% dos dias a menos num país com praticamente dois meses de férias faz diferença!

Na primeira fase do seu governo, Sarkô tinha seu ministério igualmente dividido entre homens e mulheres. Talvez agora ele dê um belo golpe eleitoral. Seu governo igualitário, porém "macho", vai resolver o problema: A França imporá uma cota de 40% de participação feminina nos conselhos de administração das empresas públicas e privadas abertas. A medida tem ainda alguns anos para entrar em vigor. Por enquanto, já estão estudando a forma de punir as empresas que não cumprirem as regras.

As mulheres merecem, mas essas canetadas demagógicas são perigosas.


Foto: O castelo normando de Balleroy, do século XVII, passaria despercebido senão fosse cuidadosamente mantido pelo magnata americano Malcom Forbes, que o adquiriu nos anos 70. O castelo é assinado por Mansart. Os jardins, por Le Nôtre. A decoração interior ficou por conta do americano e seu especial gosto pelo balonismo.

Saturday, November 7, 2009

Palma de Ouro

O falecimento de Anselmo Duarte, único brasileiro agraciado com a Palma de Ouro, me inspira a fazer uma breve nota sobre o vencedor de 2009. Quem foi à mostra de cinema de SP ou RJ talvez tenha visto "A fita branca" ("Das weisse Band") de Michael Haneke, uma produção austríaca.

Pelo que entendi, o filme entrará em cartaz no Brasil no finalzinho de 2009 ou começo de 2010. Bom para vocês, meus leitores! Enquanto milhões de manés vão fazer fila para ver o filme sobre o Lula, vocês poderão assistir cinema de verdade, algo raro nos dias de hoje.

Na Europa, o filme já está no final de temporada. Eu o assisti hoje à tarde. Duas horas e meia de filme P&B, ambientado numa vila rural protestante do norte da Alemanha, tem tudo para ser chato. Ao contrário, mantendo um clima de suspense, o filme tem momentos trágicos e muito tocantes. Se contar mais, estraga. Confiem no juri do Festival de Cannes!



Foto: Falando em Alemanha, lá vai uma peça de artilharia em bom estado de conservação, como muitas que encontramos especialmente em Longues-sur-Mer. O conjunto faz parte da recepção aos aliados montada por Hitler na Normandia.

Thursday, November 5, 2009

Égalité

O espírito igualitário da Revolução Francesa ainda me surpreende no dia a dia. Anos-luz do que eu conheci no Brasil. Só tem um detalhe: Em 1789, a igualdade foi estabelecida entre brancos. Os revolucionários de todos os naipes não prepararam a nação modelo de república e democracia para os milhões de árabes que nela se abrigariam quase dois séculos depois.

Apesar dos esforços, os bolsões de pobreza estão por aí, nas periferias de Paris, Lyon e Marseille. Nada comparado com as favelas brasileiras, mas muito longe do ideal de igualdade de outrora. Os conflitos de rua de alguns anos atrás mostraram a ferida para o mundo inteiro. A ascensão de Obama também evidenciou que falta alguma coisa no sistema francês.

Ministérios não faltam. Tem o Comissariado da Diversidade e Igualdade de Oportunidades e o Ministério da Imigração e Identidade Nacional. Este último, por exemplo, lançou um debate público sobre o que é ser francês. Apesar das críticas, muita gente o tem apoiado. Com o grande contingente de imigrantes, a questão faz sentido. Antes explorada pelo governo, do que manipulada pela extrema direita.

Já o Ministério da Diversidade tem proclamado medidas cosméticas. A França acaba de impor o CV anônimo, no qual o nome, o sexo, a nacionalidade e a idade dos candidatos são omitidos. A eficácia desta medida é questionável. Politicagem!

Integração e igualdade de oportunidades estão entre os assuntos mais complexos da humanidade. Não há soluções perfeitas. O que importa é a real vontade de se integrar as populações marginalizadas, mas sem fisiologismo, aqueles agrados que rendem votos e apenas empurram o problema mais para frente.

Foto: A última foto de Bayeux, uma tomada da Catedral Notre-Dame, do século XI. A tapeçaria de Bayeux ficou exposta na Catedral durante oito séculos.

Sunday, November 1, 2009

Bayeux

Pela imagem do antigo seminário de Bayeux (foto acima), não podemos deduzir o que ele esconde. Na viagem pela Normandia, em pleno mês de agosto, foi o único lugar em que enfrentei fila. Meia hora de espera! Nem o Monte Saint-Michel tinha fila.

O local abriga a famosa Tapeçaria de Bayeux, um bordado do século XII, com 70 metros de comprimento, que conta um capítulo importante da história: A conquista da Inglaterra pelo normando Guilherme em 1066. Antes da conquista, ele era Guilherme o Bastardo. Depois, Guilherme o Conquistador. "Quelle différence!" Depois dele, ninguém mais tomou a Inglaterra.

O museu abriga basicamente a tapeçaria, que leva pelo menos 40 minutos para ser vista. A peça de lã está muito bem conservada e, sem dúvidas, merece a visita.

Encontrei um vídeo muito interessante, com uma versão animada:
Clique aqui http://tinyurl.com/yextpud

Para uma descrição das cenas:
Clique aqui http://tinyurl.com/4rmdsj

Para o site oficial:
Clique aqui http://tinyurl.com/yjqgjd6

Como eu já havia antecipado, uma parte desta história está viva até hoje. O idioma inglês incorporou milhares de palavras latinas pela influência normanda. Por alguns séculos, a Inglaterra ficou dividida em termos linguisticos: Os nobres falavam francês e latim. A plebe, inglês. A tapeçaria, por exemplo, tem texto em latim.

O detalhe é que Guilherme não falava exatamente francês, mas normando. Entre as diferenças mais conhecidas entre o francês e normando da época, o G e o W: Guillaume X William, guerre X war, garde-robe X wardrobe, guarantie X warrant, etc. Notem que, neste último caso, o inglês absorveu a palavra warrant do normando e, tempos depois, guarantee, direto do francês. Os exemplos não param por aí. Já o meu post, termina aqui. A propósito, em inglês: finish (origem latina via francês), terminate (origem latina direta) e end (origem germânica).