Wednesday, April 28, 2010

O Leão de Lyon

Na França e no Brasil, estamos em época de acerto com o Leão. A Receita Federal brasileira tem um case de sucesso internacional com o seu sistema de cálculo e coleta da declaração de ajuste do IRPF. A França ainda trabalha muito na base do papel (existe a opção eletrônica também). A boa surpresa é que o governo envia o formulário praticamente preenchido.

Não há nenhum milagre. As empresas informam quanto pagam aos seus funcionários, os bancos informam quanto pagam de juros aos investidores e assim por diante. No formulário que recebi do fisco francês, as receitas estão 100% corretas, só preciso acrescentar dois abatimentos, assinar o formulário e colocá-lo no correio.

Essa é uma diferença meramente cosmética. Existem grandes diferenças entre os dois países. 1) Na França, não se trata de uma declaração de ajuste, é declaração de renda mesmo, pois não existe retenção de imposto na fonte. 2) O desconto para dependentes é muito significativo. Grosso modo, quatro filhos colocam qualquer um próximo da “isenção”. Não é à toa que o francês é o povo mais fértil da Europa. 3) Tem muito incentivo fiscal para ajudar o Estado a minimizar o seu déficit habitacional. Uma boa idéia para o Brasil. Voltarei ao assunto mais para frente.

Enfim, a França é famosa pelo apetite do Leão. A diferença mais significativa entre o Brasil e a França é que há uma clara contrapartida à colossal quantia de imposto coletado. O Estado francês não peca pela falta de retribuição ao seu povo. Peca pelo excesso.


Fotos: Duas tomadas de Bayonne, no País Basco francês. Acima, uma visão do outro lado do Rio Adour a partir do centro da cidade. Bayonne é cortada pelo Adour e seus afluentes, como o Niva, mais presente nos cartões postais da cidade. Abaixo, às margens do Niva, no trecho onde as fachadas são menos coloridas. Notem a fortaleza da cidade ao fundo da foto, no melhor estilo de Vauban. A fortaleza está do outro lado do Adour, sobre a elevação mostrada no lado esquerdo da primeira foto.




Sunday, April 25, 2010

Contagem regressiva

A Copa está chegando. Daqui a poucas semanas, o futebol dominará todas as conversas. Nessas horas, é péssimo estar longe do Brasil. São raros os países que mudam a jornada de trabalho para adaptar-se aos horários dos jogos.

A França é bem mais cautelosa. Habituada com a possibilidade de desclassificação logo na primeira fase, nada de empolgação e horário de trabalho normal. Se o time passar, bem, aí vale uma torcidinha extra.

Por enquanto, ainda não me planejei para assistir aos jogos do Brasil. Na última Copa, eu consegui manter uma televisão ligada no jogo do Brasil durante a reunião do comitê diretor do qual participo. Felizmente, foi antes da humilhante eliminação contra ELES.

A França entrará na Copa muito desacreditada. Classificação sofrível com o toque de mão de Henry e um gigantesco escândalo de prostituição afetando os maiores craques nacionais. Os jogadores estão intimamente ligados a uma rede de prostituição de menores. Usam os serviços das meninas e ainda promovem a rede. A desculpa esfarrapada é a mesma em todo mundo: "Eu não sabia que eram menores", admitiu Ribéry, o super craque do Bayern e da seleção francesa. Ninguém vai para o xadrez, mas todo mundo vai passar na delegacia e contar o que sabe.

O único alento ao futebol francês é o Lyon muito perto de uma final histórica da Copa dos Campeões. Allez l'OL! Já com relação ao Brasil, vocês estão bem mais informados do que eu.


Foto: Em Bayonne, as tendas diante dos prédios recebem a Feira do Presunto de Bayonne, um orgulho local. Nas fotos abaixo: Uma tomada no interior da tenda e um poster do evento.







Tuesday, April 20, 2010

Depois do vendaval

Dezenas de milhares de pessoas ainda estão retidas ao redor do mundo por conta do bloqueio aéreo do qual a Europa começa a se livrar. Confesso que está sendo divertido ouvir as aventuras dos primeiros colegas que estavam na Ásia ou nas Américas e voltaram à França.

Entrar nos poucos vôos iniciais foi um sufoco. A regra básica é desobedecer a companhia aérea e botar pressão. Essa história de aguardar em casa não funciona. Meus colegas desembarcaram em Toulouse ou Marselha. Quem disse que havia trens, carros de aluguel ou mesmo hotéis para todos?

O trem é a alternativa lógica na Europa. Porém estamos em período de férias e dois amáveis sindicatos de maquinistas ainda estão em greve. Resultado, pouquíssimas vagas. Restam as locadoras de veículos. Não há carros para todos. De qualquer forma, quem eu encontrei passou o domingão na estrada.

Não foi só no trabalho que eu tive surpresas. No início da semana, recebi um recado da empregada. Ela estava retida na Tunísia, pois passou alguns dias num resort. Bem, não é à toa que, aqui na França, tratamos a empregada como Madame.


Foto: Bayonne em dia de feira. Nada como chegar na cidade em dia de feira, com bandas pelas ruas e até mesmo a Festa do Presunto, mas isso fica para o próximo post.


Sunday, April 18, 2010

Être ou ne pas être, telle est la question

No Brasil, Eike Batista virou orgulho nacional. O primeiro brasileiro entre os dez homens mais ricos do mundo. Uau! Um ídolo, um exemplo. Na França, é diferente. Os poucos bilionários que não mudaram para a Suíça, Bélgica ou até mesmo (quem diria) Inglaterra são uma vergonha nacional. Eles simbolizam que o sistema foi incompetente na redistribuição das suas riquezas ao resto da nação.

O ambiente é complexo. Existe a herança revolucionária, o trauma das guerras de religiões e o desejo de se construir uma sociedade mais igualitária. Enfim, os bilionários se escondem. Ouvi dizer que eles sentem cócegas no pescoço o tempo todo. Uma força oculta tenta separar as suas cabeças dos seus corpos.

O ícone da tributação francesa é o imposto sobre fortuna, que inspira muitos "comunas" brasileiros. Posso garantir que ele é o mais perverso de todos. Para começar a pagá-lo, basta ter um patrimônio na faixa dos 700 mil euros. O proprietário de um apartamento de 100m2 em Paris já é um afortunado! As injustiças causadas pelo sistema são enormes. Poderia encher esta página de exemplos.

Tirar dos ricos para dar aos pobres tem limite, que vocês já conhecem muito bem. A França está perigosamente perto dele. Milionários fogem. Espalham seu patrimônio em paraísos fiscais. Usam testas de ferro e laranjas. O pior para o país é a perda de um certo empreendedorismo, do investimento do risco e, por que não dizer, da inovação.

Sarkô sabe disso. Ele sabe que aumentar os impostos é um tiro no pé. Por isso, ele havia prometido à elite francesa uma certa proteção tributária. Entretanto, as contas do governo exigem novas receitas. Preservar os mais ricos é um suicídio político.

Economia é economia, política é política. Sarkô está encurralado. Ele tem duas opções: Dar um tiro no pé ou um tiro na cabeça.


Foto: Bayonne, Anglet e Biarritz formam uma aglomeração única. Se Biarritz e suas villas possuem um certo glamour, Bayonne tem o seu charme, a sua autenticidade. Na foto, o belo casario ao longo do rio Nive, coração de Bayonne.


Saturday, April 17, 2010

O céu pode esperar

A inesperada erupção do vulcão islandês faz estragos. Apesar da sua contribuição para a redução das emissões de carbono, seja pela redução do tráfego aéreo ou pelo gigante filtro solar instalado sobre a Europa em plena primavera, os danos na economia são consideráveis.

Do lado prático, vocês podem imaginar o impacto na vida das pessoas. Tem um monte de gente querendo voltar para casa! Os hotéis próximos aos aeroportos estão lotados. Mesmo nas cidades, começam a faltar quartos. Há muita gente dormindo nos aeroportos também.

Entre meus contatos mais próximos, sortes diversas. Alguns esperam a liberação dos céus franceses em casa, outros em hotéis. Lembrando que nesses casos, ser reembolsado pela companhia aérea não é evidente. Felizmente, eu estou esperando a minha hora de embarcar, em casa, em Lyon.

Um colega se deu muito bem. Escapou de Lyon via Madrid, uma rota muito mais lógica do que a minha. Graças à minha fidelidade a Air France, eu acabo sempre passando por Paris. Durante a última noite, a imensa núvem de cinzas alcançou o centro da França e o aeroporto de Lyon também fechou. Sem escapatórias.


Foto: Para terminar as fotos de Biarritz. Acima, um detalhe da entrada do Palácio Imperial. Abaixo, uma villa próxima ao hotel em que estive.


Nota: O Facebook não importou corretamente alguns dos meus posts do Blogger. Se você tiver a ligeira impressão de que eu fiquei muito tempo sem escrever, vá ao meu perfil ou ao Blogger. Os posts engolidos pelo Facebook foram "What else?" e "Os miseráveis".


Wednesday, April 14, 2010

Sobre húngaros e zingaros

Não vou falar sobre o Sarkozy, mas sobre o país do seu pai, a Hungria, que teve eleições nesta segunda-feira. Levei o Monde de domingo para ler no TGV. Havia dois artigos sobre a Hungria. Curiosamente, assinados por jornalistas diferentes e em seções diferentes. Até achei que tinha misturado o jornal de sábado com o de domingo!

O Editor não salientou a ligação dos dois. Um era sobre os ciganos. Outro, sobre os húngaros étnicos espalhados pela Europa Oriental. Eles revelam uma escandalosa incoerência da extrema direita húngara, que está longe de ser exclusividade daquele país.

Após a Primeira Guerra Mundial, com o desmembramento do Império Austro-Húngaro, a nação húngara histórica foi dividida em pedaços. Os húngaros étnicos espalham-se por países como a Romênia, Eslováquia e Ucrânia.

A extrema direita húngara evoca a grande nação de outrora. Sonha com a redenção dessas minorias supostamente mal tratadas, com a sua emancipação e, quem sabe, com a reconstrução da grande Hungria.

Até aí pode parecer uma pequena loucura. Mas é muito pior. Ao mesmo tempo que reclamam da sorte dos seus irmãos espalhados pela Europa, castigam e maltratam a maior minoria do seu país, os ciganos. Na União Européia, existem 9 milhões de ciganos, sendo que um grande contingente está entre Hungria e Romênia.

Os ciganos húngaros são marginalizados. As agressões verbais e físicas são uma constante. São sacos de pancada. A extrema direita húngara não para por aí. Na campanha, usou e abusou do discurso antissemita para justificar os males do país. Seja com o comunismo ou com o capitalismo, para eles, o culpado é sempre o mesmo.

Abril de 2010: A extrema direita conquistou pouco menos de 20% dos votos.


Fotos: Ainda em Biarritz, duas vistas do famoso rochedo que destaca-se na orla. Acima, num entardecer encoberto. Abaixo, entre duas villas.



Saturday, April 10, 2010

What else?

Nas prateleiras dos supermercados franceses, uma grande novidade. Ou melhor, uma bomba: As cápsulas de Nespresso alternativas, ou seja, não feitas pela Nestlé. A primeira é a L'Or (uma divisão da americana Sara Lee) e a segunda vem com a marca do supermercado Casino (acionista francês do Grupo Pão de Açúcar).

Nespresso é um dos melhores negócios da Nestlé, crescimento de 20% ao ano, faturamento de 2 bilhões de euros, quase 200 lojas pelo mundo e muito lucro (devidamente escondido no balanço da gigante suíça).

Nas minhas passagens por São Paulo, constatei a ascensão da marca também no Brasil, apesar dos preços salgados. Aqui na Europa, ela é um pouco mais competitiva, ainda assim guardando o conceito de um produto "premium". Mesmo assim, ir às lojas Nespresso num sábado à tarde é certeza de encarar uma fila. Nas semanas que antecedem o Natal, aí então, pode-se contar com meia hora de espera.

A Nestlé contava com uma vida tranquila até 2012, quando expiram as patentes das primeiras gerações de cápsulas. Para a alegria dos consumidores, a competição já começou. Há quem espere uma batalha jurídica. Acredito que haverá espaço para todos, com a Nespresso dominado a faixa mais nobre.


Foto: Outra visão do núcleo central de Biarritz, a partir dos rochedos. O antigo palácio de Napoleão III destaca-se na paisagem. A minha segunda-feira de Páscoa acabou lá mesmo, onde apreciei o entardecer a partir do seu terraço.

Thursday, April 8, 2010

Os miseráveis

Os franceses adoram a Renault. Mas na hora de comprar carro, preferem a Peugeot-Citroën, ou até mesmo uma marca estrangeira. A Renault e seu ex-super-executivo Carlos Ghosn estão passando o chapéu. O governo já possui 15% do seu capital e, provavelmente, aumentará a sua participação. Ghosn, o mais internacional dos executivos, desperta mais pena do que inveja.

Já a outrora poderosa Daimler (Mercedes) não fica atrás. Seus míseros 8% do mercado automobilístico alemão somados a uma grande crise no setor de caminhões provocaram um prejuízo recorde de quase 3 bilhões de euros em 2009. Belo desempenho!

Renault e Daimler se merecem. A tão festejada associação visa ao mercado de pequenos, para alavancar a produção de Twingo, Smart, Classe A e outros. A Daimler vem de associações desastrosas com Hyundai, Mitsubishi e Chrysler. A união da Renault com a Nissan não chega ser um desastre, mas está longe de ser um sucesso.

Se a história das associações galo-germânicas se repetir, nós sabemos quem vai pagar a conta: O povo francês e o alemão, que preferem BMW, Citroën, Peugeot e Volkswagen, não necessariamente nesta ordem.


Fotos: O farol de Biarritz, visto de dois pontos da cidade. Na foto abaixo, a partir dos famosos rochedos de Biarritz.


Tuesday, April 6, 2010

Maníaco do metrô

Paris possui uma fantástica rede de transporte público ferroviário, composta pelo metrô e trens de subúrbio. Assim como Londres, esta conquista é fruto de mais de um século de ampliações e melhoria contínua. Com milhões de passageiros utilizando este tipo de transporte, acidentes são inevitáveis. De vez em quando, alguém cai - ou é empurrado - sobre os trilhos. Caso o trem passe por cima. Bem, não é preciso comentar.

Com o sistema de vigilância das estações, aqueles que empurram não têm como escapar. São localizados e presos. Em sua maioria são doentes. O maníaco desta semana é um esquizofrênico. Até mesmo a sua família o considerava perigoso. Na falta de antecedentes criminais, a generosa "gendarmerie" o deixou livre.

Depois de cada episódio desse tipo, reina uma certa tensão nas estações. As pessoas ficam um pouco mais distantes da linha amarela e mais atentas. Depois de duas semanas, a vida volta ao normal.

Como esse tipo de crime é recorrente, fala-se em isolar as linhas do metrô. Na linha mais nova do metrô parisiense (14), há uma separação entre o cais e os trilhos. Enquanto o trem não chega, as portas não se abrem. Quando o trem chega, as portas dos vagões abrem em sincronia com as portas da separação. Evidentemente, a solução não é barata. Ela tem sido usada nas linhas de metrô mais modernas do mundo, sobretudo asiáticas.



Foto: A villa mais famosa de Biarritz, a Villa Belza. No começo do século XX, era o endereço certo para as melhores festas da cidade. Passou por um período de decadência, foi abandonada e finalmente restaurada. Acima, a visão da praia (Côte des Basques), numa foto tirada nesta segunda. Abaixo, a partir do Rochedo da Virgem, numa foto tirada neste domingo. O tempo melhorou. E muito!


Sunday, April 4, 2010

Danette

Depois de duas décadas pressionando a Danone, os consumidores venceram. Um ícone dos anos 70 está de volta. Trata-se da embalagem de 500g de Danette, conhecida como "barquette", uma verdadeira febre de consumo da época.

Em tempos de alimentação saudável, a hesitação da Danone foi plenamente justificada. Entretanto, a agitação muito bem humorada dos fãs da barquette fez a empresa voltar atrás. A propaganda de relançamento reabilita Lady Lay, mega-hit francês dos anos 70 de Pierre Groscolas.

Eu não experimentei e nem vou. Esse negócio de comer meio quilo de creme de chocolate e não engordar é só para francês mesmo.



Foto: Uma bela villa em Biarritz, no País Basco francês.

Saturday, April 3, 2010

Enotas

Um expoente do meio artístico francês declarou à revista do Figaro, que um dos seus momentos inesquecíveis foi o aniversário de 800 anos da sua confraria. Oitocentos? Fui conferir.

Realmente, as confrarias de amantes do vinho proliferaram na França a partir de 1100, e várias delas ainda estão em atividade. A matéria do Figaro referia-se à "Jurade de Saint-Emilion", uma das mais tradicionais de Bordeaux. Em francês, os nomes "jurade", "commanderie" e "collège" substituem "confrérie".

O nome tem mesmo uma conotação religiosa pois, à época, religião misturava-se com tudo. As confrarias tiveram um papel político relevante. Formadas por homens livres, era uma forma de escape do controle dos senhores feudais. Com o declínio da Idade Média, elas integram-se ao aparelho do governo, através da administração de muitas das áreas vinícolas francesas. A ligação direta à Monarquia custou-lhes uma duradoura proibição após a Revolução.

Hoje, existem confrarias para todos os gostos. E nada como celebrar o amor ao vinho dentro da própria França, onde a seleção de vinhos espetaculares é imbatível.


Já nos EUA, o mundo do vinho teve uma péssima surpresa. O gigante americano E. & J. Gallo e mais alguns produtores franceses acabam de ser condenados na França e ainda aguardam a sentença norte-americana. O crime foi uma fraude digna do Paraguai. A Gallo tem uma linha de vinhos feitos com uvas francesas, vendidas no estilo americano. Ou seja, destaca-se a cepa, sem qualquer menção ao "terroir". O problema é que a demanda por Pinot Noir era maior do que a oferta. Gallo e seus parceiros não tiveram dúvidas, venderam Merlot e Syrah com o rótulo de Pinot Noir. Para um enófilo, um crime hediondo.


Foto: Páscoa no país basco francês. O tempo não ajuda, mas vim para Biarritz no feriado. Na foto, a antiga residencia imperial de Napoleão III, hoje um hotel de luxo.