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Sunday, November 30, 2014

Um dia de call

O plano era voltar de viagem na quinta e deixar a sexta livre para resolver os pequenos problemas do dia a dia. Ao longo da viagem, a cada um que solicitava um horário, dizia: marca na sexta! O resultado era previsível.

Quinta à noite, buscando saber o que teria de fazer no dia seguinte, olhei desconfiado para o celular. Eram uma dúzia de reuniões! Ao examinar a atribulada agenda, concluí que nem valeria a pena sair de casa. Todas as reuniões eram áudio-conferências ou chamadas simples, a partir das 7:30. Olhando pelo lado positivo, se estivesse no Brasil, começaria às 4:30.

Graças ao cansaço da viagem anterior, cometi um deslize (e não foi a primeira vez). Caí da cama e pulei para a primeira áudio. Não teria nenhum problema se alguns dos interlocutores daquela sexta-feira não insistissem em fazer a chamada com imagem.

Sim, eu sabia que teria duas vídeo-conferências, via Skype e Hangout. Entretanto, achei que daria para tomar um banho, barbear-me e trocar de roupa. Não deu! Como já está frio por aqui, coloquei  uma malha em cima do pijama e encarei a câmera.

De resto, foi tudo como previsto. O mais interessante foi chegar ao final do dia e apreciar a variedade linguística daquela longa jornada ao telefone: duas em português do Brasil, uma em português de Portugal, uma em inglês britânico, duas em francês, uma em francês belga e cinco no melhor inglês macarrônico. Isso sim é ser poliglota!


Foto:  Em Biarritz, a antiga residencia imperial de Napoleão III, convertida em hotel.


Sunday, April 21, 2013

Post-it

Em Lyon, fazia um esforço extra para deixar algumas notas bem escritas para a "femme de ménage". Texto claro em letra de forma. Melhor do que isso, impossível. Frequentemente, o post-it era acompanhado de um cheque.

Um dia, esqueci de deixar o cheque. Não foi calote, foi acidente! Aí veio uma troca de bilhetes. Não quero competir com o Piauí Herald sobre o magistral bilhete de Chico Buarque à diarista. Pelo contrário, o post-it que recebi é uma afronta histórica à língua de Victor Hugo!

Claro que guardei o bilhete original e a minha resposta. Na foto abaixo, só apaguei o nome dela. E não é por se tratar de uma doméstica, que a gente dispensa o "Madame"!

Mesmo quem não sabe nada de francês desconfia de alguma coisa estranha. Bem, já disse que o francês falado e escrito se distanciaram com o tempo. A língua de Voltaire não sofreu tantas reformas como o português.

A minha caríssima empregada só escreveu o que ela ouve e fala. Assim "vous n'avez pas laissé" virou "vous navepa leçe". Ela sim é um gênio, que deve ter alguma ligação com o cearense do post anterior.


Foto: Lojinha em Baux de Provence.

Wednesday, August 3, 2011

70, 80 e 90

Muitos sistemas de numeração da antiguidade eram vigesimais. Se foram os dez dedos das mãos que inspiraram a base decimal, acredita-se que, a inclusão dos dedos dos pés gerou a base vigesimal.

Os celtas, por exemplo, usavam a contagem vigesimal. Pela via gaulesa, o francês antigo uniu a tradição celta ao latim. Na língua romana, 30 é "triginta", 40 é "quadraginta" e 50 é "quinquaginta". No francês arcaico, 30 é "vint et dis", 40 é "deux vins" e 50 é "deux vins et dis".

A partir do fim da Idade Média, a base decimal começou a vingar na França. Como o leitor pode antecipar, o francês moderno conservou alguns resquícios do passado. As dezenas 80 e 90 são, respectivamente, "quatre-vingts" e "quatre-vingt-dix". Já o número 70, ficou perdido entre o mundo decimal e vigesimal, batizado como "soixante-dix".

A Academia Francesa reconhece os numerais "septante", "octante" e "nonante". Há algumas décadas, seu uso foi estimulado como forma de simplificar o aprendizado. Mas, a tradição venceu. Como curiosidade, o francês falado na França, Bélgica e Suíça tem pequenas diferenças com relação aos numerais 70, 80 e 90:

Bélgica: Septante, quatre-vingts e nonante.
França: Soixante-dix, quatre-vingts e quatre-vingt-dix.
Suíça: Septante, huitante/quatre-vingts/octante e nonante.

Na Suíça, o número 80 é falado de três formas diferentes, conforme o cantão:

Vaud, Valais e Fribourg: Huitante
Genève, Jura e Neuchâtel: Quatre-vingts
Algumas cidades do cantão de Fribourg: Octante

Na Dinamarca e no País Basco, a numeração também manteve a tradição vigesimal, assim como em outras línguas célticas ainda vivas, por exemplo, gaélico e bretão.


Foto: Ainda no centro de Arbois, o Museu do vinho do Jura, com o seu vinhedo urbano.

Saturday, November 6, 2010

Bugre do chuchu ou chuchu do bugre?

O Le Monde publicou o artigo "Dilma, a búlgara" neste primeiro de novembro. Não tem nada de especial, é apenas um pouco a mais de informação para os franceses que se interessam pelo pleito brasileiro.

O melhor do artigo são os comentários. Pela primeira vez, vi o site do Monde virar uma sala de discussão de brasileiros francófonos (ou nem tanto). Os primeiros comentários referem-se ao peso da origem na sociedade brasileira, uma discussão interessante. Os últimos retratam a divisão da nossa sociedade em torno da futura Presidente e do seu mentor.

O genitivo búlgaro me leva a tecer outros comentários de natureza linguística. Na França, muitas vezes ouvi a expressão "bougre", com múltiplos significados: Um cara normal, um cara um pouco estranho, um estrangeiro e, até mesmo, um homossexual. Descobri que o "bugre" do nosso português - relativo aos indígenas - é originário da palavra francesa. E afinal de onde vem o "bugre" ou "bougre"? Vem do latim "bulgarus" - búlgaro em português - no sentido de herege, quando o cristianismo praticado na Europa ocidental e oriental divergiam.

Lembro de mais outra contribuição francesa à nossa cultura. Quem nunca ouviu as expressões "chuchuzinho", "chuchu beleza" ou "meu chuchu"? Com certeza, elas não têm nada a ver com o chuchu. A origem é a palavra francesa "chouchou", que significa: Queridinho, preferido ou favorito. É bem verdade que "chou" significa couve, mas não se sabe quando o vocábulo saiu da horta e entrou no coração das pessoas.

Enfim, na França, dá para falar que a Dilma é o chuchu do bugre, que não precisa de tradução. E a pronúncia é praticamente a mesma. Ou seria a bugre do chuchu?


Foto: Três tomadas da Ópera de Viena. Acima, uma vista lateral. Abaixo, a vista frontal. E, ainda abaixo, uma tomada do seu interior.


Friday, December 11, 2009

Um post de merda

Se o Presidente pode falar merda em seu discurso, eu também posso fazer um post de merda! Ou melhor, sobre merda. Ainda melhor, sobre merde.

O francês é mais generoso com a merde do que o português com a merda. Se em ambos idiomas a palavra é considerada vulgar, no francês, merde é mais bem aceita. Mais incluída, talvez. Não só é usada no dia a dia, como possui uma ampla família de derivados, igualmente comuns. Vejam só os verbos:

Démerder: Se virar
Emmerder: Incomodar, aborrecer
Merder: Errar, estragar
Merdoyer: Variante de merder

Enfim, é muito difícil passar um dia sem utilizar algum dos derivados de merde. E eu já estou tão acostumado que nem liguei para o discurso do Lula. Aliás, palavrões combinam com ele.

Desde que foi eleito Presidente, Sarkô nunca pronunciou merde. Ele tem razões pessoais para evitar o vulgar vocábulo. Seu nome de origem húngara significa "na merda". Quelle merde!


Foto: O monumento a Rouget de Lisle em Lons-le-Saunier (Franche-Comté). Rouget é o autor da Marselhesa, que tem muito sangue, mas não tem merda.

Tuesday, October 6, 2009

Langue de bois

O não tão bem amado Jacques Chirac comanda uma fundação, que patrocina um programa bem original. Ao invés de filantropia ou ecologia, ela trabalha com a documentação e a preservação dos mais de 6000 idiomas da Terra. O tesouro linguístico do planeta tem valor inestimável. Além do aspecto cultural relevante, o seu estudo proporciona elementos importantes para a compreensão do percurso do homem desde os tempos mais remotos. Para saber mais, veja o site do programa Sorosoro.

Voltando à França e ao seu idioma culto e belo, é desnecessário dizer que os debates sobre uma possível reforma ortográfica continuam aquecidos. Já comentei uma ou duas vezes sobre isso, voltarei em breve com mais detalhes.

Mais interessante do que o debate sobre o idioma em si é a polêmica sobre a forma de utilizá-lo. Tudo indica que o povo não tolera mais a "langue de bois" ( língua de madeira, na tradução literal). Em bom português, trata-se da famosa enrolação. Para realizar uma dissimulação ou pura exibição, recorre-se aos chavões, eufemismos, conceitos abstratos ou banalidades. Conforme a situação, o tom vai da pompa à demagogia. Não é preciso dizer que é a língua de boa parte dos políticos.

Os soviéticos eram exímios empregadores da langue de bois. Os seus herdeiros da esquerda ideológica abusaram de generalidades como menções à vontade popular e à solidariedade. Certos ou errados, o povo quer algo mais direto.

Hoje, abolir a langue de bois é compromisso de formal de muitos candidatos. No movimento contra a langue de bois, surge o "parlé vrai", o discurso franco. Falar direto, simples e sem rodeios. A polêmica é se devemos ou não abusar dos palavrões e gírias. Há controvérsias.

Sarkô e alguns próximos estão engajados no parlé vrai. O líder do seu partido no Congresso, Jean François Copé, escreveu até um livro compromisso: "Prometido, eu acabo com a langue de bois". Isso não significa que ele não minta jamais. Ele mente. Mas não enrola.


Foto: Outra falésia de Etretat. A praia não é bem aquilo que o brasileiro entende como praia. De qualquer forma, a paisagem é espetacular.

Tuesday, September 1, 2009

Línguas 1

Depois da hibernação de agosto, em setembro, recomeçamos tudo num ritmo frenético. Afinal, o semestre inicia-se hoje e só faltam quatro meses para acabar o ano!

Um fato bem típico e amplamente divulgado por aqui é a reentrada literária. De setembro até novembro, surge uma avalanche de novos títulos, debates na TV, suplementos especiais nos jornais e revistas e também os resultados dos grandes concursos literários do idioma francês, dentre os quais o principal é o Goncourt.

Apesar de todos fenômenos culturais (globais) que promovem a troca dos livros tradicionais por outros meios de informação, na França, o livro continua uma sólida instituição. Vendendo muito. Os autores franceses, idem. Sem dúvidas, uma fonte de vitalidade para o isolado idioma francês. Mas, isto é assunto para o próximo post.


Fotos: Acima o Duomo, obra essencial da Renascença, assinada por Brunelleschi e Giotto, entre outros. Na foto abaixo, a visão a partir do seu campanário, para se ter uma noção do tamanho do conjunto em relação ao resto da cidade.


Sunday, March 8, 2009

Dantesco

O idioma de Victor Hugo - terrivelmente castigado pelos comedores de cuscuz - é vítima de outro ataque. Roberto Benigni (A vida é bela) chegou para a sua primeira temporada fora da Itália. Estive na estréia de "Tutto Dante", no Gran Rex de Paris.

Nunca a expressão "francês macarrônico" foi tão bem apropriada. Com seu sotaque carregadíssimo e sua gramática primária, ele castigou o francês durante quase uma hora. Ainda bem, pois essa foi a parte engraçada. A segunda hora foi uma palestra em italiano (com legenda) sobre Dante. O show termina com uma récita de um trecho da Divina Comédia.

Apesar do título do post, exagerado como o próprio Benigni, o saldo da noite foi positivo. A celebração de Dante pelo ator foi muito bem recebida na Itália. A minha preferência seria um show de humor completo com o Benigni ou uma palestra inteira sobre Dante, dada por Umberto Eco, por exemplo. Por enquanto, ficamos com este "mezzo umorista mezzo professore".

Na América Latina, Benigni fará sua exibição em Buenos Aires. Por coincidência, no Gran Rex. O nome é evidência de um passado glorioso do país vizinho. Algo muito remoto. Nem éramos nascidos.


Foto: Ultima da série de contrastes Londrino, o antigo templo abraçado pelo prédio envidraçado, nos arredores da Torre.

Monday, February 9, 2009

Geografia Hexagonal

O leitor já deve ter se acostumado com algumas expressões galocêntricas que tenho adotado neste blog. Pois saibam que é intencional!

O prefixo "outre" (ultra) é especialmente útil aos escritores, jornalistas e blogueiros franceses, que incorporaram várias expressões para designar outros países com base nas referências geográficas. Lembrando que o sentido original do prefixo latino ultra é além de ou do outro lado de. As expressões mais comuns são:

Alemão: "Outre-Rhin"
Americano: "Outre-Atlantique"
Britânico: "Outre-Manche"

A famosa sigla DOM-TOM refere-se aos departamentos e territórios franceses do ultramar ("outre-mer"). Menos usadas são as referências à Espanha e à Itália. Respectivamente, "outre-Pyrénées" e "outre-Alpes". Já a expressão "outre-Quiévrain" (mais culta do que as anteriores) serve como referência recíproca entre franceses e belgas (valões).

Finalmente, a própria França é citada como Hexágono, devido ao formato do país. Depois desta pequena nota de francês e geografia, parto para uma breve viagem. Volto logo!


Foto: Belo vilarejo medieval de Saint-Maurice-sur-Loire, na periferia de Roanne e às margens do Loire. Sem dúvidas, o melhor do último domingo. Prometo mais fotos.

Monday, January 12, 2009

Reforma Ortográfica

E por falar na nova ortografia, gostaria de enfatizar que quaisquer correções ao texto deste blog serão sempre benvindas. Trouxe um pequeno manual com as novas regras, mas ainda não memorizei tudo, sobretudo os segredos da hifenização, o novo grande charme da última flor do Lácio: Inculta, bela e padronizada.

A intenção de se alcançar uma única escrita para o nosso idioma é louvável, mas deixo aos filólogos e linguistas (sem trema) o julgamento da forma escolhida pelos acadêmicos. Antes de deixar o Brasil, li a crônica de João Ubaldo Ribeiro, um contrarreformista (sem hífen), com várias situações hilárias provocadas pela eliminação de muitos acentos.

Entre vantagens e desvantagens, eu apoio (agora, sem acento agudo) a reforma. A França, por sua vez, recusa-se a mexer no idioma de Victor Hugo, Molière e Dumas. O resultado é o distanciamento contínuo da língua falada e da escrita. Alguns acreditam numa conspiração elitista, uma vez que se forma uma barreira relevante para inclusão social ou no próprio mercado de trabalho.

Escrever bem em francês não é para qualquer um. Difícil imaginar que o idioma resista à geração torpedo, que transformou "qu’est-ce que c’est?" (o que é isso?) em "keske c".


Foto: Lyon, neste final de semana, às margens do Saône. Temperatura negativa e inversão térmica. Não é muito confortável para passear, mas vale a foto.