Tuesday, February 25, 2014

Neymar

Demoraram, mas acordaram. A blogosfera e a imprensa finalmente perceberam que o caso  Neymar não é apenas um escândalo catalão. Aleluia!

Desde o primeiro dia, soube que fomos lesados. Nós?! Claro, não se rouba o governo, roubamos uns aos outros. Acho que não preciso explicar isso para o leitor deste blog.

A sonegação do craque deve ser da ordem de dezenas de milhões de reais. Muitos políticos já foram crucificados por muito menos. São dois pesos e duas medidas?

Se quisermos ser um país sério, a regra deve valer para todos: estrelas do esporte, astros da televisão e até os mais renomados profissionais liberais.

A verdade é que existe uma classe de celebridades, acima do bem e do mal, que sonega descaradamente. Relação trabalhista vira contrato empresarial, CPF vira CNPJ, salário vira royalty, o banco da esquina vira banco uruguaio, etc. Tudo na maior cara de pau!

O povão entendeu com muito custo a injustiça da Copa. Talvez não entenda o caso Neymar. De qualquer modo, quem carrega nas costas a maior parte da carga tributária não é o povão, somos nós. Sim, vamos pagar tudo o que o Neymar sonegou. E existem vários Neymars por aí.


Foto: Museu Marítimo de Amsterdam (ótimo programa) e a réplica do velho Amsterdam.

Saturday, February 22, 2014

Mercado

Geralmente associamos os cartéis às grandes corporações. O recente imbróglio ferroviário paulista é mostra disso. Entretanto, a manipulação do mercado, o cerceamento da concorrência e a imposição de barreiras de entrada são mais banais do que parecem.

Tomo dois exemplos recentes de coisas que estão mais perto da gente do que a contratação de trens, um caso francês e outro brasileiro.

Paris é conhecida pela falta de táxis. Se você não estiver a fim de usar o transporte público, vai depender da loteria que é achar um táxi livre pelas ruas da cidade. Quando achar, ainda existe a chance de que o motorista recuse a viagem. Ah, sim! Isso é muito comum por lá.

O preço do táxi francês é controlado, como em muitos lugares do mundo. O problema está na oferta. A união dos taxistas transformou aquilo num clube fechado. O número total de veículos permanece o mesmo há muito tempo. Um novo motorista só entra se um outro sair e ainda pagando um prêmio de 200 mil euros. Apesar das investidas do governo, a categoria resistiu e não deixou aumentar a frota.

A saída do governo foi criar o serviço de locação de carros de turismo com motorista. Parece complicado? Na prática, é quase a mesma coisa do que o bom e velho táxi. A diferença é que não existe a possibilidade de chamá-los sinalizando-se para o motorista, usa-se exclusivamente a Internet, algo que, por sinal, também tem se tornado comum entre os táxis. Vários serviços como Allocab e Snapcar começam a comer o mercado pelas bordas e transformar Paris numa cidade tão boa para os negócios como é para o turismo.

Já o governo brasileiro tem uma mentalidade diferente. Todos estão alarmados com o aumento dos custos de hotéis e restaurantes em algumas sedes da Copa. Nosso governo está aparelhando-se para o controle de preços ao invés de ter trabalhado para aumentar a oferta há alguns anos. Tarde demais para revogar a lei da oferta e da procura!

Vou ao Maracanã participar da grande festa. Tive que me contentar com um bate e volta de São Paulo. Achei absurdo pagar bem mais de mil reais por noite em hotéis de segunda.

O Rio é mesmo um caso à parte, mas não precisava ser o lugar mais caro do mundo. Mesmo sem Copa e sem Olimpíadas, a cidade já tinha diárias monegascas. Não é novidade para ninguém que existe um cartel de hotelaria na cidade.

Enfim, os grandes cartéis corporativos são manchetes de jornais e alvos de multas milionárias. Mas, no dia a dia, são os pequenos cartéis que nos esfolam.


“People of the same trade seldom meet together, even for merriment and diversion, but the conversation ends in a conspiracy against the public, or in some contrivance to raise prices.”
Adam Smith (A riqueza das nações, 1776)



Foto: Outro cantinho de Amsterdam, foto tirada nas minhas férias de 2013.

Thursday, February 20, 2014

Esquerda

O termo "esquerda caviar" surgiu na França para designar aqueles socialistas que não abrem mão de uma vida de muito conforto. Uma vez no poder, esquerdistas daqui e dali apegaram-se ao luxo. Entretanto, devemos reconhecer, que essa geração foi às ruas e combateu pelos seus ideais.

É o caso dos líderes do PT - presidiários ou não -  e dos franceses, que quebraram tudo em 1968. No poder, são um péssimo exemplo para os comunas de hoje. Esses sim são diferentes. E como!

Os comunas de hoje terceirizam a bagunça. Para horror de Trotski, contratam pobres coitados e não-tão-pobres-assim para representá-los nas praças públicas das nossas capitais. Pedra pra cá, porrada pra lá, bala de borracha pra cá, rojão pra lá. Marx não imaginaria tão vil exploração do proletariado.

Mas nem tudo é decepção no mundo da luta contra as classes opressoras. Os trabalhadores estão mais unidos e não se dão por vencidos. Fizeram até um "rebranding" da baderna através do Black Bloc.

Eu sou do tempo em que um coitado fazia uma manifestação apenas por um lanchinho. Uma vez, cruzei com uma passeata na Paulista. Parecia um bando de zumbis, que mal sabiam repetir aquilo que o homem do megafone esbravejava. Como disse o poeta: "Que tétricas figuras!"

A remuneração dos manifestantes subiu de zero para 150. Imagina na Copa!

Enfim, já não se fazem mais comunas como antigamente. Qualquer hora eu volto para avacalhar com a nova direita brasileira.



Foto: Um canto de tranquilidade no zôo de Amsterdam.

Sunday, February 16, 2014

Alçapão

Fico perplexo com algumas bobagens que circulam pela Internet. Artigos falsos ou imagens manipuladas passam por milhões e muitos desses são bem intencionados. Ainda pior, são meus amigos no Facebook!

Poucas dicas são suficientes para poupar qualquer um do constrangimento de espalhar notícias falsas. Por exemplo, se encontrar uma matéria dizendo que a Dilma quer revogar a Lei da Gravidade, não repasse de imediato. Desconfie! Se a matéria for atribuída ao Globo, vá ao site do mesmo e confira. Senão, use o Google e busque “Dilma Revogação Lei da Gravidade”.

Redistribuir informações diretamente das páginas de fontes consagradas oferece menos riscos. Evite aqueles blogs quase desconhecidos ou textos copiados e colados no Facebook. Mesmo com todos os cuidados, o risco de retransmissão de algo ruim sempre existe.

Recentemente, também fui vítima de um golpe jornalístico. Nos primeiros dias de Sochi, a NBC publicou um “scoop”. Sua matéria alertava que, chegando-se à sede dos Jogos, todo celular era instantaneamente "hackeado”. Retransmiti a matéria pelo Twitter. Eu e milhares de pessoas.

Achei a notícia interessante, pois serve de alerta para o potencial de bisbilhotagem possibilitado pela tecnologia, sobretudo quando está nas mãos de um governo muito mais bandido do que aquele que patrocina a NSA. 

Os smartphones realmente podem ser violados dessa forma. Já foi o tempo em que para ter seu celular invadido era necessário baixar um aplicativo podre ou clicar num endereço suspeito. Basta receber um torpedo camarada e PUFF, já era! Se você for escolhido como alvo dos hackers, a invasão pode vir pelo wifi, bluetooth ou pela porta dos fundos

Ficou preocupado? Ótimo, era isso mesmo que eu queria. Siga os conselhos do seu consultor de TI preferido e não transforme seu aparelho num repositório de intimidades. 

Voltando aos Jogos. Alguns jornalistas mais sérios perceberam os erros e a manipulação escancarada da NBC. Nas horas seguintes, todos desmentiam - e eu também - o alçapão digital de Sochi. 

Entretanto, não devemos nos iludir: 1) A Rússia monitora tudo o que se passa em Sochi de uma forma muito mais brutal do que a NSA. 2) Usando a velha máxima dos computadores, celular seguro é celular desligado.


Foto: Outra cena de Amsterdam.

Saturday, February 8, 2014

Sochi

Se algum brasileiro está muito preocupado com os grandes eventos esportivos de 2014 e 2016, existe um atenuante. A expectativa é tão ruim, que dificilmente faremos pior. Já para o governo, aconteça o que acontecer, será sempre um sucesso.

Seremos perdoados. Não precisamos mais nos comparar com a Rússia e sua suntuosa sede de Sochi. No ranking econômico, a Rússia e a China estão num patamar acima, são países propulsores do desenvolvimento mundial, aquilo que sobrou do antigo BRIC. O Brasil, agora, é parte do grupo "fragile five", com a África do Sul, Índia, Indonésia e Turquia. O mais triste é que o custo dos grandes eventos nos deixará ainda mais frágeis.

Apesar do bilionário investimento feito em Sochi, os hotéis inacabados viraram motivo de chacota. Mesmo que todo o resto dê certo, Sochi é um escândalo. Os russos - e os europeus em geral - enxergam a organização das Olimpíadas do frio, da mesma forma que nós vemos os eventos locais: corrupção, roubalheira, improbidade, indecência, etc.

Nas palavras da Economist: "Corruption comes in different forms: overstating costs, giving contracts to friends and relatives (some of whom have no qualifications) and reworking the same construction site several times over to justify charging more. Most of the money came directly from the state or via state banks".

Não se assustem com a familiaridade do texto, o Brasil ainda é institucionalmente mais evoluído do que a Rússia.

Para não ficar só em desgraça, confesso que estou esperando pelo campeonato de curling e que gostei muito da abertura dos Jogos. Acho que o uso de projeções digitais está apenas começando e tem grande potencial. É certamente uma ferramenta para se valorizar grandes eventos e cidades sem graça como São Paulo.


Veja também: Campeonato de corrupção em Sochi


Foto: O Begijnhof de Amsterdam, algo como uma vila de beatas. A origem dessas comunidades é medieval. Outras cidades holandesas e flamengas ainda conservam seus Begijnhof. Possivelmente, publicarei algumas dessas fotos.

Saturday, February 1, 2014

Mariazinha e Joãozinho

Meu plano para a última semana era uma convenção em Lisboa. Graças às raríssimas greves dos controladores de vôos europeus, acabei passando a semana em Paris. Se não pude fugir do frio, pelo menos pude matar as saudades das coisas de lá.

As capas das revistas de fofocas ainda ilustravam as novidades da vida amorosa do presidente. A imprensa mais séria sabe que o francês separa muito bem a vida pública e a vida privada dos políticos. De qualquer modo, como em todo lugar, a oposição sempre tira uma casquinha.

O assunto mais quente por lá é outro. Se você está incomodado com o beijo gay da novela, se você não está à vontade com a regulamentação do casamento gay ou foi um daqueles contrários a cartilha anti-homofóbica do governo brasileiro, prepare-se! A França vai mais longe.

Para construir uma igualdade de gêneros mais sólida, o governo francês começou uma rigorosa revisão de todo material didático desde o ensino básico. É o programa "ABCD da igualdade", em fase experimental para 600 classes.

A proposta é remover do currículo quaisquer estereótipos associados à masculinidade e feminilidade. Nada de mostrar menino de calça e camisa azul brincando de carrinho. Nada de menina de vestido vermelho brincando de boneca. Piadinha de Joãozinho e Mariazinha, então, nem pensar!

Com tamanha neutralidade, os diversos tipos transgêneros também saem ganhando, com a eliminação do preconceito potencial pela raiz. A turma de descontentes é a mesma que foi às ruas contra o casamento gay: extrema direita e grupos religiosos. Dessa vez, no entanto, foram mais eficazes. Montaram uma campanha contra a proposta educacional e, mais assustador, começaram a tirar seus filhos das escolas, um dia por mês.

A campanha para confundir a opinião pública acusa o governo de incorporar a "teoria do gênero" na educação. Segundo ela, os papéis masculinos e femininos são frutos de uma construção social e não das diferenças biológicas originais. Assim como o boicote às aulas foi coordenado pelas redes sociais, os boatos sobre a adoção da tal teoria também espalharam-se pelo mesmo meio. Da extrema-direita para o centro foi rapidinho. Confusão generalizada.

Tolerância e igualdade são ambições da sociedade francesa e de muitas outras. Já essa teoria do gênero talvez seja arrojada demais. Resta ao governo francês explicar a sua intenção e repelir as acusações da direita. Enquanto isso, bem que eles podiam tirar do material básico livros como "Papai usa vestido". Ou não?


Foto: Cenas de Amsterdam no último verão.