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Wednesday, April 7, 2021

A trágica sina de uma pátria malandra


 

O recente episódio da vacinação clandestina de políticos e empresários mineiros é muito emblemático. A malandragem brasileira talvez tenha ido longe demais.

Em quase todo o mundo, a guerra contra a Covid-19 exigiu que os Estados assumissem a distribuição das vacinas, definindo critérios para estabelecer a ordem em que seus cidadãos recebem as suas doses. Isso vale até mesmo para países sem tradição de grandes campanhas de vacinação universal. Pois é, o Brasil, uma referência no assunto, virou motivo de chacota.

A discussão sobre a abertura de frentes de vacinação paralelas não vingou em quase nenhum país. No Brasil, a expectativa pelo fura fila é enorme. Entretanto, pior do que discuti-lo é partir para o ato, como no caso da ação clandestina de Belo Horizonte.

A essa altura, todo mundo sabe do ocorrido. Os malandros que passaram a perna no esforço nacional de vacinação foram enganados por uma outra trapaceira, que não era enfermeira e nem aplicava vacinas. Os malandros se dão bem até encontrarem malandros melhores.

Todos os leitores têm suas histórias para contar sobre a nossa malandragem patológica, que possui ligações umbilicais com a corrupção na política e a criminalidade comum. Apenas para exemplificar, há poucos meses, num mesmo final de semana, senti essa delinquência nacional de perto:

1) Normalmente, uso aplicativos para comprar refeições (delivery). Nesse dia, decidi contatar o restaurante, que enviou seu motoqueiro com a maquininha. Fui ao seu encontro para pegar a encomenda e pagar com o cartão. Encurtando a história: o motoboy usou a sua própria maquininha, passou meu cartão e fugiu. Enganou a mim e ao restaurante de uma vez só.

2) No mesmo dia, minha esposa mostrou uma daquelas falsas campanhas concebidas para o sequestro da conta Whatsapp. Apesar da bela peça publicitária, ela estava atenta. Quando recebeu a mensagem com o tão desejado código do Whatsapp, a ficha caiu.

3) No dia seguinte, abasteci o carro no posto de sempre. Quando o tanque já estava pela metade, estranhei os frentistas. O posto guardou as cores verde e amarela, embora não fosse mais da Petrobrás. Mudaram a bandeira e ficaram na moita atraindo os incautos.

E assim vai. São inúmeros eventos sucessivos. Para evitar ser surrupiado ou sofrer algum golpe, melhor não se distrair por um segundo. O Brasil não é para amadores. Essa associação de corrupção, criminalidade e malandragem faz com que muitos dos nossos amigos lá fora desistam de voltar.

Enfim, gostaria de conhecer as respostas para este mistério brasileiro. Talvez aqueles que acreditam na roubalheira generalizada, até por fazer parte dela, sentem-se no direito de explorar o próximo. Afinal, ladrão que rouba ladrão... É a trágica sina de uma pátria malandra.

 

Foto: Uma outra tomada da Plaza Mayor, em Madrid. O inverno de 2020 foi bem camarada.

Sunday, March 14, 2021

Para salvar o Brasil dos políticos do amanhã


 

Nos meus poucos textos sobre política, a intenção é de construir alguma coisa, mostrar uma perspectiva alternativa ou fazer uma interpretação dos fatos. Nunca uso esta ferramenta para desabafar ou transmitir qualquer mensagem contrária aos interesses nacionais. Aliás, se quiser desabafar, uso o Twitter.

Esta semana foi bastante movimentada na política nacional. Na fase mais terrível da pandemia, o STF centralizou as atenções com a anulação das condenações do Lula e o julgamento sobre o juiz Sérgio Moro.

A Lava Jato já estava nocauteada. O destino do juiz é apenas a cereja do bolo para muitos, entre os quais, o Lula. Existem várias possibilidades em relação ao futuro das duas personalidades, o que não muda a minha conclusão. A questão não deve ser quem foi punido ou deixou de ser punido pela famigerada operação, mas se teremos uma política bandida para sempre.

Deixando as nossas eventuais preferências de lado, parto das seguintes premissas: 1) A corrupção em todas as instâncias de governo do Brasil é generalizada; 2) A impunidade impera; 3) A Lava Jato, que parecia poder mudar este quadro desalentador, sempre esteve longe de ser um consenso entre juristas, principalmente pelos deslizes apontados pelo STF, que, mais cedo ou mais tarde, anulariam todas as condenações.

Quando a gente critica um ministro do STF por ser “garantista”, não é ele que está errado, são as leis e a constituição! Temos que modernizar nosso aparato legal para adaptá-lo à criminalidade do colarinho branco do século XXI. Tudo evolui, em especial o mundo das finanças e tecnologia, propiciando inúmeras situações imprevistas pelas leis antigas, válvulas de escape para o dinheiro sujo e outras circunstâncias amorais.

Não vou julgar ninguém nesse post, pois todos os corruptos estão por aí, livres, leves e soltos. A nossa geração produziu a Lava Jato, que bateu na trave, mas não fez gol. Precisamos pensar em proteger o Brasil das próximas gerações.

Nas últimas eleições, promovemos uma boa renovação do Congresso. Ainda insuficiente. Apesar dos poucos gatos pingados defendendo a pauta anticorrupção, ainda há um grande grupo de rabo preso. Só uma renovação brutal dos parlamentares salva o Brasil. Ela vai acontecer de qualquer jeito e é imprescindível acelerá-la.

A campanha 2022 já começou. A disputa presidencial costuma fazer barulho e capturar toda a atenção. Porém, no nosso presidencialismo moreno, o Congresso tem muito peso. A despeito dos seus muitos representantes indignos para a função, tem sido um freio para as loucuras presidenciais. É desnecessário relembrar os governos Dilma, Temer e Bolsonaro, todos distantes da unanimidade nacional.

Enfim, devemos deixar nossos bandidos de estimação de lado e desejar que as próximas gerações se libertem da discussão de quem rouba mais. Os bandidos de hoje não pagarão pelos seus crimes e o caminho para a correção passa pelo Congresso. Voltarei a este assunto em 2022. Só adiantei a reflexão, pois o clima pré-campanha ficou repentinamente aquecido. O debate e o desafio são bons para o Brasil, mas a disputa presidencial não é tudo.


Leitura complementar:

2022 é agora - Post de junho de 2020 


Foto: Plaza Mayor (Madrid, Espanha). Felizmente, consegui fazer esta viagem de férias no começo de 2020. Voltei poucos dias antes do confinamento.

Sunday, December 7, 2014

Pomba e circunstância

A Bélgica tenta inscrever a batata frita no Patrimônio Cultural da Unesco. Apesar de serem reconhecidas como “French Fries”, sua origem é provavelmente belga, embora  Espanha e França também disputem a paternidade. 

Pouco importa a história da batata frita. O fato é que, morando-se em Bruxelas, não dá para evitá-las, pois acompanham uma grande diversidade de pratos, dos mais simples aos mais sofisticados.

Jantar de trabalho num elegante restaurante de Bruxelas. Para variar, as fritas estavam em todos os pratos. Assim que comuniquei minha escolha para o maître, um colega fez uma ressalva: “Almôndegas? Você vem num restaurante desses e pede almôndegas!?”

Respondi: “Bom, se fosse tão inapropriado, não estaria no cardápio”. Se a discussão fosse em português, caberia ainda um “ora bolas”! 

Almôndegas podem ser gostosas, mas sofrem de certo preconceito. Algo para se comer em casa. De qualquer modo, fiz o que sempre faço. Peço o  que tenho vontade, aquilo que desperta o apetite. O molho estava tão bom, que não tardou para meu colega emprestá-lo para temperar suas fritas ;-)

Nos quatro anos passados na França, a saudade da comidinha brasileira sempre apertou. A diversidade gastronômica europeia é ótima, mas nem todo dia quero comer uma boa caça. Anos atrás, estive num estrelado restaurante francês, daqueles que o menu é escolhido pelo chef. O prato daquela noite era pombo, algo muito mais sofisticado do que um reles galináceo. Entretanto, naquele dia, eu não queria pombo, pombas!
   
Quando perguntei – com toda delicadeza possível - se havia alternativa, todos olharam para mim. Espanto geral. Aqueles dois segundos até o maître responder pareceram uma eternidade, mas o chef, como de hábito, tem sempre uma alternativa. Havia uma carninha deliciosa. Não me lembro muito bem do corte nem do preparo, mas, com certeza, não foram almôndegas.



Foto: Fechando as fotos de Biarritz, o entardecer na Grande Plage.

Thursday, August 14, 2014

Nós e as máquinas

No último sábado, fui a um supermercado de Bruxelas. Estava cheio, mas quase todos os caixas estavam fechados. Havia apenas um funcionário trabalhando e os clientes eram dirigidos ao auto-serviço. Acostumado a tais máquinas desde a passagem pela França, senti que o “faça você mesmo” está ainda mais forte por aqui.

Os caixas de auto-serviço dos supermercados são bem completos. Basta escanear todas as compras, pesar o que for necessário, ter o cartão de fidelidade, o cartão de crédito e o ticket de estacionamento à mão e pronto. Tudo muito fácil. Principalmente se você for uma daquelas divindades hindus com muitos braços. Brincadeiras à parte, essas máquinas funcionam mesmo e, em teoria, são a prova de idiotas. Em teoria.


Domingão, saindo do cinema, onde assisti “LUCY”, fui validar o ticket de estacionamento. Havia dois tipos de máquinas, uma grande, cheia de botões e aberturas, e uma outra menorzinha. A princípio, dirigi-me para a maior, que oferecia mais recursos. Bati o olho na máquina e pulei fora, fui para a menor.  Já o casal de belgas que estava atrás de mim ficou procurando onde se colocava o ticket por algum tempo. Não sei quanto, pois fui embora.


Na semana passada, fui ao banco pegar meu cartão e registrar a senha. O banco é holandês, a agência fica na comuna de Neder-Over-Heembeek, mas estamos em  Bruxelas, uma região francofônica.  A gerente da agência, uma senhora muito simpática e gentil, falava comigo. A poucos metros dali, uma cliente usava a máquina de auto-atendimento. Ela virou-se para a gerente e berrou: “Pô, essa máquina só fala holandês!”

Com ar de reprovação e esquecendo a sua delicadeza por alguns segundos, a gerente retrucou: “Estou ocupada.” A cliente insistiu e ela, irada, repetiu: “Estou ocupada.” Percebendo a situação constrangedora, ela voltou-se para mim e desculpou-se. Bem, aí chegou a minha vez: “Nem precisa se desculpar. A senhora foi muito gentil. Poderia ter respondido que estava ocupada em holandês!”


Já levei canseira de uma máquina na primeira vez que passei por um pedágio francês. Por ser a primeira vez, precisava de apenas uns poucos segundos para entender onde colocar o ticket,  o cartão de crédito e obter o recibo. Porém, o troglodita que vinha atrás não esperou. Meteu a mão na buzina!

No susto, deixei o ticket cair na via. Tinha alinhado o carro tão próximo ao caixa, que não conseguia abrir a porta. A essa altura, o cara de trás beirava a histeria. Felizmente, aquele pedágio ainda empregava seres-humanos. Pelo alto-falante, perguntaram qual tinha sido meu ponto de entrada na estrada e calcularam a tarifa. Aí sim, coloquei o cartão, paguei e fui embora.  Aquele gaulês apressado teve que esperar uns bons minutos. Já o ticket caído no chão, o vento levou.



Foto: Para fechar as fotos de Bilbao, o Teatro Arriaga.

Sunday, August 10, 2014

Singin’ in the rain

É verão por aqui, mas parece que entramos num círculo vicioso. Durante a semana, tempo firme. Chega o final de semana, um desastre. Para variar, o Weather Channel já informou que, neste domingo à noite, o tempo reabre.

Estou sempre de olho na previsão. Nesse canto da Europa, meteorologia não é moleza. Falar que vai chover é fácil, o duro é acertar a hora. Lá no meião da França, o clima era bem mais estável e as previsões pareciam mais confiáveis. O jeito foi comprar quatro guarda-chuvas: um fica em casa, um no carro, um no trabalho e outro sempre à mão.

Na última semana, encontrei um colega inglês, que atravessa o Canal com frequência para participar de reuniões por aqui. Ele diz que o tempo de Bruxelas nunca o surpreendeu. Sempre chega e encontra o mesmo tempo que fazia lá de onde veio. Bom, era o “incentivo” de que eu precisava.

Em pouco menos de um mês e em pleno verão, já inaugurei os quatro guarda-chuvas. Mas, isso não é grande coisa. O bom mesmo é acostumar-se a encarar a chuva sem eles. A gente entra no clima da cidade quando começa a dispensá-los.

I'm singing in the rain
Just singing in the rain
What a glorious feelin'
I'm happy again...


Foto: Fachadas de Bilbao.

Sunday, August 3, 2014

Vem pra caixa!

Passeando por supermercados belgas e franceses, notei o avanço dos vinhos embalados em caixas, substituindo as tradicionais garrafas. Há poucos anos, os vinhos desses cubos de papelão tinham um mercado muito restrito. Eram os vinhos mais acessíveis e, por isso mesmo, vistos com ressalvas pelos apreciadores da bebida. Isso tudo mudou.

Mesmo sem saber, você já pode ter tomado vinho de caixa de passagem pela Europa. O “vinho da casa” de muitos restaurantes costuma ser um desses, como constatei em várias ocasiões. A novidade é que cada vez mais rótulos mais qualificados adotam a embalagem.

O cubo de papelão é bom para todo mundo. É menos embalagem para mais vinho (3 a 5 litros), mais prático (não quebra) e, principalmente, conserva melhor. Adeus às rolhas! Adeus às bombinhas de vácuo! A vantagem prática e econômica para os consumidores e produtores derruba qualquer preconceito. Para os últimos, é uma questão de sobrevivência.

No mundo encantado do vinho, uns poucos e renomados “châteaux” têm mais demanda do que a sua capacidade de produção. Novos ricos do Brasil, China, Índia e Rússia juntam-se aos americanos e outros abastados para pressionar o mercado de vinhos nobres. Com a demanda largamente superior à oferta, os preços vão às alturas, enchendo os cofres dessas poucas vinícolas.

A realidade da imensa maioria de produtores de vinho é muito diferente. Ali na gôndola, a briga é por centavos de euros. Nos supermercados, centenas de rótulos ocupam a faixa de 5 a 10 euros, valor pouco superior a um suco de fruta “premium”. Não precisa fazer muita conta para perceber que a margem é mínima.

Produzir vinho pode parecer muito charmoso, mas dá tanto dinheiro quanto cultivar bananas. Por essas e outras, o vinho em caixa ainda vai chegar à sua casa.


Leia também: Réquiem ao Baco (o primeiro post deste blog)


Fotos: Acima, fecho a série de fotos do imponente Guggenheim de Bilbao. Abaixo, uma gôndola da seção de vinhos do Carrefour de Lyon, onde estive neste sábado.


Monday, July 28, 2014

Ursos

A queda do vôo AH 5017, com muitos franceses a bordo, tirou Gaza da primeira página do noticiário. Isso não foi suficiente para acalmar as diversas mobilizações de solidariedade à causa palestina e nem evitar que algumas delas acabassem em pancadaria.

A dinâmica das manifestações segue aquele velho modelo: um punhado de pessoas com uma causa, um monte de desocupados e uns arruaceiros. Tudo articulado pela extrema esquerda. Até os socialistas com algum bom senso (sim, eles existem) estão chocados com o desenrolar dos fatos. Afinal, os insultos e agressões à comunidade judaica francesa não são nada republicanos.

Apesar dos inúmeros conflitos tão ou mais letais do que Gaza, por que eles não despertam qualquer mobilização? Para alguns articulistas entre o centro e a direita, Israel representa um inimigo comum de uma geração de fracassados a procura de uma causa. Os comunas viram seu modelo sucumbir e os desempregados da periferia não conseguem se colocar na economia. Dentre eles, muitos descendentes de imigrantes, muçulmanos que perderam suas raízes.

Indo da França para o Brasil, não pude deixar de reparar nas notícias publicadas nas redes sociais e seus respectivos comentários. Seria muito bom se fossem comentários de verdade: tentativas de melhor compreender o conflito, perguntas aos estudiosos ou até mesmo sugestões para se resolver o conflito. Entretanto, há muita baixaria.

Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso quer a paz ou, pelo menos, uma trégua. Acho razoável e aceitável simpatizar com um dos lados, desde que o outro não seja ignorado. Expressar a opinião e argumentar é parte do jogo democrático. Entretanto, quando tantos opinam sobre um problema tão complexo, erros históricos, simplificações exageradas e arbitrariedades estão por todos os lados. “Faz parte!”

Acho lamentável o comportamento dos incontáveis “humanistas de última hora". São aqueles que estiveram quietos diante dos demais conflitos do Oriente, da questão da Ucrânia ou até mesmo da tragédia social brasileira. Hibernavam. Basta o conflito israelo-palestino entrar para o noticiário, que eles acordam esbravejando e expressando seu ódio. Não estou falando de muçulmanos nem de comunas. Esse sentimento tem nome e não é humanismo nem pacifismo.



Foto: Mais um detalhe do Guggenheim de Bilbao. A silhueta deste blogueiro é visível no reflexo ;-)

Monday, July 21, 2014

Mudança

Enquanto a Copa capturava nossas atenções, nossos partidos políticos confirmaram seus candidatos e fizeram alianças daquele velho jeitinho. Nada de discussões programáticas, apenas o velho toma-lá-dá-cá de olho no tempo na TV. No plano internacional, a crise da Ucrânia e os conflitos do Oriente Médio só pioraram. Enfim, seria melhor voltar para a Copa...

Nesse mesmo período, estava ocupado com minha mudança. Uma expatriação sempre dá trabalho. Certamente, vou compartilhar muitas coisas vividas aqui na Europa neste blog, assim como fiz anteriormente.

Moro na parte central de Bruxelas. Já conhecia o “caminho da roça”, mas ainda não a ponto de dispensar o Waze. Por via das dúvidas, estou com Waze em dois celulares com duas operadoras distintas, caso um falhe.

Mais uma vez, cheguei a Bruxelas sob céu azul. Baseado na fama da cidade, já estourei minha cota de tempo bom. Conferi com os locais e tirei mesmo a sorte grande: 2014 tem sido um ano excepcional.

Escrevendo este pequeno texto com um olho no computador e outro na TV, percebo que ainda estou ligado na TV francesa. Também continuo lendo os jornais franceses. Peço aos belgas, que leem meu post com a ajuda do Google, algumas dicas. Que não seja em flamengo, é claro.

A mudança em si não tem data para chegar. Da outra vez foi a mesma coisa. Se o pessoal das alfândegas brasileira e belga não fizer greve, ainda estou no lucro. O importante é que o wifi aqui de casa está funcionando desde o primeiro dia.



Foto: O Guggenheim de Bilbao merece mais de uma foto neste blog. Na foto, a sua entrada.

Thursday, July 17, 2014

Copa - Epílogo

A minha mudança para a Europa, um dia depois do final da Copa, foi programada há algum tempo. Imaginei uma chegada triunfal. Com a camisa da seleção, envolto numa bandeira ou com uma réplica da tão desejada taça. Bem, vocês podem imaginar que houve uma pequena mudança de planos. Pois é, felizmente, conheço a porta dos fundos lá do meu novo escritório em Bruxelas.

Estou com saudades daquelas provocações, que os franceses ainda fazem sobre os 3X0 de 1998. É uma brincadeira saudável. O silêncio é muito pior. As pessoas fazem uma volta tremenda para falar comigo sobre a Copa a fim de se evitar constrangimento. Isso sim é humilhante!

Até tive tempo para escrever mais um post sobre a Copa. Porém, assim como vocês, amarguei a derrota. Vocês já devem ter lido um monte de artigos sobre o trágico desempenho do Brasil. Acho que muitos exageraram nas conclusões. Nem um jogo nem um torneio “mata-mata” podem servir de base para as inúmeras teorias que surgiram por aí, que extrapolam o universo futebolístico. Vamos com calma!

Quero crer que a derrota acachapante da seleção traga alguns frutos. Talvez possa alavancar uma reforma na gestão do nosso futebol. Não precisamos voltar para o futebol-arte do Telê, mas precisamos sair do futebol-lixo do Felipão.

A derrota humilhante também afastou qualquer possibilidade de uso político do evento. A Copa fez muita gente acordar para a irresponsabilidade da gestão pública e a mentira do seu legado. O questionamento chegou tarde. Bem, antes tarde...

Por ironia do destino, a máfia dos ingressos, que passou incólume por outras Copas, foi desbaratada no Brasil. A FIFA sai arranhada da Copa. Embora a fórmula do torneio seja muito sólida, funcionaria até no Iraque, tudo que está a sua volta fede. Fede muito.



Foto: A atração turística número um de Bilbao, o Guggenheim. Não preciso dizer que o prédio em si - projetado por Frank Gehry - atrai mais gente do que o acervo do museu.

Monday, July 7, 2014

Xilindró


Desculpe-me por interrompê-los em plena Copa do Mundo para tratar de banalidades, mas não poderia deixar de falar de uma das personalidades mais citadas neste blog.

O ex-presidente francês, que está no xilindró, foi assunto deste blog por muito tempo. A minha expatriação na França coincidiu com a sua gestão. Enquanto vocês viviam os anos Lula, escrevia inúmeros posts sobre Sarkozy. O meu preferido é a segunda parte de "The Ugly, The Bad and The Worse". Recomendo a sua leitura para aqueles que ainda não tiveram a oportunidade.

Como administrador, ele não foi tão ruim. Pelo contrário, tinha um programa bem adequado para modernizar o país. Pagou caro por ser arrogante e esnobe. Desafiando o bom senso, não fazia nenhum esforço para mostrar que gostava do seu povo. Tal comportamento passa em períodos de prosperidade, mas veio a crise de 2008 e a sua popularidade mergulhou fundo.

Como todo político que acaba punido, diz que é vítima de perseguição. Jura inocência e promete apelar para todas as instâncias possíveis. Se ele é perseguido ou não, tanto faz. Uma vez que as evidências de corrupção tenham sido encontradas, a sociedade deve mesmo puni-lo.

Enfim, Sarkozy foi competente como administrador, derrapou na ética e perdeu muita popularidade. Portanto, a diferença dele para a Dilma é basicamente a competência ;-)


Leia também: "The Ugly, The Bad and The Worse"


Foto: Ainda no País Basco, mudando de San Sebastian para Bilbao.

Sunday, July 6, 2014

Ainda sobre a Copa

A Copa é um espetáculo grandioso com partidas disputadíssimas e repletas de emoções. Entretanto, se havia um futebol alegre, gols em abundância e algumas surpresas, tudo isso ficou na primeira etapa.

Entre as oitavas e quartas, valeu a velha máxima “jogaram como nunca, perderam como sempre”. É mais ou menos o que disse no último post. Alemanha, Argentina, Brasil e Holanda eram barbadas. Se quiser apostar na Copa da Rússia, não tenha dúvidas, mantenha os três primeiros e troque a Holanda por outro país europeu.

O “mata-mata” trouxe um futebol burocrático e defensivo. O suspense é garantido, pois as partidas vão para prorrogação, quando não são decididas nos penalties. Podemos dizer que é outro futebol!

Estava preparado para fazer um post contra o “mata-mata”, mas fui traído pelos resultados desta Copa. Nenhuma zebra entre as quartas e oitavas. Os primeiros lugares de cada grupo foram os oito finalistas. Valeu o mérito. A FIFA venceu!

No entanto, se por alguma casualidade, a Holanda tivesse caído diante do México (como quase aconteceu) ou o Brasil diante do Chile (como quase aconteceu), ninguém poderia reclamar. Afinal, nesta Copa, ninguém está batendo um bolão.

A festejada Costa Rica saiu da Copa invicta. Melhor defesa, linha de impedimento impecável, só sofreu dois gols. Por outro lado, com exceção da vitória sobre o Uruguai, é um time que quase não fez gols. Enfim, se todos os times fossem a Costa Rica, o futebol estaria perdido.

Na fórmula da FIFA, o futebol é globalizado e pasteurizado. Dizer que nivelou por baixo talvez seja um exagero. Contudo, depois que o Brasil abriu mão do “futebol-arte”, qualquer equipe é dispensável. Usando a linguagem dos comentaristas, a Copa é “rifada” entre um grupo seleto de países e a FIFA é quem sempre ganha.

Torço para que a final da Copa seja Brasil X Argentina, como previram cerca de 180 milhões de comentaristas esportivos do Brasil. O futebol europeu já manda demais. Acho sempre bom lembrar que os talentos nascem deste lado do Atlântico.



Foto: Mais um pôr do sol em San Sebastian, País Basco.

Thursday, June 26, 2014

Profecias

Depois do último post, assisti a alguns jogos e acompanhei todos os resultados. Estou bem informado e tão bom de previsões como o Felipão, mas ainda muito longe da dona Maria, a faxineira.

Os próximos adversários do Brasil serão o Chile e o vencedor de Colômbia X Uruguai. O Felipão, cheio de assessores e respirando futebol o dia inteiro, havia previsto Holanda e Itália.  Errou feio. Assim como muita gente.

O emparelhamento do Brasil, Chile, Colômbia e Uruguai acaba com a “Copa América”. Dos quatro, sobrará apenas um semifinalista. Muito provavelmente, entre todos os semifinalistas teremos uma distribuição mais tradicional de europeus e latino-americanos.

Voltando ao Felipão, o sábio. Ele previu a final da Copa entre Brasil e Argentina, assim como toda a torcida do Flamengo e a dona Maria. A diferença é que a dona Maria nem olhou para a tabela da Copa para fazer sua profecia.

Copa do Mundo é assim mesmo, a gente sabe (mais ou menos) o final, mas não tem a menor ideia de como se vai chegar lá. E que vengam los Hermanos!



Foto: As esculturas de Eduardo Chillida ornam a orla de San Sebastian, mais especificamente ao final da praia de Ondarreta.

Friday, June 20, 2014

Eu e a Copa

Até agora, só pude ver o jogo de abertura da Copa. Depois disso, mais nada! Mesmo assim, eu e meus colegas continuamos acompanhando. Uma janelinha aberta com o placar do jogo, uma ligadinha na televisão no intervalo das reuniões, uma olhadela na TV de um bar indo para o jantar e assim por diante. Sempre tem um jeitinho de saber o que está acontecendo.

A essa altura do campeonato, os comentários sobre o Brasil e a organização do evento são raros. Meus colegas europeus surpreendem-se com o desempenho das equipes latino-americanas. Os franceses saíram da apatia habitual e começam a ver a competição com outros olhos depois da surra aplicada na Suíça nesta tarde. Os belgas estavam muito otimistas, mas depois da vitória suada sobre a Argélia, estão mais comedidos.  E, finalmente, todos nós festejamos a eliminação precoce da Espanha e da Inglaterra.

Enfim, vista de fora, a nossa Copa parece como todas as outras. Tudo padrão FIFA. A única anormalidade transmitida para o mundo foi aquela bagunça do jogo Espanha X Chile.  Nem sem direito o que aconteceu, tudo indica que foi exceção e não regra.

A Copa é o que passa na TV. Se a imprensa não falar de quantos estrangeiros foram assaltados ou perderam-se por aí, ninguém vai saber.  Nessas horas, um pouco de distância é ótimo. Afinal, vai saber o que pode ter acontecido na África do Sul!

Se o meu último post foi escrito no lounge da Air France, este está sendo redigido no da United. Estou voltando para ver dois jogos ao vivo, um em São Paulo e um no Rio. Agora sim, chegou a hora de ver a Copa de perto. Até breve!



Foto: Pôr do sol em San Sebastian, País Basco.

Wednesday, June 11, 2014

É amanhã!


Voltei! 

A minha série de viagens ainda vai até julho. Sem tréguas. Passo por Guarulhos todo fim de semana. Ou estou indo ou voltando. Até mesmo voltando e indo num mesmo fim de  semana!

Nessa longa ausência, pensei em escrever muita coisa do que vi na Europa e no Brasil. 

Quase escrevi um post sobre as eleições europeias. Vocês viram que a forte abstenção do eleitorado permitiu a eleição de mais representantes da extrema direita. O pior de tudo é que a imprensa dá muita atenção a eles. Eles falam barbaridades. Na lógica populista, estão no lucro. Lamento pelo espaço que recebem: “Falem mal, mas falem de mim”.

Quase escrevi um post sobre o atentado terrorista ocorrido em Bruxelas. O suspeito já foi detido. Como se não bastasse o baile que deu no serviço secreto francês, só agora o governo admitiu que suas prisões sejam academias de terrorismo islâmico. Eu e toda a torcida do PSG, do Lyon e do Marseille já sabíamos. Tem até filmes com essa temática. 

Quase escrevi sobre a Alstom. Nada a ver com as investigações em curso no Brasil. A empresa esteve no centro das atenções. Primeiro, foi a mega encomenda de trens do governo francês dividida entre Alstom e Bombardier. Trens novíssimos. Tão novos que nem passam pelas estações existentes! 

Depois, diante de uma tentativa de aquisição da Alstom pela americana GE, a classe política e empresarial gaulesa uniu-se para mantê-la sob controle nacional. Cá entre nós, a GE deveria agradecê-los!

Finalmente, a Copa, um assunto onipresente. Aqui na Europa, o envolvimento da população não chega ao mesmo patamar do Brasil, mas estão todos ligados. Já me convidaram até para participar de alguns bolões.

Ontem à noite, rodando pelos canais das TVs europeias, passei por três documentários sobre o Brasil e a sua Copa. Cheios de clichês sobre favelas, mas ainda assim muito interessantes. Apesar de mostrar algumas das mazelas brasileiras, a visão é mais otimista do que a nossa. 

Comentei sobre o ressentimento dos brasileiros contra a FIFA num post anterior. A imprensa mundial pegou o gancho dos protestos brasileiros para também atacar a entidade, com um histórico pouco invejável de denúncias de corrupção. A batalha da crítica internacional é outra, por transparência e governança. O que importa é que estão todos contra a FIFA e esta Copa deve balançar as coisas na Suíça.

Às vésperas do Mundial, lembro dos inúmeros artigos que apareceram na imprensa e blogosfera sobre o entusiasmo de parte da população com a Copa. Confesso que, em outras Copas, comecei com indiferença, mas acabei contagiado. Não tem como!

Cada um que torça ou não torça do seu jeito. Não faço a menor ideia do que vai acontecer nos próximos dias do ponto de vista esportivo, organizacional, institucional ou social. Que seja o melhor para o Brasil. Alea jacta est!



Foto: Entre as ruelas do centro velho de San Sebastian, o esplendor barroco.

Sunday, May 18, 2014

#bringbackourgirls

O sequestro das estudantes nigerianas causou grande comoção mundial. O grupo terrorista Boko Haram finalmente conseguiu a sua glória. Glória?! Como assim?

Para os bons observadores, os terroristas islâmicos do norte da Nigéria aparecem regularmente nos jornais: sequestros, assassinatos, igrejas incendiadas, etc. Tudo em doses homeopáticas, assim ninguém liga.

Nem o próprio governo da Nigéria liga. Diga-se de passagem, um governo muito mais corrupto e incompetente do que o nosso. Sim, isso é possível!

Provavelmente, se os terroristas tivessem sequestrado uma garota por dia durante um ano, não estaríamos falando sobre eles. Na nossa lógica ocidental, o Boko Haram cometeu um erro. Conseguiu nos unir contra eles. Serão caçados e exterminados mais uma vez. Mais uma vez, por que, segundo o governo da Nigéria, eles já haviam sido eliminados!

Atacar um grupo assim é muito complicado. Como outros fanáticos, veneram o martírio, fazendo da sua morte a maior das vitórias. Como disse um jornalista nigeriano, podemos matar seus homens, mas não suas ideias.

Os 15 minutos de fama do Boko Haram proporcionam muita exposição às suas ideias absurdas.  O que é absurdo para nós, cola muito bem em outras regiões miseráveis do planeta. Enfim, para nosso desespero, esse tipo de grupo terrorista parece sempre ganhar.

A miséria absoluta somada ao descaso do governo e à trágica história de rivalidades tribais da Nigéria forma uma mistura explosiva. A interpretação tortuosa do Corão é só a centelha. 


Foto: Enfim praia, em San Sebastian.

Sunday, May 11, 2014

¡Aupa Atleti!

Meu sobrinho pediu a camisa do Ibrahimovic, o craque do PSG. Então, durante a próxima viagem à França, passarei na loja do clube para presenteá-lo. Devo reconhecer que esse time árabe radicado em Paris tem subido de produção. Suas camisas conquistam espaço entre aquelas do Barcelona, Real Madrid, Bayern e Manchester.

Por incrível que pareça, os uniformes estrangeiros estão cada vez mais populares aqui no Brasil. Até a Globo rendeu-se à Champions League, transmitindo suas partidas decisivas ao vivo.

Depois do "equilibradíssimo" Campeonato Brasileiro de 2013 e do Paulistinha de 2014, vencido pelo Ituano, entre outros sinais da decadência dos grandes clubes nacionais, só nos resta apreciar os campeonatos europeus.

O Brasil é o maior celeiro de craques do mundo e pode ganhar a Copa que quiser, mas o futebol daqui vai muito mal. Vivemos em função de exportar jovens potenciais para a Europa. Tudo o que importa acontece por lá. Nossos campeonatos locais são marginais. De várzea mesmo!

Poderíamos ter evitado esse quadro colonial? Talvez, se os clubes fossem bem geridos. Não apenas um ou dois clubes, mas a maior parte deles. Entretanto, seus dirigentes preferem locupletar-se em tenebrosas transações deixando-os no caos.

A classe futebolística nacional foi brindada pela sociedade com os novos estádios. Quem sabe possa retribuir tamanha generosidade com gestões mais profissionais, competentes e éticas. Seria um primeiro passo.

O exemplo de esperança vem do próprio futebol europeu. Entre tantos times "imbatíveis" e milionários, o destaque da temporada foi o modesto Atlético de Madrid, a um passo do título da Champions e do Campeonato Espanhol. É uma mostra de que o dinheiro sozinho nem sempre resolve.

Este outro time de Madrid, assim como quase todos os times espanhóis, tem mais obstáculos fora do campo do que dentro dele. Lá na Espanha, tudo favorece o Barcelona e o Real Madrid, que abocanham sozinhos a maior parte da receita da TV e ainda dispõem de status diferenciado, que permite grande endividamento para comprar os melhores jogadores do mundo. E com os melhores jogadores, tudo fica mais fácil.

Enfim, antes de querer ser um Barcelona, os clubes brasileiros precisam inspirar-se no Atlético de Madrid.

¡Aupa Atleti !

Leia também:
Post sobre o caso Neymar (2014)
Post sobre a Champions League (2012)
Post sobre o campeonato brasileiro (2013)


Foto: A sede do governo municipal de San Sebastian, no País Basco (Espanha).

Sunday, April 27, 2014

Bode

Todos os problemas da nação são mais graves em ano de eleições. Entretanto, 2014 parece ser um ano especial. Vivemos uma estagnação econômica, a iminência do apagão, o risco de falta d’água e até uma epidemia de dengue, coisas que acontecem de tempos em tempos, mas não no mesmo ano.

A avalanche de denúncias de corrupção, propícia do clima pré-eleitoral, está indo mais longe do que o habitual. A nação está mais dividida do que nunca.

Diante de tantas evidências de um Brasil que não dá certo, o clima de revolta com a Copa do Mundo tende a piorar. Escrevi em janeiro que o tempo de protestar contra a Copa já passou. Quem quiser protestar contra a situação, que escolha um alvo mais adequado e, no mínimo, que vote melhor em outubro.

Nesse ambiente nada motivador, fico espantado com a parcela da população que escolheu a FIFA como grande vilã, causadora dos nossos males. A moda pegou.  Parece bobagem, mas não é. Trata-se de um problema recorrente, o bode expiatório. Esquece-se das seculares mazelas brasileiras e elege-se um culpado. Muito simples.

 A FIFA paga pelo sucesso com que gere o futebol, o esporte número um do mundo. Organiza campeonatos milionários e movimenta bilhões, fazendo inveja a qualquer outra organização mundial. No sistema do Futebol, a FIFA é tão vilã quanto nossos craques, times, televisões, federações e outras entidades. Um depende do outro.

O aspecto discutível é se o padrão imposto pela FIFA não obriga a um país pobre desviar gastos sociais para a organização do evento. A resposta da FIFA: “Foi o Brasil que pediu para realizar a Copa”.  Dá para discordar?  Cá entre nós, sem roubalheira e com um pouco mais de planejamento, a Copa não seria tão intragável.

O apito inicial está próximo. Fica a dúvida se a Copa entra ou não para o rol de tragédias de 2014, seja pelo sucesso do evento ou pelo desempenho da Seleção. A proximidade com a Páscoa sugere que só mesmo uma sequência de pragas de proporções bíblicas seja capaz de derrubar a nossa Faraó. Ou seria Faraôa?


Leiatambém: #NãoVaiTerCopa


Foto: O velho porto de San Sebastian ganha um colorido especial em dia de regata de pesqueiros.

Saturday, April 19, 2014

Tiradentes “for dummies”

É sabido que o personagem Tiradentes encontrava-se abandonado pela História até a sua adoção pelos fundadores da República. Na falta de heróis autênticos e diante de um golpe contra o Império sem o clamor das massas, criou-se um símbolo republicano. Até mesmo a semelhança com Jesus foi parte dessa manipulação.

Vale também lembrar que houve inúmeros movimentos contra a monarquia luso-brasileira, mais fortes e mais sanguinários, sendo que a Inconfidência Mineira não figura entre os mais importantes.

À época de Tiradentes, a maior parte da elite era composta de portugueses, que, nem por isso, simpatizava com o pagamento de tributos aos seus conterrâneos. Bem, para falar a verdade, ninguém queria saber de pagar impostos. Com a sonegação generalizada, os portugueses apertaram o cerco.

Quem sofreu com a vingança arrecadatória da metrópole (derrama) foi a própria elite, aqueles chamados “homens-bons”, brancos e ricos, que induziram os inconfidentes à rebelião. Talvez seja exagero dizer que Tiradentes tenha sido um boi de piranha, mas não está longe disso.  O personagem real foi tão manipulado quanto o mito.

Há muita coisa daquele Brasil remoto, que ainda é sentida nos dias de hoje: o povo abandonado à própria sorte, a arrecadação predatória, a elite egoísta e ninguém preocupado com a coisa pública. É por essas e outras que, mesmo após a Proclamação da República, somos regidos por dirigentes pouco republicanos.


Leia também: A ponte



Foto: A sala de concertos de San Sebastian ao entardecer.

Sunday, April 13, 2014

Aeroportos e outros nós

Bem que gostaria de escrever sobre assuntos mais amenos. Devido às nossas eleições gerais, os próximos meses continuarão muito quentes no Brasil. Só mesmo lá de fora, dá para se desligar um pouco de todos esses casos de corrupção e da política de baixíssimo nível.

Naquele final de semana, em que escrevi “Voando”, passei um tempão no aeroporto parisiense devido a um incidente aéreo. Além de ter escrito o post, antecipei as seguintes linhas:


A Air France completa 80 anos e o seu hub, o Aeroporto Charles de Gaulle (CDG), 40 anos. Não menciono tais fatos ao acaso. Nos últimos 28 anos, usei prioritariamente a companhia e a sua base. Exagerando-se um pouco, é a minha segunda casa.

O CDG não está entre os cinco primeiros do mundo em volume de passageiros. Perde em suntuosidade para os novíssimos congêneres asiáticos. É apenas um grande e bem administrado aeroporto, em expansão contínua nessas quatro décadas. Bravo!

Quem conhece o CDG percebe facilmente tal expansão. Os terminais têm estilos arquitetônicos totalmente diferentes, incorporando aquilo que foi o mais arrojado em cada década.

Os dois terminais mais recentes assemelham-se a shoppings envidraçados, uma tendência mundial, que parece ser a inspiração do tão esperado Terminal 3 de Guarulhos.

Os terminais mais antigos foram uma ousadia dos anos 70, ao encurtar a distância da porta do aeroporto ao avião. Ficaram para trás com o crescimento exponencial da aviação civil e serão reformados.

Em quase três décadas, testemunhei a inauguração de 6 terminais do CDG e o início de um ciclo de renovação. Este é justamente o ponto deste texto, o contraste com o aeroporto internacional de São Paulo, vergonhosamente parado no mesmo período.

Mas, é pior do que isso. Mesmo que houvesse uma chuva de dinheiro em GRU, as expansões seriam limitadíssimas. Seu terreno está completamente imerso na mancha urbana da capital. Nem a pista principal poderá ser reformada para receber um A-380.

Enquanto isso, o CDG tem terreno de sobra. Além da reforma dos terminais mais antigos, planeja-se mais um terminal e novas linhas férreas integrando o complexo. Existem planos até 2030, independentemente de quem ganhe as eleições. Seja de direita ou de esquerda, o plano de expansão é bom para o aeroporto, para a companhia aérea, para Paris e para a França.

Enfim, é um pequeno exemplo de uma grande diferença. Infraestrutura não se constrói em ciclos de quatro anos. A visão de futuro deve ser perseguida pela sociedade, seja quem estiver no poder. É um grande compromisso coletivo.

Por outro lado, é difícil priorizar-se a infraestrutura quando o povo não tem as suas necessidades básicas satisfeitas. Existem paliativos como a privatização ou a redução de gastos públicos, mas é preciso reconhecer que o Brasil tem um grande nó.  


Foto:  Uma das ruas estreitas do centro de San Sebastian (País Basco).

Saturday, April 5, 2014

IPEA & Cia

Foi por muito pouco que não escrevi um post sobre a famigerada pesquisa do IPEA durante a última semana. Até mesmo quando escrevia sobre a Petrobrás, pensava naquela pesquisa, que tanto repercutiu.

O relatório do IPEA sobre "Tolerância social à violência contra as mulheres" foi tomado como fidedigno e imparcial. Poucas entidades no Brasil mereceriam tamanha confiança. Se tivesse escrito um post, teria feito como todos os jornalistas, que dedicaram seu tempo à análise da pesquisa, tentaria compreender os resultados sem questioná-los.

Sob a premissa da retidão do relatório do IPEA, a última semana foi marcada por manifestações, artigos, declarações e reflexões sobre o povo brasileiro. Dessa forma, o erro e o pedido de desculpas do IPEA provocaram um grande constrangimento.

Sob os holofotes, a pesquisa está sendo desafiada. Questiona-se o método, a amostragem, a formulação das questões e, principalmente, as suas conclusões. Enfim, havia mesmo algo em comum com o post sobre a Petrobrás, uma desagradável mistura de incompetência e falta de ética.

Não podemos desprezar o grave problema brasileiro no campo da tolerância à violência contra as mulheres, mesmo sem estatísticas confiáveis. Entretanto, o ponto é que um dos nossos únicos institutos com alguma reputação, mostra-se falho e incompetente.

Governos, empresas e cidadãos precisam conhecer o país para planejar, agir e empreender programas econômicos e sociais. Não dá para se gerir um país de 200 milhões no "chutômetro" ou  no "feeling". Pesquisas e estatísticas confiáveis são essenciais para qualquer atividade organizada, sobretudo quando se trata de políticas públicas.

Devemos reconhecer que o brasileiro é um ilustre desconhecido. Não sabemos como ele vê a violência contra as mulheres. Também não sabemos o que ele pensa da Justiça, da corrupção, da criminalidade, da democracia, dos seus direitos e deveres, da religião, da sua Pátria, etc. Não sabemos quase nada!

Quero crer que o censo demográfico seja bem feito, mas o resto não merece credibilidade. Talvez seja por isso que a política esteja num nível tão ruim. Assim como a educação, a saúde e a ciência. Não duvido de que, num futuro próximo, tenhamos que recorrer a estrangeiros para entender o nosso próprio país.


Foto: Inaugurando a série de San Sebástian (País Basco), ainda das últimas férias de verão.