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Sunday, May 28, 2017

Lavagem


Em maior ou menor grau, a corrupção existe em todos os lugares. A luta contra este mal, assim como todos os demais crimes comuns, é um desafio dos tempos modernos. Na impossibilidade de erradicá-los, deveríamos tornar a vida da bandidagem mais difícil.

O principal ponto comum entre o mafioso e o político desonesto é a necessidade da lavagem do dinheiro ganho ilegalmente. Como já não se pode confiar na Suíça ou no Panamá, o jeito é mesmo apelar para o acúmulo das boas e velhas notas de papel moeda.

Não é difícil imaginar que inúmeros bandidos possuam grandes estoques de dinheiro em papel. Roubá-los é muitas vezes mais fácil do que desová-los. Bastariam algumas regras a mais para transformar essa dinheirama num verdadeiro mico. Ninguém deveria fazer negócios vultosos com papel moeda!

Comprar um imóvel com cédulas de 100 dólares? Nem pensar. Comprar uma Ferrari com notas de 100 euros? Também não. Pagar a conta do jantar com dinheiro num restaurante caríssimo? Não. Depositar ou sacar muito dinheiro?  Cada vez menos, pois os bancos deveriam apertar o controle.

Com a adesão maciça da sociedade aos meios eletrônicos, o fim do papel moeda é um debate real no primeiro mundo. Aqueles que guardam dinheiro embaixo do colchão que nos desculpem, mas a causa é nobre.

A Europa quer eliminar a nota de 500 euros. Por enquanto, a sua circulação é restrita e monitorada.  Os Estados Unidos já extinguiram todas as notas superiores a 100 dólares há algum tempo. O motivo é justamente o exposto acima, só serve para bandidos!

Se algo serve de lição para nós brasileiros, é o exemplo da Índia, país supostamente tão corrupto como o nosso. Em 2016, seu governo removeu de circulação as duas notas mais elevadas (500 e 1000 rúpias). Os cidadãos comuns, como eu e você, puderam simplesmente depositar as poucas notas que possuíam nas suas contas bancárias. Já os bandidos, sonegadores e políticos corruptos tiveram que fazer uma ginástica monumental para fugir dos limites e controles instalados. Não resolve, mas atrapalha.

Mexer com o papel moeda é apenas uma das técnicas para atrapalhar a vida dos fora da lei. Antes de pensarmos nos meios para se combater a corrupção e a criminalidade, reconheço que é preciso encontrar alguém disposto a fazê-lo. Ninguém à vista na Terra Brasilis.


Foto: Continuando a série sobre a Bretanha, chegando ao porto de Belle-Île-en-Mer.

Sunday, February 21, 2016

Verdun

Além dos sinais de fraqueza da economia mundial, há algo de ruim no ar. Revendo os jornais belgas e franceses dos últimos dias, tive que fazer algum esforço para encontrar boas notícias.

Até mesmo no noticiário esportivo, o destaque é para a última tendência em fraudes no ciclismo, o uso de bicicletas motorizadas. Flagaram um motor escondido no quadro da bicicleta de uma atleta belga.

A mídia destaca o centenário da Batalha de Verdun, episódio marcante da Primeira Guerra, quando o exército francês deteve o avanço alemão, com um saldo de 300 mil mortos e 400 mil feridos em 300 dias de combate.

Ao longo dos próximos anos, teremos muitos outros centenários. Não faltarão oportunidades para lembrarmos das barbáries das duas grandes guerras. O propósito principal dessas lembranças é servir de estímulo para que jamais se repitam.

Nesta última semana, tive a impressão que o mundo faz de tudo ao contrário, ou seja, tenta cair nas mesmas armadilhas do passado. Continuamos a semear a cizânia e a flertar com os conflitos. O discurso da desunião e da intolerância ganha espaço.

A discussão sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) é bem representativa. A adesão à UE tem sido usada como “bode”  por frentes políticas de quase todos os países do bloco. Obviamente, todos perderiam com a possível redução da UE, gerando um círculo vicioso que culminaria com a sua extinção. Terminaria assim a esperança de uma paz duradoura.

A Rússia, mesmo sofrendo com os baixos preços do petróleo, continua investindo bilhões para salvar um país que já morreu.  Ao invés de planejar sua retirada da Síria, ela investe ainda mais nessa operação militar descabida. Basta um pequeno incidente fronteiriço com a Turquia (membro da OTAN) para acender uma faísca de consequências imprevisíveis.

Não estou acompanhando as primárias dos EUA, mas o nível dos discursos que ecoam na Europa não é nada inspirador. Evidentemente, a paz e a prosperidade mundial ainda dependerão da boa vontade dos EUA por mais alguns bons anos.

A proposta não foi escrever um post pessimista, mas traduzir um pouco das preocupações latentes. Entre erros e acertos, os atuais líderes das principais potências - Obama, Merkel, Hollande e Cameron - são bons, mas ameaçados em seus países pelo discurso da discórdia. A concertação entre eles é fundamental para controlar essas ameaças.


Foto: A caminho da Bretanha, fiz algumas paradas no interior da França durante as últimas férias de verão.  Nessa foto, a charmosa Lyons-la-Forêt, na Normandia.

Sunday, January 31, 2016

Maioria

O Zika chegou por aqui. Não o vírus em si, mas o noticiário, que tem dado mais atenção à doença, que tanto prolifera nas repúblicas bananeiras. De fato, o Brasil tem aparecido em dois tipos de notícias: as que falam do baixo crescimento mundial e aquelas sobre a crise do Zika. O Brasil decididamente tem um impacto relevante nesse mundo!

As notícias predominantes ainda giram em torno da questão dos refugiados e das medidas contra o terrorismo. Na última semana, a ministra da Justiça da França pediu demissão por isso. Até a poderosa Angela Merkel, personalidade do ano de 2015, pode ver a sua base de apoio ruir por conta do mesmo assunto.

O tema racha a sociedade europeia. Tomemos, por exemplo, os eventos de Colônia da noite de 31 de dezembro. Para quem não se lembra, um bando de imigrantes do Maghreb tomou conta da praça central da cidade. Centenas de mulheres que passaram por lá foram agredidas sexualmente.

Apesar da gravidade desse crime coletivo, o mundo só soube dele alguns dias depois. O sistema tentou abafá-lo. Polícia, prefeitura e imprensa, todos estavam preocupados com a não estigmatização dos agressores. Como se diz na França, queriam evitar o “amálgama”. A preocupação pode ser nobre, mas e as vítimas?

Uma grande parte da esquerda é extremamente zelosa com os direitos humanos dos bandidos. Isso acontece em todo o mundo. Diante dos fatos e da tolerância dos socialistas eleitos, insurge-se a extrema direita com suas ideias radicais. No debate ampliado pelas mídias sociais, ficamos com a impressão de que não existe solução intermediária entre não fazer nada e a criminalização generalizada dos imigrantes.

O governo da França, por exemplo, optou por um caminho mais duro. Prorrogou o estado de emergência e tenta adaptar-se aos novos desafios, modernizando as leis, reforçando a inteligência e mantendo a vigília.

Hollande e Valls estão certos. Ao invés de ficarem presos às ortodoxias do partido, compreendem que esse quadro mais complexo exige adaptação. São chamados de reacionários pelos colegas de esquerda e, de bananas pela extrema direita.

Ladram os cães da esquerda e da direita, enquanto a maioria permanece silenciosa. O exercício do poder parece ser mesmo solitário.



Foto: Última tomada do castelo Champ de Bataille com seus incríveis jardins. O conjunto foi restaurado completamente. O seu interior é uma galeria de arte com bom acervo, mas com pouca relação com a história do castelo.

Thursday, January 14, 2016

Fábula

Nas minhas últimas viagens pela Europa, entrou em cena o quase esquecido passaporte. O sonho das fronteiras livres já era. Com os controles de identidade e de bagagens, as viagens de trem perderam um pouco da praticidade habitual e do seu charme.

Na França, a discussão mais quente do momento é sobre a retirada da nacionalidade francesa dos indivíduos com dupla-nacionalidade envolvidos com o terrorismo. Parece bobagem, mas é algo que racha o Governo e, de certa forma, toda a nação.

Dividida mesmo está a Alemanha. Os eventos recentes de Colônia colocam lenha na fogueira da discussão sobre os refugiados e imigrantes. Apesar dos esforços da Angela Merkel para promover a nação acolhedora, o sentimento anti-islâmico só aumenta.

Nesse clima tenso, lembrou-se do primeiro aniversário do atentado à redação do Charlie Hebdo. O jornalzinho satírico estava quase falido ao final de 2014. Graças à visibilidade pós-atentado, as vendas em banca foram multiplicadas por 5 e as assinaturas, por 18. O jornal está com um dinheirão em caixa.

Tudo isso poderia ser uma justa compensação para a heroica equipe do Charlie. Infelizmente, as coisas são bem mais complexas. O humor do jornal é para poucos - humor negro e politicamente incorreto. Muitos milhares de novos leitores manisfestaram seu apoio à liberdade de expressão contribuindo com o tabloide, mesmo sem concordar com o seu conteúdo.

Nesta fábula pós-moderna, os jornalistas sob constante ameaça viram seus cofres encherem da mesma forma que os protestos, as críticas e as ações judiciais. A equipe está exausta e com saudades dos tempos de dureza.



Foto: Nas férias de verão, passei pelo Château du Champ de Bataille (Normandia).

Sunday, October 11, 2015

Popular e ladrão

O hotel vizinho nem é tão caro, mas é classudo. Seu edifício suntuoso é o endereço preferido dos dirigentes estrangeiros em Bruxelas. Sempre que ando pela Avenue Louise e passo por ele, dou uma olhada para ver qual é a celebridade do momento.

Apesar das longas comitivas, dos jornalistas e curiosos, não há muito barulho. Até mesmo a Dilma não chamou a atenção. Pensei num panelaço solo, mas nossos horários não coincidiram.

Há alguns dias, presenciei uma exceção. A frente do hotel estava repleta de gente. Havia farta distribuição de balões vermelhos e brancos. A charmosa Avenue Louise e a Place Stéphanie foram ocupadas. Até o trânsito de bondes e carros foi  interrompido pela multidão. Quem poderia quebrar a tranquilidade do nosso cantinho? Quem seria tão poderoso?

Tais dúvidas pairavam na cabeça da minha esposa. Estava ao seu lado e pude esclarecer. Disse que o Erdogan, o presidente turco, estava na cidade. Ainda acrescentei : “Ele é o Lula da Turquia, popular e ladrão”.

Para comparar o Brasil e a Turquia, melhor ler a crônica do Guga Chacra. A presença do Erdogan em Bruxelas é importante, pois trata-se de um ator chave numa região tão desestabilizada: refugiados, Síria, curdos, Estado Islâmico, etc. Tudo passa pela Turquia.

Juntar o fã clube para o presidente não foi difícil. A comunidade turca na cidade é muito grande. Assim como acontece no Brasil, encontrar algumas centenas de admiradores de um líder populista é fácil. Não precisa nem pagar.

Dias depois, estive num evento de informática europeu. A maioria dos participantes era do Reino Unido, mas havia uns gatos pingados de outros países. Tive oportunidade de conversar com um executivo turco.

Nem falamos de informática. Já cheguei dizendo que encontrei o Erdogan ao lado de casa.  Ele emendou com as novidades de Istambul. Tudo que ele contou parecia exatamente com a história recente do Brasil, tomado pela gangue do PT.

Preferia ter encerrado a nossa conversa com um tom mais positivo, mas não pude. Contei as coisas que estavam acontecendo no Brasil. Pelo menos ele apreciou a minha sinceridade.


Foto: Ainda na Abadia de Sénanque, a turista curtindo a paisagem. Além do visual, o aroma da lavanda.

Saturday, September 5, 2015

Cuspindo pra cima

Acabaram-se as férias. A volta à labuta tem sido árdua, especialmente para os líderes europeus. O velho assunto dos refugiados virou uma crise internacional.

Puderam ignorar os milhares de mortos na tentativa de cruzar o Mediterrâneo, a superlotação da infraestrutura de acolha e os inúmeros acampamentos clandestinos espalhados pelo continente. Porém, a recente desintegração da Síria e do Iraque entornou o caldo.

As imagens dos mortos nas praias turcas e da multidão atravessando a Hungria a pé são chocantes. Não podemos ignorá-los. O assunto é polêmico, mas a causa humanitária precede o blá-blá-blá político.

Se existe uma expressão, que representa bem o que os líderes mundiais fizeram diante da crise síria ou da ascensão do Estado Islâmico é cuspir para cima. Esqueceram que o Oriente Médio é logo ali. Dá para caminhar da Síria até a Alemanha!

Enquanto os líderes fizerem cálculos políticos, a situação vai perdurar. Qualquer ação terá, num primeiro momento, um preço a pagar, ou seja, um custo eleitoral. Cada um deles deveria perguntar-se sobre a sua real motivação: buscar uma reeleição ou fazer a coisa certa.

Pelo que tenho visto, diante de tamanha crise humanitária, até mesmo alguns dos mais avessos aos refugiados estão comovidos. Há milhares de voluntários mobilizando-se para facilitar a vida dos migrantes, na sua longa caminhada do Levante ao Ocidente. Quero crer que o povo saberá reconhecer os líderes realmente dispostos a trabalhar para resolver o problema.


Post sobre a crise síria (2013)
Damasco
Damasco azedo

Post sobre os refugiados (2015)


Foto: Em Paris, no Jardim de Luxemburgo, no final do generoso inverno de 2015.

Sunday, June 21, 2015

Waterloo


Passou 2014 e não escrevi  aquele prometido post sobre o centenário da Primeira Guerra. Para falar a verdade, não li tudo o que queria sobre o tema e acabei deixando o assunto de lado. Nesses dias, comemorou-se mais uma data histórica, o bicentenário da Batalha de Waterloo, que representa o fim do perído napoleônico. Dessa vez, não deixo passar em branco.

Quando o assunto é Waterloo, a França faz picuínha. Atrapalha a comemoração dos outros e ainda não envia seus representantes oficiais ao cenário da batalha. O governo faz feio, mas a imprensa foi magnânime. Fez intensa cobertura de um fato histórico tão importante para a formação da Europa. Hollande não foi. Mas eu fui!

Fui eu e mais 60 mil! Como os campos de Waterloo são afastados do centro de Bruxelas, tive meu momento paulistano ao dividir a estrada com 20 mil carros. Imagino que as centenas de milhares de homens e cavalos que lá chegaram, duelaram e pereceram há 200 anos causaram menos impacto do que todos esses automóveis.

A  Batalha de Waterloo é muito apropriada para ser reconstituída.  Foi uma das últimas batalhas à moda antiga, com tropas inimigas emparelhadas, aproximando-se até aquele sanguinário “mano a mano”. O outro aspecto peculiar é que esta batalha realmente ocorreu numa área pequena, viabilizando a reconstituição com muito realismo.

O lado menos interessante do excesso de realismo é a fumaça. Estava atrás da artilharia de Wellington. A fumaça excessiva dos canhões atrapalha bastante a visão. Considerando-se a precisão das armas de fogo da época, entendo que os canhões tinham mais um efeito moral do que letal.

Veio gente de todo mundo assistir ao espetáculo. Os ingleses eram maioria entre os estrangeiros. Óbvio. Um casal de ingleses perguntou: “Você veio do Brasil só para assistir ao show?” Não é bem assim J

Se a reconstituição deste ano foi especial, o evento ocorre todos os anos. Fica a dica!



Fotos do espetáculo da reconstituição da batalha de Waterloo. Acima,  detalhe da artilharia inglesa no meio da fumaça. Abaixo, visão geral do "batalhódromo" atrás da linha inglesa. Mais abaixo, Wellington observa o avanço da infantaria francesa.



Sunday, April 26, 2015

Club Med

Após alguns dias sem tragédias como atentados, quedas de aviões ou jornalistas degolados, a imprensa europeia pode finalmente dar um pouco de atenção à sua vigésima sétima prioridade, os imigrantes que fogem da África.

O naufrágio da última semana pode ter sido marcante, mas o evento é recorrente. Toda semana tem algum evento trágico ligado aos africanos que tentam fugir para a Europa. Se os cadáveres africanos no Mediterrâneo não aprodecessem, já haveria uma ligação da África à Itália.

Se fui irônico nos dois primeiros parágrafos deste post, é por que começo ver muita gente perguntando-se como podemos ignorar tamanha tragédia por tanto tempo.  A pressão nos governos para uma solução humanitária aumentou.

Os países europeus não estão abertos à uma nova onda de imigração e tampouco têm uma economia em boa forma. Entretanto, os inúmeros conflitos da África e Oriente Médio tem gerado uma massa crescente de refugiados. Dá para fingir que não acontece nada longe da “civilização”, mas não à porta de casa.

Depois do terremoto do Nepal, tudo voltou à normalidade. Os imigrantes africanos que perecem no Mediterrâneo voltaram para a página 27 dos jornais.




Foto: Para fechar esta série de fotos de Antuérpia, a estátua e fonte de Brabo (soldado romano) diante da prefeitura da cidade na Grand-Place.

Sunday, March 8, 2015

Uber

O Uber é sinônimo de baderna. Ele causa greves, manifestações e agressões. Na última semana, cruzei com uma paralização de taxistas protestando contra o Uber em Bruxelas. O congestionamento engoliu a minha habitual folga para chegar aos aeroportos e estações de trem. Não perdi o trem por alguns segundos.
  
Depois dessa, dá mais vontade de continuar usando o Uber. O serviço é de primeira. Na grande maioria das vezes, chega um carrão limpo e cheio de serviços como revistas, wi-fi, garrafa d’água e balas. O motorista, chamado Mohamed em um terço das vezes,  é muito mais gentil do que qualquer taxista de frota. O melhor de tudo é que sai bem mais barato.

E quem disse que aquele Mercedão é do Mohamed ? Não é mesmo. Ele o aluga por alguns dias e roda o máximo atendendo aos usuários do Uber e fazendo uns trocos.

Acredito que a contribuição mais nobre  do Uber seja quando há um real compartilhamento de veículos (a boa e velha carona) e não apenas a substituição dos motoristas de taxis. Isso sim faz um bem maior para nossas cidades.

O Uber é obviamente injusto com os táxis, que  submetem-se a fiscalizações e regulamentações, quando não pagam uma fortuna pelo ponto. Só resta-lhes uma vantagem, podem andar nos corredores de ônibus e bondes.

Tá com pena deles? Eu não.

Internet é isso mesmo. Desintermediação e ruptura são palavras de ordem. Não se solidarizem com os taxistas.  Melhor mesmo é ficar de olho nas nossas profissões e mercados. Amanhã, poderemos ser os taxistas de um outro Uber.  



Foto: Mais uma cena do centro de Antuérpia.

Saturday, January 24, 2015

#JeSuisMusulman


Os atentados e as manifestações ficaram para trás, mas o debate continua por aqui. Não é para menos, a questão é muito complexa. Pouco fala-se da grande maioria fiel às causas republicanas,  o “x da questão” é a minoria discordante.

Uma minoria sem dúvidas. Porém, uma minoria de muitos milhares de jovens da periferia.  São aqueles que não respeitaram o minuto de silêncio em homenagem às vítimas, que aderiram às teorias conspiratórias ou que apoiaram explicitamente os terroristas.

É desse meio que saem inúmeros djihadistas. É desse meio que saem futuros terroristas. As periferias das grandes cidades são incubadoras do radicalismo. A França pergunta-se onde errou. Depois de gerações de imigrantes que lutaram pela integração, deparam-se com um sério revés, confrontando-se com a afirmação religiosa e a negação da democracia.

Como disse no primeiro post sobre o tema, misturam-se fatores econômicos, sociais, culturais, entre outros. Os holofotes estão na Educação. Com certeza, há alguma coisa errada nas escolas. Bem, eu não queria estar na pele dos professores, que dão aulas em salas onde  metade dos alunos chama-se Mohamed.

Circulando pelas ruas de Paris e Bruxelas, ainda percebemos o estado de alerta. Soldados e policiais estão em todos os lugares, sem contar o pessoal da inteligência. Para acompanhar um potencial terrorista, a França mobiliza um overhead de 20 a 25 agentes. A ameaça terrorista em si é capaz de sangrar ainda mais a já combalida economia.

Se existe um lado menos triste nesta história, é a visibilidade que ganhou o quase falido Charlie. Graças aos terroristas, suas caricaturas espalharam-se pelo mundo. Nunca a blasfêmia fez tanto eco. Maomé tem mesmo que chorar.



Foto: Um outro cantinho simpático de Bruxelas, perto de casa, o Egmont Park, que abriga a "brasserie" mostrada na foto.

Sunday, August 3, 2014

Vem pra caixa!

Passeando por supermercados belgas e franceses, notei o avanço dos vinhos embalados em caixas, substituindo as tradicionais garrafas. Há poucos anos, os vinhos desses cubos de papelão tinham um mercado muito restrito. Eram os vinhos mais acessíveis e, por isso mesmo, vistos com ressalvas pelos apreciadores da bebida. Isso tudo mudou.

Mesmo sem saber, você já pode ter tomado vinho de caixa de passagem pela Europa. O “vinho da casa” de muitos restaurantes costuma ser um desses, como constatei em várias ocasiões. A novidade é que cada vez mais rótulos mais qualificados adotam a embalagem.

O cubo de papelão é bom para todo mundo. É menos embalagem para mais vinho (3 a 5 litros), mais prático (não quebra) e, principalmente, conserva melhor. Adeus às rolhas! Adeus às bombinhas de vácuo! A vantagem prática e econômica para os consumidores e produtores derruba qualquer preconceito. Para os últimos, é uma questão de sobrevivência.

No mundo encantado do vinho, uns poucos e renomados “châteaux” têm mais demanda do que a sua capacidade de produção. Novos ricos do Brasil, China, Índia e Rússia juntam-se aos americanos e outros abastados para pressionar o mercado de vinhos nobres. Com a demanda largamente superior à oferta, os preços vão às alturas, enchendo os cofres dessas poucas vinícolas.

A realidade da imensa maioria de produtores de vinho é muito diferente. Ali na gôndola, a briga é por centavos de euros. Nos supermercados, centenas de rótulos ocupam a faixa de 5 a 10 euros, valor pouco superior a um suco de fruta “premium”. Não precisa fazer muita conta para perceber que a margem é mínima.

Produzir vinho pode parecer muito charmoso, mas dá tanto dinheiro quanto cultivar bananas. Por essas e outras, o vinho em caixa ainda vai chegar à sua casa.


Leia também: Réquiem ao Baco (o primeiro post deste blog)


Fotos: Acima, fecho a série de fotos do imponente Guggenheim de Bilbao. Abaixo, uma gôndola da seção de vinhos do Carrefour de Lyon, onde estive neste sábado.


Sunday, July 6, 2014

Ainda sobre a Copa

A Copa é um espetáculo grandioso com partidas disputadíssimas e repletas de emoções. Entretanto, se havia um futebol alegre, gols em abundância e algumas surpresas, tudo isso ficou na primeira etapa.

Entre as oitavas e quartas, valeu a velha máxima “jogaram como nunca, perderam como sempre”. É mais ou menos o que disse no último post. Alemanha, Argentina, Brasil e Holanda eram barbadas. Se quiser apostar na Copa da Rússia, não tenha dúvidas, mantenha os três primeiros e troque a Holanda por outro país europeu.

O “mata-mata” trouxe um futebol burocrático e defensivo. O suspense é garantido, pois as partidas vão para prorrogação, quando não são decididas nos penalties. Podemos dizer que é outro futebol!

Estava preparado para fazer um post contra o “mata-mata”, mas fui traído pelos resultados desta Copa. Nenhuma zebra entre as quartas e oitavas. Os primeiros lugares de cada grupo foram os oito finalistas. Valeu o mérito. A FIFA venceu!

No entanto, se por alguma casualidade, a Holanda tivesse caído diante do México (como quase aconteceu) ou o Brasil diante do Chile (como quase aconteceu), ninguém poderia reclamar. Afinal, nesta Copa, ninguém está batendo um bolão.

A festejada Costa Rica saiu da Copa invicta. Melhor defesa, linha de impedimento impecável, só sofreu dois gols. Por outro lado, com exceção da vitória sobre o Uruguai, é um time que quase não fez gols. Enfim, se todos os times fossem a Costa Rica, o futebol estaria perdido.

Na fórmula da FIFA, o futebol é globalizado e pasteurizado. Dizer que nivelou por baixo talvez seja um exagero. Contudo, depois que o Brasil abriu mão do “futebol-arte”, qualquer equipe é dispensável. Usando a linguagem dos comentaristas, a Copa é “rifada” entre um grupo seleto de países e a FIFA é quem sempre ganha.

Torço para que a final da Copa seja Brasil X Argentina, como previram cerca de 180 milhões de comentaristas esportivos do Brasil. O futebol europeu já manda demais. Acho sempre bom lembrar que os talentos nascem deste lado do Atlântico.



Foto: Mais um pôr do sol em San Sebastian, País Basco.

Wednesday, June 11, 2014

É amanhã!


Voltei! 

A minha série de viagens ainda vai até julho. Sem tréguas. Passo por Guarulhos todo fim de semana. Ou estou indo ou voltando. Até mesmo voltando e indo num mesmo fim de  semana!

Nessa longa ausência, pensei em escrever muita coisa do que vi na Europa e no Brasil. 

Quase escrevi um post sobre as eleições europeias. Vocês viram que a forte abstenção do eleitorado permitiu a eleição de mais representantes da extrema direita. O pior de tudo é que a imprensa dá muita atenção a eles. Eles falam barbaridades. Na lógica populista, estão no lucro. Lamento pelo espaço que recebem: “Falem mal, mas falem de mim”.

Quase escrevi um post sobre o atentado terrorista ocorrido em Bruxelas. O suspeito já foi detido. Como se não bastasse o baile que deu no serviço secreto francês, só agora o governo admitiu que suas prisões sejam academias de terrorismo islâmico. Eu e toda a torcida do PSG, do Lyon e do Marseille já sabíamos. Tem até filmes com essa temática. 

Quase escrevi sobre a Alstom. Nada a ver com as investigações em curso no Brasil. A empresa esteve no centro das atenções. Primeiro, foi a mega encomenda de trens do governo francês dividida entre Alstom e Bombardier. Trens novíssimos. Tão novos que nem passam pelas estações existentes! 

Depois, diante de uma tentativa de aquisição da Alstom pela americana GE, a classe política e empresarial gaulesa uniu-se para mantê-la sob controle nacional. Cá entre nós, a GE deveria agradecê-los!

Finalmente, a Copa, um assunto onipresente. Aqui na Europa, o envolvimento da população não chega ao mesmo patamar do Brasil, mas estão todos ligados. Já me convidaram até para participar de alguns bolões.

Ontem à noite, rodando pelos canais das TVs europeias, passei por três documentários sobre o Brasil e a sua Copa. Cheios de clichês sobre favelas, mas ainda assim muito interessantes. Apesar de mostrar algumas das mazelas brasileiras, a visão é mais otimista do que a nossa. 

Comentei sobre o ressentimento dos brasileiros contra a FIFA num post anterior. A imprensa mundial pegou o gancho dos protestos brasileiros para também atacar a entidade, com um histórico pouco invejável de denúncias de corrupção. A batalha da crítica internacional é outra, por transparência e governança. O que importa é que estão todos contra a FIFA e esta Copa deve balançar as coisas na Suíça.

Às vésperas do Mundial, lembro dos inúmeros artigos que apareceram na imprensa e blogosfera sobre o entusiasmo de parte da população com a Copa. Confesso que, em outras Copas, comecei com indiferença, mas acabei contagiado. Não tem como!

Cada um que torça ou não torça do seu jeito. Não faço a menor ideia do que vai acontecer nos próximos dias do ponto de vista esportivo, organizacional, institucional ou social. Que seja o melhor para o Brasil. Alea jacta est!



Foto: Entre as ruelas do centro velho de San Sebastian, o esplendor barroco.

Sunday, December 1, 2013

Novembro

Para mim, este último mês, os 30 dias entre Halloween e Black Friday, vulgarmente conhecido como novembro, foi uma loucura. Correria total. Sinto que as celebrações de final de ano foram antecipadas.

Na prática, como a possibilidade de se criar eventos de confraternização é muito grande, antecipar não significa diluir, antecipar é dar espaço para mais festas! É mais ou menos como o trânsito em São Paulo. Pode-se implementar um rodízio e construir avenidas, mas tudo estará sempre cheio.

Se, em 2014, começarmos a celebrar em outubro, teremos um trimestre inteiro de festas! Assim, a gente cai naquela história de emendar Carnaval, Copa, eleições e fim de ano.

Pode parecer exagerado mas, há poucos dias, estava explicando para um francês a minha dificuldade de agenda nessa época do ano: "Sabe, aqui é diferente, tem muitas festas. Quando morava aí, só tinha a comemoração do Dia de Reis e olhe lá". Bom, espero que o tenha convencido.

Há uns bons anos, não passava a temporada festiva inteirinha no Brasil. Estranhei. Perderei a Fête de Lumières e não estive no lançamento do Beaujolais Nouveau. Não é mole ;-) O pior de tudo é ser bombardeado dia e noite por notícias de corrupção, guindaste caindo, museu pegando fogo, etc. O jeito mesmo é curtir as festas.

Comecei o post dizendo que o mês começava com Halloween e terminava com Black Friday, duas incorporações recentes da cultura brasileira.

O bom do Brasil é misturar as coisas importadas da Europa e dos EUA com heranças coloniais e nativas. A minha esperança no país reside justamente na possibilidade de ser esse caldeirão cultural único. Entretanto, neste caso, diria que nem sempre a gente copia as coisas certas.



Foto: Por falar em Black Friday e Halloween, fotos de uma viagem a San Diego (EUA) de janeiro deste ano. A minha base foi o Hotel Del Coronado, considerado marco histórico, por ser uma das maiores e mais belas construções de madeira remanescentes.

Thursday, February 14, 2013

Bife a cavalo


Já vi inúmeros escândalos de contaminação de carne halal na Europa. Ninguém dá bola. Afinal, para a maioria, é só um hábito maluco de uma comunidade de fanáticos. Pois os muçulmanos vivem descobrindo carne suína misturada em tudo. Incrível, até parece sacanagem!

De certa forma, a indignação islâmica está sendo vingada. Milhões de europeus, ricos e pobres, do norte e do sul, do leste e do oeste, têm comido carne de cavalo misturada à carne bovina. Parece bobagem, mas, para muitos, comer carne de cavalo é algo abominável.

Agora sim, virou assunto de Estado. Cabeças vão rolar. Os europeus são mestres em criar barreiras sanitárias para nos ferrar (ops!), porém, é evidente, que mal conseguem gerir sua própria produção.

As evidências desse escândalo vieram de testes de DNA, cada vez mais banalizados. A vigilância sanitária do futuro próximo não vai se contentar em procurar coliformes e salmonelas na pia da cozinha. Vai pegar um pedacinho do filezinho para ver se é mignon ou miau. Enfim, vamos descobrir os grandes enigmas da humanidade: O que tem dentro das salsichas e o que tem no hambúrguer do McDonalds.


Foto: Chegando em Saint-Paul de Vence, na Provence.

Wednesday, October 17, 2012

No reino da Dinamarca


2014 só lembra a Copa do Mundo no Brasil? Espero que não. Será no período desta tão festejada competição, que o mundo se lembrará do centenário do assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, que deflagrou a I Guerra Mundial. Podemos dizer que, com as duas grandes guerras, este triste período da história recente terminou há apenas 67 anos, ceifando a vida de 70 milhões de pessoas.

Deixei para escrever este post aqui, na Europa. Mesmo sabendo da cessão do Prêmio Nobel da Paz à União Europeia (UE) ainda no Brasil, optei por esperar alguns dias, para conversar com as pessoas e ler os jornais locais.

O Nobel da UE foi alvo de escárnio e protestos. É compreensível em face da enorme crise vivida pelo continente. É justamente aí que entra o prêmio. Antes que muitos se deixem seduzir pelos discursos oportunistas, que aquela memória curta interfira no pensamento coletivo, que o desespero se transforme numa crítica generalizada a todas as instituições, lembremo-nos do que foi conquistado. O projeto europeu é antes de tudo um projeto de paz, tendo a integração econômica como meio.

A piada é fácil. Entretanto, essa não foi a primeira e nem será a última crise. A Grécia não foi o primeiro e nem será o último país à beira do abismo. O Nobel serve de puxão de orelha na Alemanha e outros, para que se empenhem com mais determinação na solução da crise. O projeto de união monetária, que inclui alguns países da UE, foi no mínimo ousado. Talvez, errado.

O Nobel e as futuras celebrações em torno do centenário dos episódios chaves das duas grandes guerras são essenciais para lembrar às novas gerações do sombrio passado não tão remoto. Felizmente, a paz é um dos valores mais prezados num continente tão traumatizado pela guerra. Por isso, a grande maioria reconhece o mérito da honrosa premiação.

Bernard Tapie mencionou no Figaro de hoje um discurso de Mitterrand no Parlamento Europeu: “Durante a sua história, a França já fez guerra com todos seus parceiros do bloco, exceto a Dinamarca. Bem, sem dúvidas, é um pouco tarde para se entrar em guerra contra os dinamarqueses...”


Foto: Um cantinho de paz no Castelo de Windsor, o “Moat Garden”.

Friday, June 22, 2012

Euro 2012

Pelo bem do esporte, nos torneios europeus, é melhor se evitar quaisquer metáforas históricas ou abstrações que fujam da prática desportiva. Depois de tanto sangue derramado, nada como a competição saudável para confraternizar e semear a paz.

A imprensa europeia costuma resistir às piadas fáceis nesses tempos de Euro 2012 - a Copa do Mundo sem o Brasil e a Argentina. Ou melhor, resistia. A partida desta noite (quartas de final) entre Grécia e Alemanha está tirando a imprensa da linha.

As graves circunstâncias econômicas que abalam o continente opõem claramente os dois países. Dizem por aí: “Se a Alemanha quer tirar a Grécia do Euro, a Grécia pode tirar a Alemanha da Euro”.

Para um país economicamente arrasado, a partida desta noite é simbólica. Um comentarista grego prefere lembrar a Batalha de Creta (1941). Os nazistas tomaram a ilha grega, mas com o custo de mais de 3200 mortos. O futebol grego não é grande coisa, mas com este espírito heroico, o jogo promete.

Estou acompanhando a Euro 2012 na Europa, onde os jogos são transmitidos à noite. Nesta semana, estive num importante evento de informática. O coquetel / jantar de abertura foi simultâneo às partidas França X Suécia e Inglaterra X Ucrânia.

Alguém já disse que o europeu não é tão ligado no futebol quanto o brasileiro? A organização do evento trouxe duas TVs de grande formato, que ficaram em dois cantos do imenso salão. Quando os jogos começaram, metade do público dividiu-se entre ambos.

Entre tantas nacionalidades, inclusive coadjuvantes ucranianos e suecos, como era de se esperar, os ingleses foram os mais ruidosos. Não só torciam pela Inglaterra, como se manifestavam contra a França, mesmo estando em Paris. Os franceses estavam excessivamente intimidados pela derrota perante a medíocre Suécia. O Le Monde diz tudo: “La débâcle de Kiev”.

Aproveitei boa parte do jogo para comer e conversar com uma panelinha de brasileiros da Brasscom e Softex, que promoviam a nossa informática aqui na Europa. Mais comia do que conversava. Afinal, eu fui lá para comer, conversar ou assistir ao jogo?


Foto: Centro de Chicago.

Sunday, November 27, 2011

Alemanha contra rapa

Conforme escrito no último post, Portugal, Itália, Grécia e Espanha (PIGS) continuam em maus lençóis, e a Alemanha é o centro das atenções.

Muito provavelmente, Angela Merkel empurraria a questão do Euro com a barriga, não fosse a punição imposta pelo mercado. Ao encontrar os primeiros percalços na emissão dos seus próprios títulos, a poderosa Alemanha encontra-se tão fragilizada quanto seus vizinhos. Enfim, os alemães começam a perceber que estão no mesmo barco. Até a Economist usou a surrada metáfora da orquestra do Titanic.

O interessante é a inversão. De uma hora para outra, os PIGS viraram vítimas e a disciplinada Alemanha é vista como grande vilã. Apesar da irresponsabilidade fiscal dos PIGS, a forma de atuação do Banco Central Europeu – imposta pela Alemanha – coloca todo continente em risco. A Alemanha não pode mais insistir na punição dos países gastadores sem correr riscos.

Os alemães estão contrariados. Para eles, as cigarras se deram bem e as formigas dançaram. Antes dos dominós começarem a cair, as economias europeias já estavam estagnadas, enquanto que a Alemanha estava em melhor forma. Independentemente de quaisquer outros fatores, a origem de todos os males é a própria moeda única, que ameaça formigas e cigarras. Restarão apenas alguns pulgões.


Desde o começo da crise, os políticos europeus aproveitavam cada oportunidade para culpar o mercado financeiro. Diziam que a Europa não se inclinaria aos especuladores. Com o tempo, o discurso foi amenizado. O mercado, esta entidade culpada de tantos males, permitiu as operações para salvar a Grécia, amenizar a situação da Espanha e ainda foi o único a “peitar” a Alemanha. Se há algum pingo de sensatez nesta história, está no famigerado mercado.


Alemanha contra todos. Alguém já viu isso antes? Seria uma mera circunstância econômica ou fruto da mesma sequência histórica que levou aos conflitos do passado, das diferenças entre as perspectivas católica e protestante, de Roma contra os povos germânicos, etc. Para pensar.


Foto: Uma outra tomada da charmosa Saint-Martin-de-Ré.

Sunday, October 30, 2011

Paz na Terra

A semana passada foi dominada pelas difíceis negociações em torno do Euro. Se a união monetária é uma ousada etapa dentro do projeto europeu, ninguém duvida de que o grande valor deste esforço de integração é a PAZ. Parece banal, mas olhando-se para o passado, não encontramos muitos períodos em que as principais nações europeias não estivessem guerreando entre si.

Falando de guerra e paz, o novo livro de Steven Pinker, "The Better Angels of Our Nature", tem sido muito comentado. O livro mostra como a violência vem caindo ao longo dos séculos, contrapondo a percepção de que o século XX, com todas as suas barbáries, tenha sido especialmente trágico.

Antes de mais nada, afirmo que ainda não li o livro. Mesmo assim, conforme os bons artigos na imprensa internacional, posso dizer que concordo com a tese do autor. Por outro lado, recomendo certos cuidados na interpretação dessa nossa longa marcha rumo à civilidade.

O autor enfatiza o seu pensamento estatístico ao analisar a História. Isso significa - nas minhas palavras - que qualquer guerrinha com alguns poucos milhões de vítimas não vai mudar a sua tese. Matematicamente, concordo. Ou seja, a mega tendência de redução da violência não é nenhuma garantia de paz.

Ilustrando ainda melhor. Há 100 anos, estávamos às vésperas das duas grandes guerras, que fizeram juntas 70 milhões de vítimas, segundo a tabela de catástrofes humanitárias do autor.  Muito provavelmente, as suas conclusões seriam as mesmas se estivéssemos hoje em 1911. Eu sempre defendi o pensamento estatístico, mas vá ser calculista assim na...

Falando sobre o seu método. No século VIII, houve uma grande disputa de poder na China, que culminou com uma gigantesca rebelião e matança. O saldo da revolta de "An Lushan" foi de 36 milhões de mortos.  À época, a população humana estava na casa dos 200 milhões. Então Pinker corrige o número de vítimas de 36 para 429 milhões, fazendo a equivalência com a população humana no século XX, e transformando o evento na maior carnificina da História.

Na minha primeira leitura das críticas sobre o livro, esta relativização do número de vítimas chamou a atenção - confesso que fui direto aos números, depois li os textos em si. Muitos comentaristas também mostraram-se surpresos, mesmo sem discordar. Possivelmente, concordaria com a tese do autor mesmo sem a tal proporcionalização.

Pensando com meus botões, pergunto se não seria o contrário. Por que não dar um peso ainda maior para as matanças mais recentes, na medida que nos distanciamos do nosso passado selvagem e tribal. Se, ao longo da História, o mundo que ficou mais civilizado, pois desenvolveu o comércio, a diplomacia e a educação, não seria uma guerra recente mais vergonhosa do que uma remota?

Enfim, se a matemática das vidas humanas pode ser discutível, sob uma perspectiva histórica o autor está certíssimo. Mesmo que nada mude a tendência de pacificação da humanidade, em nenhum momento devemos abrir mão da nossa vigilância a fim de se evitar novas tragédias.

Não sei se o autor comentou, mas a sociedade conectada é mais uma grande ajuda para um mundo que zela pelo respeito aos direitos humanos e, portanto, caminha para a tão sonhada civilidade. E que venha ao mundo nosso sétimo bilionésimo irmão!


Foto: Em julho, estive mais uma vez em La Rochelle e Île de Ré (foto), na região de Poitou-Charentes. O tempo decepcionou para julho. As fotos acompanham os próximos posts.

Outro post interessante deste blog: É o amor!

Saturday, July 30, 2011

A doença

Mesmo estando na Europa no momento do atentado da Noruega, foi no Brasil, que tive tempo para buscar mais informações e ler alguns ótimos artigos. Uns exploram a loucura isolada do norueguês, outros se esforçam para integrá-lo ao contexto europeu. Certamente, há uma combinação dos dois aspectos numa questão tão complexa.

Gostaria de ressaltar que o terrorismo de extrema direita vai muito além do espetáculo momentâneo de horror passado na Noruega. São eventos diários: Um espancamento na Alemanha, uma pichação na França, um cemitério vandalizado na Áustria, um discurso furioso na Holanda e, até mesmo, assassinatos isolados. Os alvos são sempre os mesmos.

A Europa já está tão acostumada, que tais notícias raramente recebem destaque internacional. Mais do que isso, o eleitorado se acomodou e deixou com que o discurso inflamado da extrema direita voltasse à tona depois de anos no ostracismo.

Parece incrível, mas o atentado da Noruega foi importante para alguma coisa. Ele chacoalhou os cidadãos acomodados e os políticos. Ele nos faz lembrar os riscos da radicalização e do fanatismo. Faz lembrar a tragédia não tão remota da Segunda Guerra, em que todos perderam.

Na última semana, governos e serviços de inteligência começaram a prestar mais atenção nos terroristas cristãos e não somente nos islâmicos. E, mais importante, milhares de europeus, à beira da sedução pelo discurso conveniente da extrema direita, foram devidamente relembrados do seu verdadeiro ideário.

Infelizmente, a semente do ódio é mais comum do que parece. Os políticos europeus, diante da crise atual, apresentam-se como vítimas da especulação internacional. Na Alemanha, gregos e espanhóis são vilões, esquecendo-se de que o país foi o grande beneficiário da moeda única. Enfim, continua-se buscando a culpa alheia, o bode expiatório.

Não adianta fazer uma moeda única, liberar as fronteiras e promover qualquer tipo de união, enquanto perdurar este comportamento tão primitivo. Mesmo sem saber, políticos de todas as linhas ideológicas acabam alimentando a doença de Anders Behring Breivik, a doença da Europa, a doença da humanidade. Ainda precisamos de décadas de democracia, espírito republicano e verdadeiros estadistas para nos curarmos.

Foto: Outra tomada do centro velho de Arbois, com as casas que avançam sobre o  La Cuisance.