Tuesday, December 27, 2011

Revista do Cinema S2/2011

No meu único post sobre cinema neste semestre, "Novelão e Cinemão", antecipei dois filmes que serão destaque nos próximos meses:

"Drive" já é cult. Na minha opinião, o melhor do semestre. Ryan Gosling, que também estrelou "Tudo pelo Poder", está com tudo. Ele só não pode continuar fazendo o mesmo estilo do heroi solitário a vida inteira.

"The Artist" me surpreendeu. Não por ser ótimo, mas pela repercussão deste filme mudo francês nos EUA (vide abaixo). Fala-se em Globo de Ouro e Oscar. Antes, o diretor Michel Hazanavicius e o ator Jean Dujardin fizeram algumas paródias de 007. Puro pastelão. Um filme mudo no estilo de Hollywood de quase um século atrás é diferente, mas longe de ser genial.

Ainda pensando fora do Brasil, lamento não ter assistido ao iraniano "A Separação". Deparei-me com o filme algumas vezes na França e acabei optando por algum lixo ocidental. Espero que ele passe em São Paulo. Pelo que eu li, trata-se um filme excepcional.

No Brasil, pude assistir um monte de filmes. Nem vou listá-los, por que muitos nem merecem uma menção neste blog. O que mais me agradou foi o argentino "O Conto Chinês", uma comédia de ótimo gosto. O ator principal, Ricardo Darín, esteve em outro filme elogiado por este blog, "O Segredo dos Seus Olhos".

Além dos filmes acima, gostaria de comentar brevemente sobre outros, que estão num patamar bem inferior:

"Margin Call - O Dia Antes do Fim": Para um filme que se passa num banco, na iminência da crise financeira, o diretor fez muito em criar um ótimo clima de thriller, explorando muito bem o lado humano de quem faz o mercado.

"Missão Impossível - Protocolo Fantasma": O quarto MI não é um filmaço, mas é melhor do que os anteriores. Pelo menos, restabelece o espírito de equipe de MI, tão marcante no seriado original. Os filmes anteriores faziam de Tom Cruise um ridículo James Bond.

"A Pele que Habito":  O filme se destacou com uma história super original e bem feita. No meio de tantos filmes medíocres, foi dos mais inspirados do semestre.

"Tudo pelo Poder": É um prazer ver um elenco tão bom trabalhando junto: Ryan Gosling, Paul Giamatti, Philip Seymour Hoffman e George Clooney, que também dirige (e bem). Pena que o enredo seja bem fraquinho, tão óbvio como a falta de ética na política.

Como não comentarei todos os filmes medianos que asssisti, destaco o belga  "O Garoto da Bicicleta", tão aclamado pela crítica, mas que não convence. Afinal, depois de quatro anos na França, estourei a minha cota para esse tipo de drama.

"O Palhaço" foi um dos brasileiros que prestigiei. O filme é razoável e poderia ser muito melhor. Ainda não entendi se os produtores visavam ao público juvenil ou adulto. Para o primeiro público, está de bom tamanho.

Alguns artigos sobre "The Artist":
Slate
New York Times
Washington Post


Foto: Fiz um pit-stop em Barcelona. Na verdade, não foi tão curto assim, foram cinco dias inteiros num congresso, com pouco espaço para turismo. Da janela do hotel, apreciava os treinos do Camp Nou, mas é melhor nem tocar nesse assunto. Na foto, a escultura de Frank Gehry sobre o cassino do Porto Olímpico.

Saturday, December 17, 2011

Confraternizando

Durante os últimos quatro anos, estive fora de São Paulo neste período pré-natalino, tão cheio de eventos de confraternização. Até há pouco, dizia que tinha saudades dessa agitação toda. Pois é, já passou!

A última semana de novembro e as duas primeiras semanas de dezembro são repletas de festas. Somam-se a elas, as atividades de fechamento do ano, as compras, a preparação das férias, etc. Enfim, um período tenso e com trânsito ainda mais caótico, mesmo com as escolas encerrando suas atividades. Aliás, o trânsito acaba limitando a possibilidade de se comparecer a dois ou três eventos por noite. Convites não faltam.

Um grupo de amigos executivos finalmente tomou uma sábia decisão. Marcamos um primeiro evento de confraternização para abril. Mais uns dois eventos ao longo do ano e assim, quem sabe, escaparemos desse período caótico em 2012.

Enquanto estive em Lyon, o período passava em branco. A primeira semana de dezembro é igual a terceira de setembro ou a segunda de março. Nada de especial. No começo, perguntava: É assim mesmo ou eu é que não sou convidado? Descobri que é assim mesmo. Essa coisa de confraternizar, trocar presentinhos, receber brindes é exagerada no Brasil. Lá fora é muito mais leve e discreto.

Felizmente, Lyon tinha a Festa das Luzes (Fête des Lumières), que animava o começo do inverno. O único ensaio de confraternização é a festa de Reis no começo de janeiro.

Depois dessas últimas três semanas, de tão pouco dormir e muito comer, bateu uma saudade da tranquilidade de lá.


Foto: Última tomada de La Rochelle. A imagem da cidade está muito associada ao PS. Sendo uma das principais cidades da região de Poitou-Charentes, presidida pela Segolène Royal, tem sediado muitas reuniões do partidinho.

Sunday, December 11, 2011

Cheap Wine

Este ano, não estive em Lyon durante a festa do Beaujolais Nouveau. Aqui em São Paulo, muita gente pode encontrar a celebrada bebida - que para muitos não é vinho - em vários restaurantes, graças à Mistral, que trouxe um grande lote de Joseph Drouhin.

Em Lyon, a terceira quinta-feira de novembro é marcada pelos fogos de artifício, pelos restaurantes cheios e pelo intenso movimento no seu centro velho. A celebração do Beaujolais Nouveau toma conta da França.

Celebram por que americanos e japoneses vão comprar milhões de garrafas e isso é uma bela ajuda para as nem tão prósperos vinícolas do Beaujolais. Aqueles franceses, que amam o vinho, também celebram o fato da mal amada bebida deixar o país. Enfim, se o vinho não é bom, o marketing é de primeira.

Na celebração paulistana, o mais lamentável é o preço. Mesmo que eu e meus leitores possamos gastar 100 reais numa garrafa de Beaujolais Nouveau, convenhamos que há uma enorme discrepância de valores. Fiz uma pesquisa e vejam só os preços do Joseph Drouhin 2011:

- Na França (varejo): 6,50 euros (16 reais)
- Nos EUA (varejo): 10 dólares (18 reais)
- No Brasil, na distribuidora Mistral: 75 reais
- No Brasil, em restaurantes e lojas de vinho: Em torno de 90 a 100 reais.

A mágica da quintuplicação é muito comum para os vinhos europeus vendidos no Brasil. Beber vinho é ótimo, mas a gente acaba bebendo muito mais imposto!

Nos EUA, um artigo recente da Slate (Drink Cheap Wine) recomendou vinhos na faixa de 3 dólares para consumo diário. Sim, três dólares! Na própria França, as gôndolas do Carrefour e outros supermercados têm centenas de rótulos na faixa dos 5. Qual seria a faixa básica do consumo diário no Brasil?

Felizmente, nossos vizinhos do Mercosul têm produzido vinhos cada vez mais interessantes com as mais prestigiadas cepas europeias. Como a tributação dentro do Mercosul é diferenciada e o transporte é mais barato, a preços iguais, prefira sempre uma garrafa do Mercosul, que certamente possuirá mais vinho e menos impostos, margens, fretes, etc.

Considerando alguns dos produtos do Mercosul com a melhor relação custo-benefício, os 3 dólares da Slate viram 30-40 reais aqui no Brasil. Sem milagres! Vinhos do Velho Mundo ou de qualquer outro continente nessa faixa de preço merecem desconfiança. De qualquer forma, em se tratando de vinho, vale a máxima: Gosto não se discute.


Foto: Ainda em La Rochelle. A chuva deu uma folguinha, o sol quase apareceu. Imagem do porto velho da cidade, com as torres medievais: Tour de la Chaîne e Tour Saint-Nicolas.

Saturday, December 3, 2011

São Paulo diferente

Neste final de ano, nosso comitê operacional, que se reúne em algum lugar do mundo a cada trimestre, veio para São Paulo. Se eu tive a tranquilidade de não precisar viajar, tive a responsabilidade de receber meus colegas, de ser um bom anfitrião. Podemos contar com bons hotéis, bons restaurantes e o melhor apoio possível, mas tudo pode acontecer, quando recebemos 20 estrangeiros.

A prática é reunir todos os participantes num super hotel e se fechar por lá com algumas saídas esporádicas de van. Meus colegas conheciam a São Paulo dos pomposos hotéis da Marginal Pinheiros, a meio caminho do nosso escritório. Lá, as regras são: 1) Não pode sair do hotel a pé; 2) Se precisar sair, peça um táxi de confiança; 3) Jamais exponha o notebook ao entrar no taxi; etc.

Desta vez, fiz diferente. Coloquei todo mundo num bairro mais central. Ao invés de ficarmos trancados no hotel, escolhemos alguns restaurantes próximos e caminhamos. Sim, fizemos tudo a pé! O evento de uma semana dispensou o automóvel. Andamos tranquilamente, como fazemos nas cidades europeias. Teve até almoços e jantares a céu aberto, como eles adoram. Foi excepcional!

Apesar do noticiário recente ser bem favorável ao Brasil, ficou cristalizado na mente dos meus convidados uma cidade perigosa, onde só se anda de carro e sem nenhum charme. Foi muito bom desfazer (parcialmente) essa imagem. O evento foi realizado no Itaim, mas acho que poderia reproduzí-lo em outros bairros da capital.

A única ressalva foi o preço das coisas por aqui. Como bom anfitrião, meus convidados não viram os preços das diárias e nem das refeições. Vão descobrí-los, quando tiver que justificar o rombo orçamentário do último trimestre. Como de hábito, só levaram algumas dúzias de Havaianas.


Foto: Apesar de ter ido outras vezes para La Rochelle, jamais havia publicado suas fotos neste blog. Desta vez, o tempo não ajudou. De qualquer forma, o lugar é especial, começando pelo velho porto (foto).

Sunday, November 27, 2011

Alemanha contra rapa

Conforme escrito no último post, Portugal, Itália, Grécia e Espanha (PIGS) continuam em maus lençóis, e a Alemanha é o centro das atenções.

Muito provavelmente, Angela Merkel empurraria a questão do Euro com a barriga, não fosse a punição imposta pelo mercado. Ao encontrar os primeiros percalços na emissão dos seus próprios títulos, a poderosa Alemanha encontra-se tão fragilizada quanto seus vizinhos. Enfim, os alemães começam a perceber que estão no mesmo barco. Até a Economist usou a surrada metáfora da orquestra do Titanic.

O interessante é a inversão. De uma hora para outra, os PIGS viraram vítimas e a disciplinada Alemanha é vista como grande vilã. Apesar da irresponsabilidade fiscal dos PIGS, a forma de atuação do Banco Central Europeu – imposta pela Alemanha – coloca todo continente em risco. A Alemanha não pode mais insistir na punição dos países gastadores sem correr riscos.

Os alemães estão contrariados. Para eles, as cigarras se deram bem e as formigas dançaram. Antes dos dominós começarem a cair, as economias europeias já estavam estagnadas, enquanto que a Alemanha estava em melhor forma. Independentemente de quaisquer outros fatores, a origem de todos os males é a própria moeda única, que ameaça formigas e cigarras. Restarão apenas alguns pulgões.


Desde o começo da crise, os políticos europeus aproveitavam cada oportunidade para culpar o mercado financeiro. Diziam que a Europa não se inclinaria aos especuladores. Com o tempo, o discurso foi amenizado. O mercado, esta entidade culpada de tantos males, permitiu as operações para salvar a Grécia, amenizar a situação da Espanha e ainda foi o único a “peitar” a Alemanha. Se há algum pingo de sensatez nesta história, está no famigerado mercado.


Alemanha contra todos. Alguém já viu isso antes? Seria uma mera circunstância econômica ou fruto da mesma sequência histórica que levou aos conflitos do passado, das diferenças entre as perspectivas católica e protestante, de Roma contra os povos germânicos, etc. Para pensar.


Foto: Uma outra tomada da charmosa Saint-Martin-de-Ré.

Saturday, November 19, 2011

O dono da bola da vez

Cansado da crise europeia? Eu também. Revendo meu próprio blog, percebi que o primeiro post sobre a crise grega foi de março de 2010. Àquela época, já se falava do possível efeito dominó, iniciado na Grécia e demais "PIGS".

Quando escrevi aquele post, ainda morava na Europa, onde o assunto já dominava o noticiário. Confesso que acreditava numa certa solidariedade ao povo grego, numa preocupação em se evitar a desintegração social no coração da Europa. Hoje, tenho certeza absoluta de que a dupla Merkozy só queria livrar a cara e salvar seus bancos.

De fato, caminhamos para o pior dos cenários. Lá se vão dois anos sem crescimento, dois anos de sofrimento para os gregos e a crise está apenas começando. A economia italiana está em cheque e todos pagam altas taxas de juros para rolar suas dívidas. Até a França, detentora da nota máxima AAA, paga cada vez mais juros.

Até pouco tempo, a discussão maior era se a Grécia deveria dar o calote ou não. Agora, com economias bem mais significativas em jogo, a Alemanha está no centro do debate.

O mundo clama para que o Banco Central Europeu tenha uma atuação menos amarrada, injetando mais dinheiro na Economia e resgatando os países em dificuldade, mesmo com o risco inflacionário. A Alemanha, que emprestou a solidez do Marco ao Euro e tem uma trágica memória neste terreno, é radicalmente contra.

Vocês podem reparar no noticiário recente, as atenções viraram para a Alemanha. Apesar da sua virtude e disciplina, ela terá que ser solidária com seus vizinhos vagabundos, que ainda juntam dinheiro para comprar Mercedes.

Dois artigos:
The German problem
O Decálogo da Crise Europeia


Foto: Passeando por Saint-Martin-de-Ré, principal núcleo da Île de Ré. As casas podem parecer humildes, mas valem muito. A Ilha é sempre citada pelos críticos do Imposto sobre Fortuna. A valorização imobiliária transformou os seus antigos habitantes em milionários. O problema é que eles não tinham caixa para pagar o imposto. A saída foi vender e se mudar. Justo?

Saturday, November 5, 2011

Bicentenário

No simpósio promovido pela The Economist, nesta semana em São Paulo, o tema foi o Brasil que se aproxima do seu bicentenário (Brasil 2022). Apesar das recentes conquistas, de tantos estrangeiros excitados e de tanto dinheiro entrando, a divulgação do IDH foi providencial para nos lembrar onde estamos. Uma modestíssima 84a posição mostra que ainda há muito a ser feito. Não foi à toa que o índice saiu no dia de Finados.

Os demais países do BRIC também têm muito por fazer: China (101), Índia (134) e Rússia (66). Mas, como disse o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, Charles Tang, "BRIC é só marketing".

O executivo roubou a cena no Brasil 2022. Questionado sobre a competitividade chinesa, disse: "A China não é responsável pelo custo Brasil". Desafiado sobre alguns percalços na ampla parceria entre Brasil e China: "Não existe amizade entre países, apenas interesses comuns". Foi muito claro ao explicar por que a China não apoia o Brasil na reforma do Conselho de Segurança da ONU: "Enquanto o Brasil se aliar ao Japão para entrar no Conselho, a China vai se opor". Muito claro. Claríssimo!

Puxei o assunto para a China, por que há consenso de que o Brasil tenha sido muito beneficiado pelo seu crescimento vigoroso. Entretanto, a novidade dos próximos anos pode ser a frenagem deste gigante, como consequência da deterioração da situação econômica da Europa e dos Estados Unidos.

A chuva de dinheiro que cai na nossa horta vai parar.  Não poderemos continuar "na banguela" por mais alguns anos. Nesse quadro, a construção de um país melhor em todos os aspectos, orgulhoso dos seus 200 anos de independência, só dependerá de nós.

Lamentavelmente, o governo Dilma perdeu a oportunidade de fazer qualquer reforma significativa. Talvez, o susto de uma nova e profunda crise mundial sensibilize a classe política.

Algumas citações circularam no evento da Economist. Não vejo de forma alguma um grego falando para um brasileiro: "Eu sou você amanhã". Por outro lado, concordo com outras: "Brasil pode ficar velho antes de ficar rico" ou "Brasil é uma obra inacabada".


Fotos: Centro de Saint-Martin-de-Ré, principal núcleo da Île de Ré, um destacado polo do turismo francês.


PS- Vocês lembram do "sesquicentenário"? Pois é, estamos ficando muito experientes.

Sunday, October 30, 2011

Paz na Terra

A semana passada foi dominada pelas difíceis negociações em torno do Euro. Se a união monetária é uma ousada etapa dentro do projeto europeu, ninguém duvida de que o grande valor deste esforço de integração é a PAZ. Parece banal, mas olhando-se para o passado, não encontramos muitos períodos em que as principais nações europeias não estivessem guerreando entre si.

Falando de guerra e paz, o novo livro de Steven Pinker, "The Better Angels of Our Nature", tem sido muito comentado. O livro mostra como a violência vem caindo ao longo dos séculos, contrapondo a percepção de que o século XX, com todas as suas barbáries, tenha sido especialmente trágico.

Antes de mais nada, afirmo que ainda não li o livro. Mesmo assim, conforme os bons artigos na imprensa internacional, posso dizer que concordo com a tese do autor. Por outro lado, recomendo certos cuidados na interpretação dessa nossa longa marcha rumo à civilidade.

O autor enfatiza o seu pensamento estatístico ao analisar a História. Isso significa - nas minhas palavras - que qualquer guerrinha com alguns poucos milhões de vítimas não vai mudar a sua tese. Matematicamente, concordo. Ou seja, a mega tendência de redução da violência não é nenhuma garantia de paz.

Ilustrando ainda melhor. Há 100 anos, estávamos às vésperas das duas grandes guerras, que fizeram juntas 70 milhões de vítimas, segundo a tabela de catástrofes humanitárias do autor.  Muito provavelmente, as suas conclusões seriam as mesmas se estivéssemos hoje em 1911. Eu sempre defendi o pensamento estatístico, mas vá ser calculista assim na...

Falando sobre o seu método. No século VIII, houve uma grande disputa de poder na China, que culminou com uma gigantesca rebelião e matança. O saldo da revolta de "An Lushan" foi de 36 milhões de mortos.  À época, a população humana estava na casa dos 200 milhões. Então Pinker corrige o número de vítimas de 36 para 429 milhões, fazendo a equivalência com a população humana no século XX, e transformando o evento na maior carnificina da História.

Na minha primeira leitura das críticas sobre o livro, esta relativização do número de vítimas chamou a atenção - confesso que fui direto aos números, depois li os textos em si. Muitos comentaristas também mostraram-se surpresos, mesmo sem discordar. Possivelmente, concordaria com a tese do autor mesmo sem a tal proporcionalização.

Pensando com meus botões, pergunto se não seria o contrário. Por que não dar um peso ainda maior para as matanças mais recentes, na medida que nos distanciamos do nosso passado selvagem e tribal. Se, ao longo da História, o mundo que ficou mais civilizado, pois desenvolveu o comércio, a diplomacia e a educação, não seria uma guerra recente mais vergonhosa do que uma remota?

Enfim, se a matemática das vidas humanas pode ser discutível, sob uma perspectiva histórica o autor está certíssimo. Mesmo que nada mude a tendência de pacificação da humanidade, em nenhum momento devemos abrir mão da nossa vigilância a fim de se evitar novas tragédias.

Não sei se o autor comentou, mas a sociedade conectada é mais uma grande ajuda para um mundo que zela pelo respeito aos direitos humanos e, portanto, caminha para a tão sonhada civilidade. E que venha ao mundo nosso sétimo bilionésimo irmão!


Foto: Em julho, estive mais uma vez em La Rochelle e Île de Ré (foto), na região de Poitou-Charentes. O tempo decepcionou para julho. As fotos acompanham os próximos posts.

Outro post interessante deste blog: É o amor!

Sunday, October 23, 2011

Rugby - Epílogo

Não consigo deixar de pensar na Copa do Mundo de Rugby 2011, organizada pela Nova Zelândia, sob uma perspectiva franco-futebolística:

Na fase classificatória, a campanha da França passou por uma zebra, na derrota para Tonga, e ainda por um chocolate levado da Nova  Zelândia.  Depois de lavar muita roupa suja na concentração, comissão técnica e jogadores voltaram para a fase eliminatória com mais raça e entrosamento. Amarraram os jogos e apelaram para um rugby de resultados. Os jogos contra a Inglaterra e País de Gales foram feios, mas a tática funcionou.

Na semifinal, contaram com o apito amigo. Este último mudou de lado na grande final. Perder - de novo - para a franca favorita Nova Zelândia, por apenas 8 X 7 não é vergonha. Enfim, a França proclamou-se a campeã moral.

Próximas Copas: 2015 Inglaterra e 2019 Japão.

Thursday, October 20, 2011

A saúde de Carlita

Ao longo dos anos vividos na França, colecionei alguns furos do sistema de saúde francês testemunhados por vários colegas. Poderia escrever um punhado de posts macabros. De fato, o sistema não é perfeito, é “apenas” mais justo e igualitário. Talvez, um dos melhores do mundo.

Muitos brasileiros teimam em compará-lo com os poucos destaques da saúde nacional (Einstein, Fleury, entre outros). Teríamos que incluir toda a rede pública do país nesta comparação. Aí, a nossa desvantagem seria evidente.

Ao contrário do que se pensa, uma grande parte do sistema de saúde francês é privada. São as chamadas clínicas, que dão mais capilaridade e especialização à rede de hospitais públicos. Algumas características dos hospitais públicos: Triagem rigorosa (prioridade às situações mais graves), simplicidade (quartos individuais são raros) e medicina de altíssimo nível.

Existem algumas clínicas bem menos austeras do que os hospitais públicos, mas totalmente integradas ao sistema. Ou seja, mesmo optando-se por uma clínica, o governo paga a sua conta, o seu médico, os seus remédios, etc. No final, 80% dos gastos totais com saúde da França são reembolsados pelo Tio Nicolas. Os demais 20% ficam por conta dos extras, excedentes de honorários de clínicas e médicos, cirurgias não prioritárias e estéticas, etc.

Num sistema que busca a igualdade, até mesmo a opção de Carla Bruni por uma clínica privada, na ocasião da sua maternidade, causou desconforto. O diretor da clínica escolhida veio a público esclarecer que não dispensou qualquer tratamento privilegiado, salvo o dispositivo de segurança pessoal da esposa do Presidente. Afinal, como cidadã, grande parte das despesas do seu parto também serão reembolsados. Especula-se que tenha escolhido um médico particular, daqueles raríssimos não conveniados com o governo.

Num sistema bancado pelo Estado, poderia-se esperar um certo abuso, uma certa inflação do custo das internações e consultas. Pois é o contrário. As consultas médicas raramente passam dos 200 reais, bem longe da realidade brasileira. O mesmo se sucede com as despesas hospitalares em geral.

Enfim, esse contraste deixa evidente que o sistema brasileiro está viciado. Melhor corrigir antes que chegamos ao desespero norte-americano.


Foto: Última foto de Saint-Antoine l’Abbaye, a sua rua principal, que termina na pracinha mostrada no post de 9/10 (“Quinzena Francesa”).

Saturday, October 15, 2011

Novelão e cinemão

As primárias do Partido Socialista têm monopolizado a mídia francesa. A superexposição é uma faca de dois gumes. Conversei com alguns colegas simpatizantes do PS, eles confessam que estão incomodados com o fenômeno. Não aguentam mais o embate entre os líderes socialistas, que passou por debates na TV, ataques, intrigas e tudo que uma campanha política tem de pior.

Pelo menos a disputa interna acaba neste domingo, 16 de outubro, dia do segundo turno das eleições internas do partido. François Hollande ou Martine Aubry será o candidato do PS nas eleições de 2012. Os eliminados no primeiro turno (Manuel Valls, Jean-Michel Baylet, Ségolène Royal e Arnaud Montebourg) declararam apoio a François Hollande.  

Longe de querer dar palpite no país dos outros, torço apenas para que o partido esteja unido e preparado para o confronto com Sarkozy em torno de ideias e projetos para a França e Europa. Afinal, o continente enfrenta um momento difícil e não pode abrir mão da co-liderança da França para tentar solucionar os seus problemas.

Além de assistir ao novelão do PS, aproveitei as últimas duas semanas na França para ver quatro filmes recomendados, que chegam aos cinemas brasileiros apenas em 2012. Antes disso, só em mostras e festivais.

"The Artist" -  Melhor interpretação para Jean Dujardin (Cannes, 2011). Na época do cinema 3D, um filme em P&B e mudo pode chocar. O filme é bem razoável e, finalmente, Dujardin fez algo acima da média. Vale a pena assistir, por ser diferente.

"Habemus Papam" - Comédia italiana de Nanni Moretti. Confirmado para a Mostra de Cinema de SP. É uma comédia bem leve sobre um Papa recém eleito em crise existencial. A situação como um todo é bem original, mas o enredo não surpreende. Meio previsível.

"Drive" - Melhor direção a Nicolas Winding Refn (Cannes, 2011). Apareceu no Festival do Rio e, segundo alguns tweets, não vem para a Mostra de SP. O enredo parece bobo, um cara enfrenta sozinho uma gangue de mafiosos. Mas o filme é ótimo. Com uma ou outra cena muito violenta, o diretor consegue manter o suspense e a nossa expectativa. Valoriza as cenas de ação e até o elenco mediano parece ser formado por estrelas. Tem uma trilha sonora excelente. Quando o filme termina e acendem-se as luzes, dá para sentir as pessoas expressando algo como "uau". Imperdível. Veja o clípe

"De bon matin" - Que eu saiba não foi premiado, mas foi aclamado pela imprensa francesa. Ambientado no mundo corporativo, fala sobre o estresse e o assédio moral. Interpretações excelentes, mas no jeitão tradicional do cinema francês. Só vá se gostar do tema.


PS 1 - Assisti a um desses filmes numa rede independente. Normalmente, vou aos cinemas da rede UGC, uma espécie de Cinemark francês. No "Le Balzac", numa travessa da Champs Élysées, o dono do cinema, Jean-Jacques Schpoliansky, faz seus comentários antes do filme, enaltecendo a sua luta para manter o cinema independente, que privilegia os filmes de autor. O cinema estava em ótimo estado. Veja o próprio Jean-Jacques no vídeo. O "Le Balzac" também faz caixa retransmitindo as óperas de Paris a 25 euros o lugar. Não é a sensação de estar na Ópera Garnier ou na Ópera da Bastilha, mas com 25 euros não dá para fazer muita coisa.


PS 2 - A França ganhou do País de Gales e está na final da Copa do Mundo de Rugby. Amanhã, no mesmo dia das primárias do PS, ela conhecerá o seu adversário, Nova Zelândia ou Austrália. A França participou das finais das Copas de 1987 e 1999, sendo batida respectivamente pela Nova Zelândia e pela Austrália.  


Foto: Havia algo estranho naquele domingo em Saint-Antoine l’Abbaye (Isère). Eu sabia que era feriado religioso, mas cadê todo mundo? Não tardou para que chegasse a cidade inteira em procissão. Acima e abaixo, a sua igreja em dois momentos.


Sunday, October 9, 2011

Rugby 2011


Errei feio no bolão da Copa do Mundo de Rugby 2011. Entre os quatro semifinalistas, só acertei o dono da casa, a Nova Zelândia. A propósito, organizar a Copa custou tão caro aos cofres do pequeno e próspero país, que já se arrependeram. Conhecem algo parecido?

Esta é a sétima Copa do Mundo de Rugby. Assim como no futebol, os títulos parecem se concentrar em poucos países. A semifinal Austrália X Nova Zelândia, um clássico da Oceania e do mundo, reúne 3 dos 6 títulos mundiais já conquistados.

A outra semifinal é França X País de Gales, sem nenhum título na bagagem, mas prometendo um jogão. Vale lembrar que a França tem um rugby de ótimo nível. O esporte é popular, bem administrado e bem menos sujeito às ingerências e improbidades ludopédicas. Os “les bleus” podem chegar à final.

Para quem não sabe, as seleções nacionais de rugby usam e abusam dos apelidos:

Austrália - Wallabies
Nova Zelândia – All Blacks
França – Les Bleus
África do Sul – Springboks

Imaginei que o atual campeão, a África do Sul, chegasse mais longe. De qualquer modo, perder para a Austrália não é uma surpresa.

Falando dos Springboks, o Le Monde fez uma grande matéria sobre o destino dos jogadores que conquistaram a Copa de 1995, eternizada em Invictus. Vários deles contraíram doenças muito graves. Embora não haja sustentação científica, as próprias declarações dos ex-jogadores atestam que aquele título teve uma grande mãozinha de estimulantes de todos os tipos.

No vídeo acima, o “haka”, dança típica maori, adotada pela Nova Zelândia na abertura dos seus jogos. Ultimamente, não bota medo em ninguém, mas jogando em casa, os All Blacks são favoritos.

Quinzena francesa

Duas semanas na França: Uma em Lyon e outra em Paris. Tempo para trabalhar, rever os amigos e me atualizar sobre as coisas da França e da Europa. Mesmo acompanhando do Brasil, não é a mesma coisa. Quando estou aqui, me conecto plenamente com o país.

É bem verdade que a semana foi marcada pela perda de Steve Jobs, um evento que transcende aos EUA. São poucos os americanos tão admirados pelos franceses e Jobs era uma dessas exceções. Talvez, seu expoente.

Na política, valem meus comentários anteriores. Para o público interno, Sarkô continua buscando a máxima discrição, a invisibilidade. Quer fazer a diferença no exterior. Ganhou pontos com a Líbia e busca outras vitórias. O filho da Carla Bruni deve coroar a nova fase deste venerável homem de família. Enquanto isso, do outro lado do espectro político, trava-se uma feroz disputa para quem irá desafiá-lo no próximo ano.

Apesar da relativa estagnação e das perspectivas ruins, vi muita coisa funcionando bem por aqui desde a minha volta definitiva para o Brasil. A Economia é puxada pelo setor público e tem um monte de coisas acontecendo: Reforma e expansão do metrô de Paris, novas linhas de grande velocidade, novos museus, etc.

Nos esportes, a semana foi muito boa para a França. Na Copa Mundial de Rugby, ela eliminou a Inglaterra e se qualificou para a semifinal contra o País de Gales. No futebol, a classificação para a Eurocopa está na mão. No próximo post, eu falo mais sobre o rugby.


Foto: Mais uma foto em Saint-Antoine l’Abbaye, em Isère. A pracinha principal ao lado da sua igreja, local de peregrinação para os devotos de Santo Antão.

Sunday, September 25, 2011

Escravos de Jó, Jintao e Zara

Um mês depois do escândalo em torno do trabalho escravo nos fornecedores da Zara, constatei que alguns clientes abandonaram a marca para sempre. Estão certos. Já foi o tempo em que uma grande empresa podia alegar desconhecimento do que se passa em sua cadeia de fornecimento. A ampliação do senso de responsabilidade social é um imperativo da gestão moderna.

Oposição ao trabalho escravo não é um problema econômico, é uma questão humanitária, uma questão de princípio. Daí, minha solidariedade aos ex-clientes da cadeia espanhola.

Por outro lado, fica aquela pergunta que não quer calar, aquela dúvida que nos assola há tempos: Por que não temos uma atitude mais enérgica com aqueles quase escravagistas do outro lado do mundo?

Em 2007, Sara Bongiorni, uma jornalista americana, publicou o livro "A year without Made in China". Mesmo tendo declarado que seu livro não tem caráter político, o testemunho é muito interessante. Todos sabem que quase todo manufaturado vem da China e achar uma alternativa dá muito trabalho. A família da jornalista persistiu e passou um ano sem qualquer produto chinês. Seus filhos, por exemplo, quase foram privados de novos brinquedos, tamanha a presença chinesa no setor. Ao final de um ano, a vida da família Bongiorni estava um inferno e muito mais cara.

Muita gente hesita quando percebe que o boicote vai sair caro. Nas duas últimas décadas, exportar os empregos para a China foi útil para o Ocidente. Porém, estamos diante de uma nova realidade. Americanos e europeus estão sem empregos e sem dinheiro. Talvez seja a oportunidade para se aprimorar o sistema sócio-econômico no Ocidente e no Oriente.


Foto: Ainda da safra de junho, passagem por Saint-Antoine l'Abbaye, vilarejo medieval em Isère.

Saturday, September 24, 2011

FIFA bugs


Tudo o que leva o nome da FIFA tem sido motivo de piada, até mesmo o jogo eletrônico "FIFA 2012". A versão de demonstração que circula por aí apresenta alguns bugs incríveis. Veja o vídeo:


O jogo concorrente "PES" (Pro Evolution Soccer), na sua versão 2012, não fica atrás, com uma safra de bugs comparáveis. Veja o vídeo:


Enquanto os bugs do FIFA devem-se, em grande parte, a um sofisticado sistema que simula as colisões de jogadores, aqueles do PES parecem mais banais, ligados a posicionamento. De qualquer forma, ambos os jogos têm um nível de realismo muito distante dos primeiros jogos que conhecemos na juventude, como o Atari (1983):


Os games mais modernos têm os seus méritos. Aproveitando-se do poder computacional dos novos consoles, computadores e dispositivos portáteis, eles são programas de simulação extremamente sofisticados. Teria sido mais simples apelar para "jogadas ensaiadas", limitações na movimentação dos jogadores ou situações pré-gravadas. Mas, não, ao contrário dos cartolas, os jogos não apelam para a enganação. A proposta é deixar acontecer, ou seja, as jogadas, os dribles, as colisões e a trajetória da bola são calculados em tempo real. Pensando em informática, é uma senhora ambição. E quanto mais avançamos, mais exigente ficamos. Que venham os bugs!

Sunday, September 18, 2011

Whatsinaname?

A proliferação das redes wifi domésticas é tão grande que ofuscou a discussão sobre a abertura do sinal para vizinhança. A abertura em prol da inclusão foi defendida por muitos, mas desaconselhada por advogados.

Por onde ando, constato que quase todas as redes usam algum padrão de segurança. Bem, confesso que não testei a qualidade das senhas. Deixo isso para os "engenheiros sociais".

Uma discussão mais atual diz respeito aos nomes das redes. Nomes como "No Free Wi-Fi 4 U" ou "Connect to this if you want a virus" eram bem comuns como formas de se afastar os vizinhos aproveitadores. Porém, muita gente aproveitou para passar um recado mais explícito. Eis alguns casos reais documentados nos EUA:

- "stoplettingyourdogshitonmylawn"
- "wecanhearyouhavingsex"
- "partyatapartment564comeandbringbeer"
- "turndownyourmusic"
- "needaman"

Há também mensagens com conotação política: "killhealthcare", "betterthanbush" e "palinsux". Além das religiosas: "jesussaves", "godisfake" e "endofdays".

Um debate animado pela Slate questionava se mandar um recado para o vizinho dessa forma é melhor do que a abordagem direta. Minha resposta: Depende. Mas tenho certeza de que, na próxima vez que for batizar a sua rede, será mais criativo. Enquanto isso, veja se não tem nenhum recado da vizinhança para você.


Foto: Outra de Lyon, tirada em junho último. As estufas do parque da Tête d'Or, onde costumo correr e raramente levo a máquina fotográfica.

Sunday, September 11, 2011

Amigo Schyzo

Eu nunca tive perfis falsos nas redes sociais, apenas perfis de teste. É diferente. Explico melhor.

No LinkedIn, usei um nome fictício para navegar anonimamente. Há alguns anos, estava recrutando e naveguei pelo site procurando candidatos. Passei os perfis mais interessantes para um headhunter, pois não poderia abordar tais pessoas diretamente. Era prudente não deixar rastro em meu nome.

No Twitter, usei o perfil para conhecer melhor a ferramenta. Também fiz simulações para ver como funcionam os serviços que medem a influência do tuiteiro. Foi um experimento.

No Facebook, mais ou menos na mesma linha, quis entender melhor como o site prioriza as atualizações, sugere contatos, dirige anúncios, etc. Assim como no Twitter, testei bastante o princípio da reciprocidade ("você me segue, eu te sigo"). Enfim, ciência pura ;-)

Como o Brasil ainda não sabe se vai para uma linha mais restritiva ou liberal, com relação ao uso da Web, me antecipei e apaguei tudo.

Foi uma pena. Deveria ter repassado o material para algum estudioso. Mesmo dando o nome de Schyzo para o meu perfil de teste, vieram centenas - eu disse centenas - de mensagens do tipo: "Que legal que você aceitou o meu convite"; "qualquer hora vamos nos encontrar"; "temos os mesmos interesses"; "você tem um amigo por aqui"; "te espero aqui no Rio"; "como eu posso ajudá-lo?"; etc. Baseado no princípio da reciprocidade, o Schyzo conquistou muito mais "amigos" do que eu.


Foto: Desde que mudei de Lyon, quando retorno a cidade, costumo ficar hospedado nos arredores da antiga estação de trem de Brotteaux, que hoje abriga diversos restaurantes.

Wednesday, September 7, 2011

Meu onze de setembro

Também vou compartilhar o meu onze de setembro de 2001 com vocês. Estava no trabalho desde muito cedo pois, há dez anos, conseguia atravessar São Paulo bem mais rápido. Interromperam uma reunião importante com notícias bastante distorcidas sobre o ocorrido, então procuramos a TV. Acabava a reunião.

Apesar do choque, estava totalmente concentrado na preparação do orçamento 2002. Na semana seguinte, apresentaria algumas propostas na França. Que os vôos para os EUA estavam suspensos, todos sabiam. Porém, não contava que a empresa suspendesse todos os vôos internacionais. Não compareci àquela convenção de 2001, que congregou apenas os franceses. Apresentei alguma coisa pelo telefone, mas foi pouco eficaz.

Poucas semanas depois, teria uma outra viagem internacional planejada há tempos. Era o tradicional evento do Gartner (Symposium ITxpo) em Orlando. Aí não teve jeito, ir para os EUA continuava mesmo proibido. Então, ao invés de ir pela empresa, eu fui ao Symposium de férias!

Os aeroportos americanos continuavam às moscas. O evento estava bem mais vazio do que o normal. O Gartner adicionou uma dúzia de palestras extras sobre "disaster recovery", que viraram a sensação do evento.

O evento acabou bem, as férias idem. Os orçamentos se sucederam, assim como a realização dos mesmos. Bem, é claro, alguma coisa mudou...


Foto: Última foto de Dijon, uma das ruas que desembocam na  Place de la Libération, mostrada anteriormente.

Saturday, September 3, 2011

RIP Britannica

A Britannica de casa era um pouco mais velha do que eu. Sobreviveu ao mofo e aos cupins. Sobreviveu aos PCs e à primeira fase da Web. Em tempos de tablets e smartphones, a competição ficou muito difícil. Com a Web inteira sempre à mão, não tem para ninguém. Depois de quase cinco décadas de bons serviços, resolvemos doá-la. Esperamos que ainda seja útil para alguém.

Ofereci algumas outras publicações enciclopédicas para meus sobrinhos, que recusaram gentilmente. Insisti que poderiam ser recortadas à vontade, porém isso já não faz mais o menor sentido.

Depois da Britannica, a tendência é fazer a limpa em todas as publicações do gênero e tudo que é de domínio público. Um Kindle comportaria grande parte dos clássicos da literatura e da filosofia escritos até o começo do século XX daqui de casa.

Entre os aspectos marcantes da Britannica, estão os artigos assinados. Nos anos 60, o verbete "vida" era assinado pelo Isaac Asimov. Depois, foi substituído pelo Carl Sagan. Confesso que não sei quem são os autores das versões mais recentes. De qualquer forma, compará-la com a Wikipedia não faz o menor sentido. São coisas diferentes.

Nos anos 90, a Britannica quebrou a cara duas vezes. Na curta fase das enciclopédias em CD e na tentativa precoce de se cobrar pelo acesso à informação via Web. Às vésperas do novo século, finalmente, lançaram um site com conteúdo aberto. Eu mesmo festejei a iniciativa no artigo para o Computerworld "Lições que não estão na enciclopedia" (novembro de 1999). Errei, pois a Wikipedia nascia poucos meses depois.

Asimov, citado acima, foi mais visionário. Vinte anos antes do meu artigo, escreveu:

"Certamente, cada vez mais pessoas seguiriam esse caminho fácil e natural de satisfazer suas curiosidades e necessidades de saber. E cada pessoa, à medida que fosse educada segundo seus próprios interesses, poderia então começar a fazer suas contribuições. Aquele que tivesse um novo pensamento ou observação de qualquer tipo sobre qualquer campo, poderia apresentá-lo, e se ele ainda não constasse na biblioteca, seria mantido à espera de confirmação e, possivelmente, acabaria sendo incorporado. Cada pessoa seria, simultaneamente, um professor e um aprendiz."


Foto: A sede dos correios em Dijon, capital da Borgonha.

Sunday, August 28, 2011

RIP PC 2

No post anterior, mostrei que muita gente já falava do fim do PC em meados dos anos 90. Procurando na minha biblioteca pessoal (física), achei um texto ainda mais antigo e mais preciso. Um artigo de Mark Weiser (PARC, Xerox) para a Scientific American de Setembro/91 intitulado "The Computer for the 21st Century". Vejam algumas linhas:

The most profound technologies are those that disappear. They weave themselves into the fabric of everyday life until they are indistinguishable from it.
...
The arcane aura that surrounds personal computers is not just a "user interface" problem. My colleagues and I at PARC think that the idea of a "personal" computer itself is misplaced, and that the vision of laptop machines, dynabooks and "knowledge navigators" is only a transitional step toward achieving the real potential of information technology. Such machines cannot truly make computing an integral, invisible part of the way people live their lives. Therefore we are trying to conceive a new way of thinking about computers in the world, one that takes into account the natural human environment and allows the computers themselves to vanish into the background.
Ubiquitous computers will also come in different sizes, each suited to a particular task. My colleagues and I have built what we call tabs, pads and boards: inch-scale machines that approximate active Post-It notes, foot-scale ones that behave something like a sheet of paper (or a book or a magazine), and yard-scale displays that are the equivalent of a blackboard or bulletin board.
...
My colleagues and I at PARC believe that what we call ubiquitous computing will gradually emerge as the dominant mode of computer access over the next twenty years. Like the personal computer, ubiquitous computing will enable nothing fundamentally new, but by making everything faster and easier to do, with less strain and mental gymnastics, it will transform what is apparently possible. Desktop publishing, for example, is fundamentally not different from computer typesetting, which dates back to the mid 1960's at least. But ease of use makes an enormous difference.

Enfim, foi no PARC que a revolução começou. Grande parte das ideias da Microsoft e da Apple saíram do renomado laboratório. Quem tinha visão sabia que o PC era apenas um meio e não o fim.

O autor menciona os "pads" e também o "knowledge navigator", um conceito da Apple celebrizado na gestão John Sculley, no final dos anos 80. (Não achei o meu exemplar do seu livro "Odisséia" aqui em casa. Livros demais ou memória de menos?)

Lembrar de John Sculley na semana em que Steve Jobs deixou a operação da Apple talvez não seja muito correto. Mas, se existe alguém no mundo que soube transformar os sonhos de tantos visionários da TI em realidade, esse homem é Steve Jobs.


Foto: A Place du Bareuzai em Dijon. A estátua, o carrossel e a mistura de estilos arquitetônicos marcam um dos locais mais animados da cidade. Literalmente, há séculos!

Saturday, August 27, 2011

RIP PC 1

Depois de muita espera, podemos dizer que a era pós-PC começou. Com a explosão dos dispositivos móveis, o PC passa a ter um papel secundário na nossa vida pessoal e profissional. Sabíamos que chegaríamos ao fim da era do PC, mas não exatamente quando e como.

Bill Gates, o grande vencedor da era PC, escreveu em "A Estrada do Futuro" (1995):

"É um pouco assustador, já que, à medida que a tecnologia dos computadores avançou, nunca o líder de uma fase permaneceu líder na fase seguinte. A Microsoft tem sido líder na fase dos microcomputadores. Portanto, a partir de uma perspectiva histórica, acho que a Microsoft não se qualifica para liderar a fase da estrada na Era da Informação. Mas quero desafiar a tradição histórica".

O fim da era PC aparece em muitos textos que pude pescar via Google:

1998 -  Relatório anual IBM
"The PCs reign as the driver of customer buying decisions and the primary platform for application development is over." (Lou Gerstner)

1998 - Economist
"WHISPER it quietly, the personal computer—the machine of the 1990s—will be entering its twilight years by the beginning of the new millennium."

1999 - BBC
"The biggest mistake of all, he says, is ignoring the mass-market customer - the average computer user who wants to use the web, without the bother of doing any technical homework."

1999 - Businessweek
"It's not just this slew of gee-whiz devices that will make information appliances commonplace. Mundane products already found in many homes will also get far smarter. Cameras, TVs, cell phones, and cable boxes are going digital, making it far easier to add new features that let them take on jobs now done by the PC--including Internet access."

2000 - CNN Money
"Likewise, a greater proliferation of Web-enabled devices such as cell phones and personal digital assistants over the next few years will further remove the consumer experience of computing from the desktop."

Parei nas citações do século passado. Dali em diante, o fenômeno era evidente.


Foto: Ainda em Dijon, a elegante Place Darcy, inspirada no modelo parisiense.

Saturday, August 20, 2011

Enquanto isso, no ar

Na última semana, o ator francês Gérard Depardieu foi objeto do escárnio generalizado, por ter urinado num corredor de avião. De acordo com a versão oficial, o incidente do vôo AF5010 deveu-se a um problema de próstata. Vamos acreditar na versão oficial e enviar votos de saúde ao eterno Obélix!

Alguns dias antes, a imprensa revelou um outro segredo dos vôos da AF. Quando DSK está a bordo, a companhia escala UM comissário para atendê-lo, afastando-o das comissárias. O passageiro é velho conhecido da companhia e possui um longo histórico de assédios.

Depois de muito voar por este mundo, garanto que, se DSK viajasse de United ou Delta, não haveria a menor preocupação com o assédio às aeromoças. Desculpem-me pela franqueza, mas a diferença entre as comissárias de empresas americanas e não americanas é gritante. Muitos brasileiros já perceberam, tanto é que criaram o termo "aerovelhas" para contrastar com as simpáticas e esbeltas "aeromoças". Mas, por que?

Nunca tinha parado para pensar. Uma vez, um conhecido arriscou: "Os americanos são maiores mesmo!". Sem comentários.

A ficha caiu recentemente. Por questões profissionais, percebi como a gestão de recursos humanos nos EUA exige uma série de cuidados para se garantir que os empregados não sejam discriminados. E isso é levado muito a sério. Deduzi que as companhias aéreas não poderiam escolher as suas profissionais com base na idade, peso, estado civil ou mesmo por um rostinho bonito.

De fato, é isso mesmo. Nos anos 70, as profissionais do ar se organizaram para assegurar seus direitos. A "Stewardesses for Women's Rights" existiu apenas por  4 anos, mas redefiniu o mercado de trabalho da categoria nos EUA através de uma série de ações legais e mobilizações. O mesmo não aconteceu no resto do mundo.

Veja este parágrafo da Wikipedia sobre o tema:

"Originally female flight attendants were required to be single upon hiring, and were fired if they got married, exceeded weight regulations, or reached age 32 or 35 depending on the airline. In the 1970s the group Stewardesses for Women's Rights protested sexist advertising and company discrimination, and brought many cases to court. The age restriction was eliminated in 1970. The no-marriage rule was eliminated throughout the US airline industry by the 1980s. The last such broad categorical discrimination, the weight restrictions, were eliminated in the 1990s through litigation and negotiations. By the end of the 1970s, the term stewardess had generally been replaced by the gender-neutral alternative flight attendant. More recently the term cabin crew or cabin staff has begun to replace 'flight attendants' in some parts of the world, because of the term's recognition of their role as members of the crew".

Enfim, é bom ser atendido por uma comissária bonitinha da Air France, Singapore Airlines ou TAM, mas por trás delas existe uma prática discriminatória, certamente não condizente com nossos manuais tão recentes de sustentabilidade.


Foto: A Rue de la liberté, eixo principal do núcleo histórico de Dijon.

Friday, August 19, 2011

Ops...

Os escândalos de corrupção certamente preocupam Dilma. Não foi à toa que cometeu dois atos falhos no mesmo dia. Diz a Veja: "Na hora de cumprimentar o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, chamou-o de Agnelo Rossi – sobrenome do ministro que tem dado mais dor de cabeça à presidente nas últimas semanas, Wagner Rossi, da Agricultura. Ao se referir a Alberto Broch, presidente da Contag, chamou-o de Alfredo, nome do ex-ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento..."

Na terra de Sarkô e DSK, os atos falhos são de outra natureza. Bruce Hortefeux, ex-ministro e atual conselheiro do Eliseu, trocou "impressões digitais" por "impressões genitais", quando falava sobre o cadastramento dos imigrantes.

Já a ex-ministra Rachida Dati se entregou em duas oportunidades. Na primeira, no meio de uma entrevista sobre Economia, trocou "inflação" por "felação". Na segunda, falando sobre integração das minorias, trocou "code" (código) por "gode" (objeto em formato fálico).



Foto: A edícola que abriga o "Puits de Moïse" em Dijon, conforme mencionado no post anterior.

Thursday, August 18, 2011

Puits de Moïse

Na minha primeira passagem por Dijon, fiz o circuito básico da cidade. Também fui atrás do "Puits de Moïse" (Poço de Moisés), conforme a recomendação do Guia Michelin. Infelizmente, acabei não encontrando o famoso poço. Não havia nenhuma indicação para uma obra de arte tão importante. Era domingo, a cidade estava vazia, e não encontrei ninguém que soubesse dar informações. Resultado, andei, andei e andei. Conheci a cidade inteira e um belíssimo parque.

O poço é uma obra prima de Claus Sluter (1340-1405). Fazia parte da Chartreuse de Champmol, monastério que abrigava as tumbas dos Duques da Borgonha, transferidas posteriormente para o palácio mostrado (parcialmente) no post anterior.

De fato, o "Puits de Moïse" fica no interior de um complexo psiquiátrico e esteve fechado para visitação por longos anos. Vítima de diversos atos de vandalismo, passou por uma longa restauração e permaneceu com acesso restrito por muito tempo. O local só foi reaberto a visitação em 2010. Só soube disso quando estava de mudança de Lyon para São Paulo.

Voltei a Dijon em junho último para conhecê-lo. Percebi que a visita ainda não atrai multidões. Para ser mais preciso, eu era o único visitante naquela tarde. O lugar é tão amplo e belo que fica fácil esquecer que se trata de um hospital psiquiátrico. Assim como as tumbas dos duques da Borgonha me impressionaram em 2007 (como registrei no antigo fotolog), a visita ao "Puits de Moïse" também valeu à pena. Mais informações na Wikipedia.


Foto: A escultura de Claus Sluter que ornamenta o poço de Moisés.  A foto abaixo é um detalhe da foto acima.


Wednesday, August 17, 2011

iPocalypse

O termo IPocalypse retrata um cenário de pane geral da Internet pela falta de endereços IP. Esteve muito em voga, pois o sistema de endereçamento atual aproxima-se do seu limite e a transição para o novo faz-se necessária. Na esteira do IPocalypse, veio o iPocalypse, referindo-se a panes diversas no mundo Apple, que poderiam ocasionar perda de dados, perda de músicas, desconexão, etc.

Mais recentemente, o termo iPocalypse tem sido usado para retratar a nossa ligação com os smartphones, tablets e outros equipamentos móveis que carregamos para todos os lados. Pesquisas diversas - sérias ou não - convergem: As pessoas abririam mão de muitas coisas para ter ou manter seu iPhone, por exemplo.

O excesso de apego a tais gadgets, ícones do nosso mundo materialista, retrataria a decadência da nossa sociedade?

Discordo. Exageros à parte, é verdade que desenvolvemos uma certa dependência de tais gadgets, mas jamais por desvalorizar o contato humano ou menosprezar valores espirituais. Nós queremos simplesmente ser mais produtivos, mais rápidos e mais bem informados. É uma resposta a uma sociedade mais exigente e competitiva.

As pessoas não querem abrir mão dos seus smartphones, pois reconhecem a sua utilidade. Além de tudo - e está mais do que provado - se esses aparelhos nos ajudam um pouco, eles fornecem a milhões de pessoas do mundo inteiro algo ainda mais básico: A cidadania.

Talvez a sociedade decadente esteja na crise econômica, no aquecimento global ou na corrupção generalizada. Já os smartphones têm ajudado a derrubar ditaduras, mobilizar povos na defesa dos seus direitos e democratizar o acesso à informação. Considerando-se que apocalipse significa revelação, quem cunhou o termo talvez tenha acertado por linhas tortas.



Fotos: Ainda no feriado prolongado de junho deste ano, passei por Dijon (Borgonha). O motivo da visita será relatado mais para frente. Por enquanto, fiquem com algumas fotos das suas atrações principais. Acima, o coração da cidade, a Place de la Libération, diante do Palácio dos Duques de Borgonha.

Monday, August 8, 2011

Vacances

No auge do escândalo com o ex-presidente do FMI, sabia-se da importância da instituição face às incertezas vindouras. A liderança de DSK sempre foi respeitada. Com a inevitável expansão da crise, será a vez de Christine Lagarde encarar o desafio do cargo e o esqueleto que está no seu armário.

A ex-ministra é acusada de ter facilitado a vida de Bernard Tapie, amigão do Sarkô, brindado com uma indenização do Estado francês de mais de 300 milhões de euros. Há evidências de que Tapie, ex-dono da Adidas, tenha vendido suas empresas a preço de banana, graças a uma combinação de interesses políticos e privados, no melhor estilo das repúblicas bananeiras.

Se foi armação ou não, caberia à Justiça decidir. Entretanto, o governo Sarkô tirou o processo do Judiciário e o enviou para uma corte arbitral independente. Como resultado deste "fast-track" jurídico, o Estado foi condenado a indenizá-lo. Se isto não for imoral, é de um arrojo sem igual. Como escrevi em 2008: “Nem o José Dirceu tinha pensado nisso”.

Um articulista do Le Monde, estudioso das questões legais e constitucionais, salienta que é impossível incriminar Sarkozy neste episódio. O Presidente nunca sabe de nada! Largarde responderá por ele.

A esta altura do campeonato, o eleitor francês está olhando mais para a crise que se aprofunda e, principalmente, para o seu bolso. As notícias vindas do outro lado do Atlântico não são animadoras. Este quadro favorece o partido de Sarkozy, de direita, com ou sem escândalo. A extrema-direita, em ascensão, perdeu pontos com o atentado norueguês.

O eleitor sabe que, em tempos de crise, as ideias dos socialistas não são as mais eficazes. O PS é um partido de gente bacana, mas ruim da cabeça. Portanto, mesmo com toda impopularidade, Sarkô não morreu. Na última semana, recluso no château praiano da sua sogra em Cap Nègre, ganhou três pontos de popularidade. Quem está precisando de um descanso assim é o Obama.


Foto: A praça central de Arbois, a Place de la Liberté.

Wednesday, August 3, 2011

70, 80 e 90

Muitos sistemas de numeração da antiguidade eram vigesimais. Se foram os dez dedos das mãos que inspiraram a base decimal, acredita-se que, a inclusão dos dedos dos pés gerou a base vigesimal.

Os celtas, por exemplo, usavam a contagem vigesimal. Pela via gaulesa, o francês antigo uniu a tradição celta ao latim. Na língua romana, 30 é "triginta", 40 é "quadraginta" e 50 é "quinquaginta". No francês arcaico, 30 é "vint et dis", 40 é "deux vins" e 50 é "deux vins et dis".

A partir do fim da Idade Média, a base decimal começou a vingar na França. Como o leitor pode antecipar, o francês moderno conservou alguns resquícios do passado. As dezenas 80 e 90 são, respectivamente, "quatre-vingts" e "quatre-vingt-dix". Já o número 70, ficou perdido entre o mundo decimal e vigesimal, batizado como "soixante-dix".

A Academia Francesa reconhece os numerais "septante", "octante" e "nonante". Há algumas décadas, seu uso foi estimulado como forma de simplificar o aprendizado. Mas, a tradição venceu. Como curiosidade, o francês falado na França, Bélgica e Suíça tem pequenas diferenças com relação aos numerais 70, 80 e 90:

Bélgica: Septante, quatre-vingts e nonante.
França: Soixante-dix, quatre-vingts e quatre-vingt-dix.
Suíça: Septante, huitante/quatre-vingts/octante e nonante.

Na Suíça, o número 80 é falado de três formas diferentes, conforme o cantão:

Vaud, Valais e Fribourg: Huitante
Genève, Jura e Neuchâtel: Quatre-vingts
Algumas cidades do cantão de Fribourg: Octante

Na Dinamarca e no País Basco, a numeração também manteve a tradição vigesimal, assim como em outras línguas célticas ainda vivas, por exemplo, gaélico e bretão.


Foto: Ainda no centro de Arbois, o Museu do vinho do Jura, com o seu vinhedo urbano.

Monday, August 1, 2011

Vox populi

Uma recente pesquisa do IBOPE, divulgada no Estadão, mostrou que a maioria dos brasileiros (55%) é contra a união estável entre pessoas do mesmo sexo ("casamento gay"). Mesmo sendo favorável à matéria, a aprovação pelo Supremo chamou minha atenção. Fiquei curioso pelos caminhos que a sociedade encontra para se aperfeiçoar, mesmo contra a suposta vontade da maioria. Certamente, não foi o único episódio da nossa História. Seria um paradoxo da democracia? 

A dificuldade de aprovação do "casamento gay" no Congresso pode ser compreendida. Não foi o poder do lobby católico-evangélico, mas a própria vontade do povo. O poder legislativo representa o povo. Seria justo cobrar este tipo de progresso social do Congresso? Seria incumbência dos outros poderes?

O Ricardo Amorim (@Ricamconsult no Twitter) foi mais provocativo e tuitou:  "Segundo IBOPE, maioria é contra união gay. Ainda vamos nos envergonhar disso. Maioria já foi contra fim da escravidão e voto das mulheres.”

O paralelo sugerido pelo Ricardo é inteligente. Talvez, discorde do motivo da vergonha, pois a sociedade está sempre em transformação. Os eventos históricos suscitam controvérsias, porém, em ambas as situações, o Brasil estava muito dividido.

Todos sabiam que a abolição viria mais cedo ou mais tarde. A resistência era grande por que uma parte do Brasil protegia seus interesses. Até a classe média possuía escravos! A aristocracia rural também dava como certa a abolição, mas brigou até o fim por uma indenização pelos escravos libertados.  A Princesa Isabel formalizou o fim da escravidão com a sua canetada histórica, sem indenização aos proprietários de escravos, que viraram republicanos instantaneamente (Já viram isso?).

O sufrágio feminino também foi resolvido com uma canetada de Getúlio Vargas em 1932. O ativismo feminino cresceu no seu governo e a causa foi misturada com os movimentos sociais, que espalhavam-se pelo país. Possivelmente, muitos brasileiros eram apenas indiferentes ao tema, daí a suposta oposição da maioria. Se houvesse uma pesquisa de opinião nos anos 20-30, as mulheres não seriam entrevistadas! Depois de anos de discussão e indefinição, Getúlio encerrou o assunto e capitalizou.

Em ambos os casos, mesmo que a maioria da população ainda não apoiasse a causa, a Princesa Isabel e Getúlio Vargas estavam diante de uma tendência inequívoca, seja pela realidade no exterior ou pela mobilização crescente da nossa sociedade. Coube a eles mostrar o caminho.

O Brasil mudou. Temos uma Constituição mais moderna e respeitosa aos direitos do cidadão. Não temos mais monarcas nem ditadores. O papel do Supremo, como árbitro em grandes debates nacionais, será cada vez mais comum, numa situação similar aos EUA. Livre de preconceitos e interesses, o Supremo deve decidir segundo o espírito da Constituição. E que venham outros debates, pelo bem do Brasil!


Fotos: Acima, uma esquina charmosa de Arbois, a caminho da casa onde viveu Louis Pasteur,a atração principal da cidade (abaixo).

Saturday, July 30, 2011

A doença

Mesmo estando na Europa no momento do atentado da Noruega, foi no Brasil, que tive tempo para buscar mais informações e ler alguns ótimos artigos. Uns exploram a loucura isolada do norueguês, outros se esforçam para integrá-lo ao contexto europeu. Certamente, há uma combinação dos dois aspectos numa questão tão complexa.

Gostaria de ressaltar que o terrorismo de extrema direita vai muito além do espetáculo momentâneo de horror passado na Noruega. São eventos diários: Um espancamento na Alemanha, uma pichação na França, um cemitério vandalizado na Áustria, um discurso furioso na Holanda e, até mesmo, assassinatos isolados. Os alvos são sempre os mesmos.

A Europa já está tão acostumada, que tais notícias raramente recebem destaque internacional. Mais do que isso, o eleitorado se acomodou e deixou com que o discurso inflamado da extrema direita voltasse à tona depois de anos no ostracismo.

Parece incrível, mas o atentado da Noruega foi importante para alguma coisa. Ele chacoalhou os cidadãos acomodados e os políticos. Ele nos faz lembrar os riscos da radicalização e do fanatismo. Faz lembrar a tragédia não tão remota da Segunda Guerra, em que todos perderam.

Na última semana, governos e serviços de inteligência começaram a prestar mais atenção nos terroristas cristãos e não somente nos islâmicos. E, mais importante, milhares de europeus, à beira da sedução pelo discurso conveniente da extrema direita, foram devidamente relembrados do seu verdadeiro ideário.

Infelizmente, a semente do ódio é mais comum do que parece. Os políticos europeus, diante da crise atual, apresentam-se como vítimas da especulação internacional. Na Alemanha, gregos e espanhóis são vilões, esquecendo-se de que o país foi o grande beneficiário da moeda única. Enfim, continua-se buscando a culpa alheia, o bode expiatório.

Não adianta fazer uma moeda única, liberar as fronteiras e promover qualquer tipo de união, enquanto perdurar este comportamento tão primitivo. Mesmo sem saber, políticos de todas as linhas ideológicas acabam alimentando a doença de Anders Behring Breivik, a doença da Europa, a doença da humanidade. Ainda precisamos de décadas de democracia, espírito republicano e verdadeiros estadistas para nos curarmos.

Foto: Outra tomada do centro velho de Arbois, com as casas que avançam sobre o  La Cuisance.

Thursday, July 28, 2011

Campeão imoral

Na última terça-feira, César Cielo levou a medalha de ouro na prova dos 50m borboleta do mundial da China. A premiação foi marcada por copiosas vaias da plateia e pelo protesto velado dos seus oponentes. Hoje, a sua derrota nos 100m gerou tanto solidariedade como desprezo dos próprios brasileiros. Afinal, César ganhou ou perdeu? O Brasil ganhou ou perdeu?

A aplicação de uma punição muito branda para um atleta envolvido com doping é uma opção pelo curto prazo. Punir uma das nossas maiores chances de medalhas às vésperas das Olimpíadas 2012, e no espírito de preparação de 2016, seria um golpe duro. O jeitinho brasileiro funcionou para se encontrar uma solução conciliadora, com o aval das autoridades mundiais da natação. Todos erraram.

Cielo já está na história esportiva do Brasil pelas suas respeitáveis conquistas. Para brilhar nas próximas competições, o Brasil precisa formar muitos novos atletas, que respeitem a ética esportiva. Uma punição mais rigorosa ao nadador seria um excelente exemplo para as futuras gerações, mostrando que a vitória é fruto da dedicação e da técnica. Jamais, dos truques baratos e da malandragem.

Cielo poderá ser hostilizado por muito tempo. E nós perdemos uma ótima oportunidade de dar exemplo. Perpetuamos a Lei de Gérson.

Evidentemente, este post não é apenas sobre natação, um dos menores problemas do Brasil. Estou torcendo para que a fúria moralizadora de Dilma no Ministério dos Transportes amplie-se para toda Esplanada. E que não seja só contra os "aliados", mas com os seus correligionários também.


Foto: O centro velho de Arbois, cortado pelo rio La Cuisance. Como nas pequenas cidades francesas, entenda-se por velho construções de 200 a 500 anos.

Saturday, July 9, 2011

Hit parade

Usei o serviço "Blog2Print" para imprimir os meus posts de 2009. O resultado foi um livro muito bem acabado. Quase tudo automático e bem diagramado. Os comentários aparecem na sequência dos posts e as fotos são encaixadas no texto. Em formato pequeno, elas ficaram ótimas. Serviram de prova para uma futura impressão em tamanho maior.

As únicas surpresas foram os erros de digitação. Relendo uma dúzia de posts antigos, peguei alguns erros que escaparam da minha revisão. O que foi mais importante para realçá-los? O tempo ou a impressão em papel? Não sei, mas acreditem em mim. Se escrevi "os livro é bom", foi erro de digitação e não uma tentativa de inclusão social neste blog.

Entre os posts de 2009, está o meu post mais lido de todos os tempos. Nas estatísticas do Blogger, percebi que ele é acessado continuamente desde então. Entre tantas coisas interessantes que escrevi, por que um post tão vagabundo sobre a música francesa faz o maior sucesso?

Parei para investigar. Elementar, meu caro leitor. Quando se escreve na barra do Google "cantores franceses contemporâneos", o motor de busca aponta o meu post em primeiro lugar. Daí, a enxurrada de acessos, passados mais de dois anos da sua postagem.

Vejam o segundo parágrafo do post: "Há alguns dias, sugeri alguns cantores franceses contemporâneos". Dá para imaginar como o Google chegou à sua conclusão.


Foto: Inicio a série de fotos de Arbois, outra cidade da região da Franche-Comté, departamento do Jura. Os cartazes espalhados pela cidade celebravam o festival do vinho do Jura.

Sunday, July 3, 2011

Pão francês

Estive viajando. Ocupado, mas não desconectado. No retorno, li algumas matérias sobre a possível fusão do grupo Pão de Açúcar com o Carrefour, estimulada pelo BNDES. O senador Aloysio Nunes, do PSDB, ironizou: "Duas redes de varejo se casam e quem dá o presente é o Brasil, ou melhor, o contribuinte?...Daqui a pouco o BNDES vai contribuir para a fusão de salões de beleza". Se eu tenho minhas restrições à iniciativa apoiada pelo governo, a manifestação da oposição também não é totalmente correta.

1) Ele questiona a concentração do setor no Brasil. Concordo. A concentração já é muito grande. Na França, sede do Carrefour e do Casino, há outros grupos fortes brigando ferrenhamente com ambos: Auchan, E.Leclerc, Intermarché e Système U. O mercado ainda não é totalmente livre, mas funciona melhor do que aqui. Um país do tamanho do Brasil pode ter e merece um varejo mais competitivo.

2) Quando questiona a participação no BNDES no processo. Concordo. O banco já virou motivo de chacota. Tem sido uma máquina de privilégios, uma ferramenta a serviço dos governantes e não do Brasil.

3) Quando coloca o destaque no contribuinte. Concordo. Todos que estão lá, em Brasília, têm a obrigação de zelar pelo dinheiro público, pelo nosso dinheiro. Todos os políticos devem ter como prioridade os quase 200 milhões de cidadãos contribuintes.

4) Quando insinua que o Brasil dá um presente a grupos estrangeiros, embora não esteja explícito. Discordo. O BNDES deve escolher os projetos que são bons para o Brasil. O que é melhor para o país, uma empresa americana que pega dinheiro do BNDES para investir no Brasil ou uma empresa brasileira que pega dinheiro para investir nos EUA? Não existe uma resposta, depende da situação. Embora o banco possa privilegiar as empresas nacionais, o mundo de hoje não é dividido simplesmente entre grupos nacionais e estrangeiros. O capital é um conceito meio "fluido", mas isso é uma outra história.

5) Quando ironiza os salões de beleza. Discordo. Por que não? Organizar e solidificar o setor de serviços é uma ótima idéia. São grandes geradores de empregos. O Brasil precisa de inúmeros hotéis, restaurantes e salões de beleza. Possivelmente, tais estabelecimentos tragam um retorno maior do que uma montadora de kits de automóveis importados da Coréia.

Enfim, muitos dos "escândalos" anteriores do BNDES ficaram distantes do público em geral. Um episódio mexendo com o varejo tem o mérito de expor a questão para milhões, antes indiferentes ao tema.


Foto: Núcleo da abadia de Baume-les-Messiers, na região da Franche-Comté. A pequena cidade gira em torno dela.

Sunday, June 19, 2011

Chiropa

Excluir a Grécia da Eurolândia era o cenário a se evitar. Temia-se uma convulsão social, a implosão de um país no seio da Europa e a virtual contaminação do continente, uma cesta cheia de frutos podres. Em algum momento, pensou-se que, ao invés de separar os podres, talvez fosse mais fácil separar os bons. Engano.

A Alemanha não pode mais sair do Euro. Mesmo com a economia mais saudável, seu superávit é feito em cima dos demais países europeus. Se tivesse moeda própria, um novo Marco, sua valorização acabaria com a competitividade do país. A opção é insustentável.

Já os gregos estão protestando de forma cada vez mais intensa. Se as coisas continuarem assim, todo o esforço europeu terá sido em vão, pois o caos se aproxima, com ou sem Euro, com ou sem Dracma.

Enquanto Angela Merkel hesitava, Sarkozy sempre foi claro. Quis salvar a Grécia para privilegiar seus amigos e financiadores de campanha, que fazem muito dinheiro por lá: Banqueiros e fabricantes de armas. O bom senso prevaleceu, Merkel e Sarkozy flexibilizaram as suas posições para fazer um novo pacotão de auxílio.

No final das contas, quem salva a Grécia, Portugal e Irlanda não é nem a Alemanha nem a França, mas ninguém menos do que a China, que vai comprar mais títulos europeus. Como a China tem muita bala, acredito que os problemas serão empurrados com a barriga.

Talvez a Europa faça como os EUA, que se amarrou com a economia chinesa, algo que alguns chamam de Chimérica. Agora é a vez da Chiropa. A China, que já tinha um marido bêbado e perdulário, arrumou um amante da mesma categoria. Não há consenso sobre onde isso vai parar. Xie Xie!


Foto: No centro de Baume-les-Messiers, na região da Franche-Comté.


PS: Artigo de Niall Ferguson, de 2005, para quem quiser ir mais longe: Our Currency, Your Problem